Hoje foi dia de vacina. E também de reconhecer a dedicação das pessoas que trabalham nas diversas funções, nos centros de vacinação. A organização e a logística são apreciáveis. Igualmente de louvar é a atenção que é dada a cada pessoa. Muito bem.
Hoje a zona da Foz e o passeio marítimo no Porto estava a abarrotar de gente e de polícias. Só estes últimos é que andavam com as máscaras postas. O pessoal civil passeava a descoberto toda a sua falta de civismo e de miolos.
E pronto, o primeiro trimestre chegou ao fim. Fica a impressão que foi um trimestre a ritmo lento. Mas a verdade é que foi, para nós, em Portugal, um período muito difícil em termos do impacto da pandemia. Muita gente esteve doente e muitos faleceram, sobretudo em Janeiro e Fevereiro. E a campanha de vacinação andou a passo de lesma.
Mas tudo isso faz agora parte do passado. O fundamental é olhar para o segundo trimestre com mais optimismo. E acreditar que o ritmo das vacinações vai ser muito melhor. Essa é a grande esperança.
Olhando à volta – e ouvindo este serão o Presidente Macron – vemos que a pandemia está longe do fim. Antes pelo contrário. A França entra agora num novo período de confinamento severo, por quatro semanas, pelo menos. E as coisas não estão melhores na Bélgica ou na Alemanha, por exemplo.
Tudo isto tem custos humanos e económicos incalculáveis. Alguns partidos ainda não se aperceberam disso e continuam a falar do futuro como se esse fosse igual ao passado. Ora, não se trata de voltar ao quadrado de partida. A Europa e o mundo de 2019 já não existem
A confusão destes dias sobre a vacina da Astrazeneca mostra, uma vez mais, a importância de uma comunicação clara e directa sobre as campanhas de vacinação. Essa deve ser a responsabilidade dos dirigentes políticos. O sucesso das campanhas é essencial. Por isso, a maneira de falar sobre o assunto tem de responder às interrogações que os cidadãos possam ter e levá-los a aceitar as vacinas existentes e reconhecidas pelos cientistas. A impressão que fica é que os políticos não têm sabido comunicar sobre o assunto. Essa falha abre a porta aos promotores de teorias da conspiração. Ou, pelo menos, ao cepticismo e à irritação popular.
Durante a minha tele-conferência desta tarde com gente de Beijing, China, fiquei a saber que aí o critério da vacinação contra a covid-19 é o do sector de residência. Cada zona da cidade é designada, em determinado momento, como área de vacinação e todos os habitantes que aí residem são vacinados, independentemente da idade. Assim se criam perímetros de imunização, que se vão expandido à medida que os dias avançam.
Parece-me uma boa lógica. Sobretudo porque a vacinação progride rapidamente. Não há espaço para que uns se sintam mais privilegiados que os outros.
Mais tarde recebi notícias dos meus amigos americanos em Riade, na Arábia Saudita. É um casal no grupo etário dos 40-49 anos. Foram hoje inoculados com a primeira dose da vacina. E disseram-me que o sistema funciona bem.
Entretanto, os meus antigos colegas que residem no Estado de Nova Iorque já foram todos vacinados.
Na União Europeia andamos todos à procura do tempo que não chega.
Estamos a ficar sem conversa, depois de tantas semanas de confinamento. Hoje, ao fazer o meu passeio para espairecer, encontrei um amigo de infância, que mora nesta mesma zona da cidade. E depois das saudações de circunstância, ficámos a olhar um para o outro, sem assunto de conversa, para além das banalidades ligadas à pandemia e à confusão das vacinas. Pensei, depois, que estamos a perder uma das qualidades que nos pareciam das mais importantes, a capacidade de comunicar com os outros. Nada acontece, para além das quatro paredes em que nos fechamos e, no seguimento, nada temos para contar.
Surgem cada vez mais queixas sobre a maneira pouco eficaz de execução da nossa campanha de vacinação contra a covid-19. A ineficiência traduz duas coisas. Uma, refere-se à maneira como funciona o Sistema Nacional de Saúde quando se trata de respostas organizadas – e não de tratamento de urgências. Por isso, muitos dos cidadãos com mais de 80 anos continuam por vacinar, sobretudo os que têm menos acesso a médicos de família ou a clínicos amigos. Como também continuam por vacinar muitos dos maiores de 50 com doenças crónicas, mas pouco ou nenhum seguimento médico.
Por outro lado, a definição dos grupos profissionais prioritários continua a não incluir os professores e o pessoal de apoio ao sistema de ensino. E as escolas permanecem encerradas.
Para além das questões organizacionais, há aqui uma questão política que precisa de ser encarada de frente. A covid não é apenas um problema de saúde pública. É uma emergência nacional. Tem várias dimensões. Por isso requer uma direcção política de topo.
O meu texto de ontem voltava a sublinhar a urgência das campanhas de vacinação. E a importância de se utilizarem todas as vacinas disponíveis. É óbvio que não me esqueço das dificuldades que existem em termos de produção de quantidades astronómicas de vacinas, desde a vacina a tudo o resto – frascos, embalagens, sistemas de refrigeração, a logística da distribuição, as seringas, etc. Mas todas as atenções devem estar focadas nisso. Andar a falar de passaportes vacinais quando uma grande parte da população não deverá estar vacinada no início do verão – se continuarmos ao ritmo a que vamos agora – parece-me uma distracção. Uma mais. E uma nova fonte de tensões, de desilusões e de perda de credibilidade.
Em frente à minha varanda, do outro lado da avenida, existe uma praça de táxis. No passado, as viaturas permaneciam pouco no estacionamento. Chegavam, juntavam-se mais uma ou duas, e rapidamente seguiam viagem. O tempo de paragem era curto. Agora, forma-se uma fila que nunca mais acaba e passam horas à espera do serviço que não aparece. É difícil, ao ver tantas viaturas sem movimento, não concluir que a cidade está mais ou menos parada. É igualmente impossível não pensar nas consequências económicas e sociais de tudo isto.
Para cúmulo, os meus amigos de Évora publicam fotos do centro da cidade, sem que se veja vivalma. E quem fala comigo ao telefone, diz-me que na sua zona pouco ou nada mexe. E acrescentam que muitos andam deprimidos, à espera da vacina e dos dias de sol. Infelizmente, não posso prometer nem uma nem a outra.
Vamos continuar confinados por mais e mais semanas. E com duas grandes ameaças: a falta de vacinas, com quantidades muito abaixo do que fora esperado; e o aparecimento de novas estirpes da pandemia, que poderão ser mais contagiosas e resistentes às vacinas disponíveis. A estas ameaças junta-se o impacto negativo de tudo isto sobre a economia. Por muito que se
diga, para menorizar a dimensão desse impacto, a verdade é que a economia está a trabalhar a meio gás. Sectores importantes continuam fechados e sem perspectivas de voltar a abrir nos próximos tempos. Por muita folga que a economia possa ter – que não tem – a realidade é que estamos a construir uma crise.
Na verdade, ninguém sabe ainda quando tempo irá durar este período de excepção. Há quem diga que o último trimestre do ano já será melhor, mais próximo do normal. Esta é uma suposição e nada mais, neste momento.
Entretanto, é fundamental aproveitar todas as vacinas disponíveis. A vacina russa, se se confirmar a sua eficácia, não deve ser excluída. Não há nenhuma outra razão para excluir excepto as razões científicas. A única prioridade é vacinar o maior número de pessoas tão rapidamente quanto possível. Ligada a esta prioridade está a questão da credibilidade de cada uma das vacinas disponíveis. É preciso manter a confiança das pessoas nas vacinas. Não se deve esquecer essa dimensão.