Nas diferentes campanhas para as eleições autárquicas ter-se-á falado de muita coisa, mas não se falou da insegurança que muitos cidadãos experimentam, diariamente, em vários bairros das grandes cidades bem como nas periferias das grandes aglomerações urbanas. Uma leitura atenta dos incidentes que alguma comunicação social vai notando e depois de várias conversas com pessoas que vivem em zonas mais densamente povoadas – e mais expostas ao pequeno crime, a assaltos, a roubos de peças de automóveis, a vários tipos de vandalismo, a intimidações vindas de grupos violentos, etc – deixam claro que há um sério problema de criminalidade no país. E que a tendência das autoridades é a de varrer isso para debaixo do tapete que tudo esconde.
Temos, no entanto, um número elevado de polícias e de GNRs por 100 mil habitantes. Mas a questão não essa, nem apenas a falta de coordenação táctica entre estas duas forças. Há um problema de direcção política ao nível do Ministério da Administração Interna e um muito sério problema na área do funcionamento da justiça. Tudo isto leva o cidadão violento a pensar que o crime sempre tem algum grau de compensação, em Portugal.
Disseram-me hoje, durante a minha caminhada habitual, que os carteiristas que operam junto do monumento das Descobertas e da Torre de Belém continuam desacorçoados. Estamos no pino de agosto e não há turistas que se vejam. É verdade que há um pouco mais de movimento, quando comparamos a situação de agora com a de finais de julho. Mas é minúsculo e não dá nem para os trocos.
O que aconteceu no BES teve certamente profundas implicações políticas. Mas para além de ser um caso político, cujos contornos poderão ser elucidados pelo inquérito parlamentar em curso, é igualmente um caso de polícia. Os indícios da prática de vários crimes são cada vez mais evidentes. Tem que haver uma investigação criminal a sério, um apuramento de responsabilidades e os julgamentos que forem considerados adequados. O que aconteceu, o que foi praticado, não pode ficar impune.
Estive em Braga nos últimos dois dias. O motivo que me levou a essa cidade foi a realização de um seminário internacional sobre as ameaças à segurança de África e da Europa que resultam da situação de instabilidade e de má governação no Sahel.
Tive a oportunidade de partilhar a minha análise desta problemática com os outros participantes e também com um grupo de alunos de relações internacionais da Universidade do Minho. É verdade que cada país do Sahel é um caso, mas existem vários pontos comuns. Um deles, passa pelo cruzamento de um meio ambiente cada vez menos favorável à produção de alimentos, em virtude da desertificação crescente – o Deserto do Sahara avança em direção ao Sul cerca de 48 quilómetros por ano – com um crescimento muito elevado da população da região. Dois em cada três habitantes do Sahel têm menos de 25 anos de idade, o que irá contribuir, por vários anos, para que a população continue a crescer de modo acelerado.
Como não há meios de vida, muitos desses jovens são, pura e simplesmente, candidatos à emigração. E uma pequena franja, mas significativa, será apanhada pelas redes radicais e pelo crime internacional organizado.
A crise e os ajustamentos das finanças públicas dividem a sociedade, extremam as posições e levam muitos ao desespero. Têm, igualmente, um impacto apreciável sob a saúde mental e física de um número significativo de cidadãos, que sofrem de um stress agudo, com todas as suas consequências.
Constituem, na vida de um país, um momento de uma grande complexidade, que requer muito tacto político e um grande sentido das responsabilidades.
Exigem, igualmente, que as instituições da República funcionem e sejam minimamente respeitadas. Incluindo, claro está, os titulares das mesmas.
Assim deve ser, num Estado de direito e numa democracia constitucional.
Por isso, apelos a acções políticas violentas e incitamento à violência contra os titulares dos órgãos de soberania são inaceitáveis, por mais críticas que se possam fazer a essas personalidades.
Sugerir que os governantes irão ser corridos “à paulada” é uma visão troglodita da política. Ameaçá-los com rufiadas populares violentas corresponde a uma concepção da democracia que muitos estragos fez ao nosso país, nas décadas de dez e vinte do século passado. Em ambos os casos, trata-se de instigação à violência contra as autoridades democraticamente constituídas. Ou seja, trata-se de crimes públicos. Que, no Portugal de direito que sempre será o meu, devem ser objecto de procedimento judicial. São casos de tribunal.
É que, ao fim e ao cabo, sair da crise passa, igualmente, por uma firmeza sem hesitações no cumprimento das regras democráticas e por uma clareza absoluta em relação a quem pisa o risco.
Os atentados na Noruega deixaram o país em estado de choque.
Estive em contacto com os meus amigos noruegueses e ninguém queria acreditar que o seu "paraíso" pudesse vir a ser alvo deste tipo de acções terroristas. A verdade é que a Noruega é um actor internacional importante, quer na paz quer na guerra, e um aliado íntimo dos Estados Unidos. Por estas razões, pelo menos por estas, atrai a atenção de quem pensa que o terrorismo é uma arma política.
Mas não o é. Trata-se, pura e simplesmente, de um crime cego e bárbaro contra as pessoas, cometido por loucos perigosos.
Entretanto, olhei a paisagem à volta da minha varanda e vi o Ministério da Defesa de Portugal, aqui no Restelo, com um amontoado de carros caoticamente e perigosamente estacionadas contra as suas paredes. Fiquei apreensivo. Será que acreditamos que estas coisas só acontecem aos outros?
O Conselho dos Direitos Humanos da ONU reuniu-se, em Genebra, para debater a situação na Líbia.
A resolução aprovada pelo Conselho, no final dos trabalhos, é adequada. Faz as referências exactas, incluindo as relativas aos crimes cometidos pelas autoridades. Também é importante que o Conselho tenha decidido enviar imediatamente para a Líbia uma comissão internacional de inquérito. Esta é uma das medidas que estão na caixa de ferramentas da diplomacia internacional e é, normalmente, eficaz.
Só que no caso de governantes loucos o impacto é mais demorado...
Por outro lado, a esta hora está reunido o Conselho de Segurança, em Nova Iorque. Existe uma proposta de resolução forte. Vamos ver se passa e com que termos e linguagem.
Este é momento, sem mais demoras, para fazer ver a Seif e aos irmãos que as opções actuais do pai deles não auguram nada de bom. E quando se é jovem, como eles o são, é bom pensar nessas coisas que têm que ver com o futuro de quem ainda tem futuro.
O que se está a passar na Líbia é inaceitável. É um conjunto de actos criminosos, por parte dos dirigentes, contra a população civil. São acções que caem, sem dúvida, na área de jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Gaddafi, e o seu filho Seif, são os principais responsáveis.
Seif é um jovem sedento de poder e de dinheiro. Tem sido, nos últimos anos, o verdadeiro chefe, por detrás do trono. Das várias vezes que tive que lidar directamente com o governo líbio, quando havia uma decisão importante, a pergunta que me faziam ou o conselho que me davam eram sempre os mesmos: é melhor falar primeiro com Seif.
Hoje, em Bruxelas, onde estava a decorrer uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, um dos ratos da diplomacia mostrava um ar preocupadíssimo e dizia que a situação no mundo árabe é muito complexa, que é preciso tratar dela com muito cuidado, que não se trata apenas de uma questão de democracia e de direitos humanos. Não entendi bem onde queria chegar. Mas sei que para quem está, hoje, a ser baleado pelas hostes armadas de Gaddafi, pai e filho, um certo respeito pelos seus direitos e pela democracia dava um grande alívio.
A experiência adquirida pelos militares brasileiros no Haiti, no quadro da missão da ONU, tem sido muito útil para o combate ao crime urbano no Rio de Janeiro. E tem havido uma excelente articulação entre eles e a polícia. Agora, há que levar o trabalho até ao fim.
Entretanto, lembro que a experiencia trazida do Haiti foi a do combate ao crime organizado. Gangues de vários tipos, mas todos muito violentos, dominavam sectores importantes de Port-au-Prince. As forças da lei e da ordem pública não podiam entrar nesses bairros. A ofensiva, lançada pelos capacetes azuis, demorou meses e causou muitas perdas, com muitos bandidos mortos de armas na mão.
Também aconteceram estórias do arco-da-velha.
A determinada altura, a secção de informações da missão da ONU descobriu aquilo que lhe parecia ser o quartel-geral dos criminosos. Era uma espécie de bunker, num dos bairros mais centrais e mais perigosos do centro da cidade. Havia entradas e saídas de gente, a todo o momento, assim o mostravam as fotografias tiradas, a uma certa altitude, dos helicópteros. E parecia mesmo ter fossas subterrâneas, provavelmente para que os bandidos pudessem dispor dos que eram sentenciados.
O ataque demorou semanas a ser preparado. Tudo muito secreto. Teve, finalmente, lugar, numa madrugada feia. Foi uma operação estranha. Não houve resistência por parte dos ocupantes. E o bunker era afinal um edifício de latrinas públicas, construído por um consórcio de ONGs. Acabou por ser, na verdade, uma operação de caca.
Existe, na União Europeia, um país que permite a indivíduos condenados a penas de prisão maior, por tribunais devidamente constituídos, andar em liberdade, sem qualquer restrição, e aparecer diariamente nas primeiras páginas da imprensa nacional a atacar juízes e a justiça. Nenhum desses seres é, em seguida, importunado pela procuradoria da república, que difamar juízes e fazer campanha contra a justiça não parecem ser crimes públicos nesse tal país.
E os media colaboram, que também por esses lados não há cabeça nem sentido das responsabilidades.