Finalmente, Vladimir Putin anunciou que não estará presente na próxima cimeira dos BRICS, que terá lugar a partir de 22 de agosto, na África do Sul. Foi um grande alívio para os sul-africanos que não queriam de modo algum uma visita desse género, e uma prova clara que o presidente russo tem poucas hipóteses de viagens internacionais, depois da acusação formal do Tribunal Penal Internacional. Putin entende agora de maneira mais clara o que significa ser um pária na cena internacional.
A sabotagem e destruição da barragem de Kakhovka, que tem todos os indícios de ter sido efectuada pelos militares russos, para dificultar a contraofensiva ucraniana, é mais um crime de guerra a juntar à longa lista dos que já foram perpetrados pela parte russa. Mostra ainda que para os chefes militares e os políticos russos não há limites, todas as barbaridades são consideradas como aceitáveis quando se trata de enfrentar o inimigo. Esta maneira de agir tem de ser travada tão rapidamente quanto possível. Os países aliados da Ucrânia têm de saber tirar as ilações que actos como este, relativo à destruição da barragem, põem em evidência e agir em consequência.
O discurso de hoje Vladimir Putin, pronunciado perante as duas câmaras parlamentares, foi bastante longo, mas sem surpresas. Destinava-se sobretudo à audiência interna, para repetir a mentira oficial relativa à agressão contra a Ucrânia.
O objectivo é mostrar que a Rússia está a ser atacada pelo Ocidente e não tem outra opção para além da defesa do país e dos seus valores. A guerra, na narrativa de Putin, tem como responsáveis os dirigentes da NATO, especialmente os norte-americanos.
O controlo dos média permite repetir essa mentira constantemente. Assim, uma parte da população russa relativamente importante acaba por acreditar na fantasia que lhes é contada.
O Ocidente não tem outra solução senão repetir que a agressão veio da Rússia e que não existe nenhuma intenção de intervir na política interna do país. O Ocidente não quer esmagar a Rússia ou provocar uma mudança de regime. Antes pelo contrário, existe a esperança daqui a um dia volte a haver uma relação de cooperação entre as duas partes da Europa.
Dito isto, é preciso não esquecer que têm sido cometidos crimes de guerra, para além do crime de agressão e de outras violações muito sérias da lei internacional. Assim, os responsáveis por esses crimes terão um dia que ser julgados e responsabilizados. Esse tipo de acção terá de começar pelo responsável número um, Vladimir Putin.
No Dia de Natal, na nossa cultura, fala-se e deseja-se paz. É isso que esperamos que aconteça na Ucrânia, tão brevemente quanto possível.
Também se deve falar de justiça. Este conceito tem várias dimensões. No caso da guerra, significa que não se pode de modo algum tratar o agressor em pé de igualdade com a agredido. Um agressor é um criminoso. É assim que deve ser visto e tratado. Não se oferecem garantias a um criminoso, para além das previstas num julgamento legítimo e processualmente correcto. Mas o criminoso, uma vez reconhecido culpado, deve ser punido.
Um Chefe de Estado não tem imunidade quando se trata de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade, de actos de genocídio. Quando se negociou com Adolf Hitler em 1938, abriu-se a porta a uma nova onda de violência. Essa foi uma das lições aprendidas há oito décadas. Seria um erro esquecê-la.
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos considera que a chuva de mísseis russos, que aconteceu ontem e hoje na Ucrânia, podem ser considerados crimes de guerra. Estou inteiramente de acordo. Até porque os russos dizem que são disparos de alta precisão, que acabam por atingir alvos civis e infraestruturas que nada têm de ver com os combates. Se são tiros precisos, então são ataques deliberados contra civis, para aterrorizar.
São, além disso, uma tolice revanchista. Esses mísseis russos fazem falta para defender as tropas russas e estão a ser gastos por razões de vingança, que em nada servem os objectivos militares. A questão da disponibilidade de munições é, cada dia que passa, uma questão mais premente.
Um dos comentadores putinistas a quem é dada habitualmente voz na CNN Portugal – um Major-General na reserva, que aprendeu geoestratégia na GNR e que na sua condição de militar não deveria fazer comentários políticos, mas no regabofe que são as nossas chefias militares e perante a incompetência habitual do Ministério da Defesa, ele fala e contraria a posição oficial, com toda a impunidade – disse hoje que os crimes de guerra de Izium fazem apenas parte da propaganda de guerra dos Ucranianos.
Quem diz que vê na agressão russa contra a Ucrânia uma guerra indirecta, por procuração, entre a Rússia e os Estados Unidos está enganado ou quer enganar os outros. O que na realidade está a acontecer é uma manifestação selvagem da fúria destruidora de Vladimir Putin e dos seus contra uma cultura vizinha, mas a quem ele e os seus não reconhecem o direito de ser diferente e independente.