Sejamos realistas. Há décadas, muitas mesmo, que a situação internacional não estava tão perigosa como agora. Depois de uma pandemia que paralisou o mundo, temos agora uma combinação de conflitos e tensões muito graves. Nos países mais desenvolvidos, as pessoas saíram do pico da crise sanitária com uma febre consumista muito aguda. A questão do aquecimento global, da destruição acelerada da natureza, desapareceu do radar dos cidadãos. Mesmo Greta Thunberg não se consegue fazer ouvir, ela que tinha mobilizado as atenções globais no período anterior à pandemia. Depois surgiu a guerra, graças à loucura imperialista e ditatorial de Vladimir Putin. Putin quer ser o Czar Pedro o Grande dos nossos tempos, quando na realidade é o pequeno Hitler de 2022. Entretanto, a tensão entre os EUA e a China começou a entrar numa fase bem mais perigosa. E o empobrecimento dos países mais vulneráveis, algo que desapareceu das letras gordas dos jornais, está a ganhar velocidade. No Sri Lanka, nos países do Sahel, na América Central, no Paquistão, para mencionar apenas alguns. E as economias das nações mais ricas estão a viver à custa do endividamento das gerações futuras, no meio de uma inflação que mostra os desajustamentos entre a produção, as importações e o consumo. Entretanto, os sistemas multilaterais continuam a perder força e credibilidade.
Temos actualmente muitos dos ingredientes que combinados podem levar a crises profundas, quer ao nível nacional quer internacional. Ainda não saímos da pandemia da Covid-19. Os desafios em termos de saúde pública são enormes. Temos a guerra na Ucrânia, devido à agressão russa. Vários países estão a enfrentar uma situação de insegurança alimentar. Outros, vêem os preços dos alimentos e de outros produtos essenciais aumentar desenfreadamente. As cadeias de abastecimento e de circulação dos componentes industriais têm rupturas frequentes. Muitos países, incluindo a quase totalidade dos países desenvolvidos, estão endividados de modo insustentável, o que põe em causa o futuro das próximas gerações. Os preços dos produtos energéticos estão a torná-los inabordáveis para toda uma série de países.
Estamos numa fase em que é preciso reinventar o optimismo. Essa é a grande tarefa que os líderes têm pela frente. Sem optimismo não há futuro. Na situação que vivemos, a arte é saber combinar as ideias positivas com a prudência que não podemos deixar de ter.
A gravíssima crise internacional nas áreas da saúde pública e da economia teve hoje uma expansão significativa, acompanhada pela introdução de novos factores negativos e de grande impacto. De entre eles, sublinho as perdas vastíssimas nas áreas financeiras, com um impacto enorme nos fundos de pensões e na capitalização das empresas, a concorrência para o abismo no que respeita aos produtores de petróleo e o agravamento da situação político-militar no Afeganistão. Sublinharia igualmente as tensões entre a Turquia e os seus vizinhos, incluindo os vizinhos europeus.
Estamos agora numa situação de grande complexidade. As variáveis são muitas e o nível de incerteza é bastante alto. Isso explica o pânico que existe em certos círculos. E exige muita clareza e uma grande dose de serenidade por parte de quem tem o poder. É um desafio de liderança, a todos os níveis, como não há memória nos últimos setenta e cinco anos.