Creio poder adivinhar que em certos círculos europeus influentes as dúvidas sobre a pertinência do acordo relativo à Grécia se avolumaram ao longo do dia.
Primeiro, por causa das declarações de Alexis Tsipras. O primeiro-ministro disse não acreditar no acordo. Assinara por não ter outra alternativa. Isso assemelha-se, e muito, a uma rendição incondicional. Ora, a história mostra que os termos das rendições ficam, na grande maioria dos casos, por cumprir. E neste caso, a história voltaria a repetir-se.
Segundo, por causa da posição do FMI. O Fundo não tem condições para poder participar num programa que não ofereça garantias, a prazo, de estabilização, de normalização, ou seja, de regresso, um dia, do país assistido ao mercado de capitais tal como este opera. O FMI considera que o programa que está na forja não permite obter essas garantias. Só assim seria se houvesse um perdão significativo da dívida. Esse perdão não está previsto nem parece aceitável para os parceiros da Grécia, enquanto esta se mantiver na zona euro. Sem FMI é muito provável que certos parlamentos não aprovem o novo pacote.
Terceiro, por causa dos custos políticos. As cláusulas que deverão acompanhar o novo programa grego são muito intrusivas. Isso reflecte a gravidade da situação bem como a falta de confiança na classe política da Grécia. Terá vantagens políticas, nomeadamente ao nível das opiniões públicas dos países credores e também no combate aos extremismos radicais. Mas tem grandes inconvenientes, sobretudo para a imagem de certos Estados europeus, que aparecem na fotografia com um bigodinho neocolonial. Esse é um preço político elevado.
Perante isto, começa a haver, de novo, quem pense que a melhor solução é deixar a solução nas mãos do povo grego. Hoje à noite, esta maneira de ver tem, segundo entendo, mais crédito. Se as coisas não se compuserem nos próximos dias, se não houver moderação de parte a parte, ganhará ainda mais espaço.
A menos de 24 horas da cimeira do Eurogrupo, qual é o prognóstico? Aqui está uma pergunta arriscada. A resposta parece-me poder ser, com esta antecedência e com todos os riscos de errar, que a reunião não será conclusiva. As portas da negociação ficarão ainda entreabertas, mas notar-se-á um clima na sala pouco favorável a um acordo que não tenha garantias muito sérias de poder ser implementado. Não vai ser fácil para o governo grego.
Publico na Visão que hoje chegou às bancas o texto que abaixo transcrevo.
Boa leitura.
Retirar Tsipras da fotografia
Victor Ângelo
No chamado “coração da Europa” – Alemanha, França e Benelux, em particular – cerca de três em cada quatro cidadãos consideram que a ajuda concedida até agora à Grécia foi generosa. Também acham que não deve ser renovada, salvo se houver um compromisso forte e inequívoco em matéria de reforma do Estado e das finanças públicas. Simultaneamente, cerca de 60% desses mesmos eleitores preferiria que a Grécia se mantivesse na zona euro, para evitar uma crise de proporções imprevisíveis. Estes números são estimativas. Resultam de análises feitas em gabinetes opacos. Valem o que valem, como muitas das notas confidenciais que os serviços desse tipo produzem. Mas são as que circulam nos círculos políticos que têm de facto poder de decisão. Ajudam a compreender certas tomadas de posição. E lembram-nos, uma vez mais, que em política o que pesa de verdade é a opinião pública interna.
Os mesmos analistas foram chamados a refletir sobre as opções que a Grécia teria, se procurasse ajuda fora da UE. A possibilidade mais óbvia parecia ser a russa. A Grécia poderia solicitar assim o apoio político e financeiro de Putin. A conclusão a que se chegou é que se trata de um beco sem saída. A carta russa não vale no baralho que ainda resta a Atenas, um baralho hoje quase sem trunfos. Primeiro, a dimensão do problema é tal que está fora das possibilidades financeiras de Moscovo. Segundo, à Rússia interessa minar a união da Europa no centro e não na periferia. Terceiro, uma aproximação desse tipo acarretaria o afastamento da Grécia dos núcleos de decisão estratégica da Aliança Atlântica. Ora a presença na NATO é vital para os seus interesses de soberania. Não seria concebível, em Atenas, estar do lado de fora, enquanto a Turquia, o rival por excelência, continuaria dentro da Aliança. Sem contar com a possível oposição das forças armadas gregas a uma decisão política que pusesse em causa a sua inserção plena na NATO.
O primeiro-ministro Alexis Tsipras resolveu então jogar a carta do referendo. Foi uma decisão de desespero. Também um golpe fatal no relacionamento pessoal com os seus pares europeus. Estas são as apreciações que prevalecem em Bruxelas, do outro lado da mesa. A resposta parece ser clara. Se o campo do “não ao acordo” ganhar, Juncker e os outros tomam nota e passam à fase seguinte, que é a de consolidar a estabilidade financeira dos restantes membros da zona euro. Existe a convicção que será possível gerir os riscos decorrentes do “Não”. Porém, os chefes da Europa farão tudo o que estiver ao seu alcance, a tordo e a direito, para que seja o “Sim” a vencer. Para eles, o objetivo político principal mudou com a convocação do referendo. Trata-se, a partir deste momento, de criar as condições internas que precipitem o fim da coligação de governo grega.
E isto leva-me a um último ponto. A crise permitiu tornar clara a ideologia que sustenta o projeto europeu. Pouco a pouco, a Europa foi sendo formatada para ser governada ao centro. É uma construção neoconservadora, inspirada por opções políticas que assentam num liberalismo económico e cultural com fortes laivos sociais. Umas vezes o acento será mais no liberalismo, outras nas dimensões sociais, mas tudo dentro de um quadro ideológico que não ponha em causa o sistema. É agora evidente que o governo do Syriza ou arranjos semelhantes, noutros cantos da UE, não cabem neste quadro. Essa é a mensagem que se quer fazer chegar aos eleitores europeus.