Continuamos num período de grandes incertezas. Num tempo assim, é fundamental não sair do porto de abrigo, manter a calma e agir segundo as regras que tenham sido estabelecidas. A serenidade, a consideração pela comunidade a que pertencemos e o civismo são fundamentais. Isto, no que respeita a cada cidadão.
Aos políticos, cabe atenuar as incertezas. Intervir de modo profundo, saber explicar as razões dessas medidas e dar sentido ao caminho que está à frente dos cidadãos.
Todas as tempestades acabam por perder a força destruidora. O importante é conseguir, durante a passagem da espiral de crise, limitar os prejuízos. E, depois, pôr à disposição da economia os meios necessários para acelerar a recuperação.
Continuo a dizer aos meus amigos que não parem de sonhar, de inventar uma vida melhor, de lutar por ideias grandes. Há muitas coisas más que uma crise como a que vivemos em Portugal traz consigo. Uma delas é matar a capacidade de sonhar. Deixamo-nos então cair na crítica do que é mesquinho. Passamos a viver ao nível rasteiro, do ataque por baixo, pomo-nos à altura, bem medíocre, dos que são pura e simplesmente negativos e têm uma atitude cínica perante a vida. Que criticam tudo e todos, a torto e a direito.
Dizia-me alguém, com uma certa angústia sobre si próprio e a situação do país: quem sou eu para achar que sou menos estúpido que o resto da malta?
A frase saiu-lhe depois de me ter dito que, na sua opinião, andamos todos a discutir as questões erradas, o que é de somenos importância, num filme trágico a que chamaram “Fechado no rectângulo”.
Lembrei-me então da minha experiência de crises. Quando se está no meio de uma crise nacional profunda fica-se prisioneiro das nossas próprias limitações. É isso que nos afunda. E quando se pensa no futuro, a tendência é para tentar reproduzir o passado. Deixamos, assim, que a crise nos limite a imaginação e a capacidade de tomar a iniciativa e de mudar.
Acabamos, de facto, por ser os nossos próprios coveiros.
Há vinte anos que começou o genocídio no Ruanda. E, umas semanas depois, fui enviado para a Tanzânia, como representante da ONU. No rol das minhas atribuições estava a coordenação da recepção das centenas de milhares de refugiados Hútus que iam chegando à Tanzânia e o acompanhamento político da crise, do meu lado da fronteira. As imagens de multidões de refugiados que fugiam a pé do Ruanda, dos massacres e da chegada ao poder dos rebeldes Tutsis ficaram para sempre gravadas na minha memória.
Uma vez levei a minha filha mais nova, que na altura tinha catorze anos acabados de fazer, para a zona, a muitas horas de voo de Dar-es-Salaam. Aconteceu que nesse dia o rio Kagera, que corre do Ruanda para a Tanzânia, estava a trazer um número elevado de corpos de vítimas dos massacres. Gente que havia sido assassinada e lançada às águas do rio. A dada altura, fui dar com a miúda a observar a pesca macabra que era o retirar da corrente esses cadáveres mutilados.
Aprendeu-se muito na altura. Mas quero apenas lembrar uma das lições, que sempre me vem à memória: o medo e ódio pelo outro podem, numa situação de crise nacional profunda, transformar vizinhos pacíficos em criminosos selvagens e cegos, capazes de tudo. Ali, como noutras partes do mundo.
Embora não seja um doente do futebol, devo reconhecer que a atribuição da Bola de Ouro da FIFA a um português deu ao país um novo momento de satisfacção e de exaltação nacional. Numa altura em que as boas notícias são raras, esta é certamente muito bem-vinda.
Quem não consegue imaginar o futuro passa o tempo a recriar o passado.
Assim nascem os saudosistas e assim se inventa a história.
E quando se torna verdadeiramente difícil ter ambição em relação ao futuro, inventamos um passado que nos dê a satisfacção, que compense a frustração que sentimos quando olhamos para o tempo à nossa frente.
Uma sociedade em crise gera mais saudosistas e nacionalistas tresloucados do que criadores de futuros. Produz mais revolta do que esperança.
Este é valor que Portugal terá que pagar, se for aos mercados neste momento. É uma mensagem forte sobre a falta de confiança da comunidade internacional na nossa capacidade em sair da crise financeira em que nos encontramos.
Diz-nos, também, que um segundo resgate, com condições duras, é, para já, considerado inevitável.
Junte-se a isto a posição do Eurogrupo e de Bruxelas. Ambos disseram claramente que a meta dos 4% para o défice das finanças públicas, em 2014, é para cumprir.
As indicações não podem ser mais claras. Do lado de fora, não haverá grandes folgas nem contemplações.
Este é, pois, um assunto de importância estratégica, que deveria estar no centro do debate nacional, na mira dos dirigentes políticos.
Mas, não está.
Uns fingem que não vêem. Outros, são de facto, tapados e não enxergam mesmo.
Estamos num momento que exige atitudes positivas e construtivas. Deixo, por isso, a crítica negativa para outros.
A declaração feita pelo Presidente da República terá os seus adeptos e os seus detractores. Mas tem, pelo menos, o mérito de pôr em evidência a gravidade da situação económica e social em que nos encontramos e de mostrar que não existem soluções simples nem tradicionais para a crise. Os partidos devem, de facto, procurar chegar a um compromisso alargado, tão amplo quanto possível. Um compromisso histórico para um momento histórico. Sem ressentimentos, com os olhos postos no futuro, não no passado. Ao responderem ao apelo, os dirigentes políticos terão a oportunidade de mostrar por que bitola vão querer ser medidos: a partidária, das vantagens de grupo e de clientelas, ou a do interesse nacional.
Um compromisso que deve igualmente mobilizar as organizações representativas dos interesses económicos e sociais, incluindo os principais movimentos sindicais.
Viajei esta tarde ao longo da Via do Infante, desde a fronteira com Espanha, e na auto-estrada do Algarve para Lisboa. Ao longo do trajecto, pensei várias vezes na auto-estrada de Lisboa para Évora, sempre deserta. A que vinha do Algarve, hoje, tinha um vazio equivalente.
O Público de hoje informa-nos que apartamentos de luxo, novos, junto da Marina de Vilamoura e dos campos de golfe, foram ontem a leilão, a metade do preço e mesmo assim não encontraram comprador. O que teria custado 215 mil euros, no caso de um T2, esteve à venda por pouco mais de 100 mil e acabou por ser retirado do mercado.
Esta notícia terá passado despercebida a muitos. Para mim, enquadra-se bem no que escrevi ontem sobre as consequências que advêm de se falar repetida e estouvadamente da possível saída de Portugal do Euro.