O preço do barril de petróleo americano (WTI), para o mês de Maio, vale menos que nada. Caiu a pique, como um pedregulho no alto mar. Nunca tal coisa havia acontecido. Revela de maneira indiscutível a paragem quase completa da economia global. Mas o valor do barril para entrega em Junho anda na ordem dos 22 dólares americanos. Ou seja, os mercados financeiros continuam a apostar numa certa recuperação das actividades económicas, a partir de Junho. É verdade que 22 dólares não é grande coisa, tendo presente que cada barril tem um custo de produção, nos Estados Unidos, através da exploração do petróleo de xisto, de cerca de 40 dólares. Todavia, comparado com o preço de hoje, essas duas dezenas de dólares são uma fortuna.
O que os estrategas nos dizem, com estes números, é que a recuperação económica vai ser apenas parcial e demorada. O horizonte a curto e médio prazo não promete grandes voos. Muitos sectores económicos continuarão em crise. Os Estados mais ricos – nem convém falar dos outros – não conseguirão evitar o colapso de partes importantes da economia. E como estão a esconder essa incapacidade aos cidadãos, dando a entender que irão encontrar os meios necessários para financiar a recuperação, criando assim falsas esperanças, acabarão por entrar em desmoronamento político e social. O risco de caos cívico é imenso. Sobretudo que nós, nos nossos países mais desenvolvidos, nos habituámos a consumos que serão insustentáveis nos próximos anos.
Temos que mudar o nosso paradigma mental, a nossa escala de valores, o nosso entendimento sobre o fundamental e o acessório.
No meu entender, é preciso começar a falar destas coisas, do futuro que nos espera e ter a imaginação política necessária para mobilizar as energias de cada cidadão. Receio que isso não venha a acontecer. Nalguns países mais avançados e coesos, do ponto de vista da cidadania, do tipo Dinamarca, a resposta poderá ser mais fácil. Noutros, tenho a impressão que vamos avançar para sociedades ainda mais desiguais e marcadamente instáveis. Muitos dos nossos dirigentes políticos crêem ser suficientemente espertos para conseguir vender banha da cobra numa altura em que é preciso falar com realismo e promover o empenho de todos. Temos que dizer-lhes que essa via foi chão que já deu uvas. Agora, o mundo é outro.
Não tenho uma bola de cristal nem pratico a arte da adivinhação, uma disciplina muito popular em certos meios intelectuais. Por outro lado, falta-nos ainda conhecer uma variável fundamental, que é a da duração da fase aguda da crise, a fase em curso. Se se prolongar por vários meses, o impacto será profundo, sobretudo nas áreas da economia e dos rendimentos das famílias. Por isso, as duas grandes preocupações actuais, que devem ser tratadas em simultâneo, são o combate à pandemia e o evitar a falência das empresas e das famílias. Os governos serão avaliados pela maneira como venham a responder a esse tandem de questões. É aí, por exemplo, que se joga a eleição presidencial americana.
Em termos geopolíticos, deve-se ter presente que a crise fez renascer o sentimento nacional, a convicção que as fronteiras dos Estados protegem os cidadãos. Nacionalistas ferrenhos e políticos demagogos procurarão investir nesse sentimento e sacar dividendos da coisa. Esse poderá ser um dos maiores perigos que teremos de enfrentar no período pós-coronavírus. A demagogia ultranacionalista, o aproveitamento do medo pelos populistas. A partir daí, estará em perigo toda a arquitectura multilateral e intergovernamental, sobretudo o sistema das Nações Unidas e a União Europeia. Como também ficará ameaçada a cooperação internacional, quer no domínio humanitário, de ajuda aos refugiados, por exemplo, quer no campo do desenvolvimento e da luta contra a pobreza.
Um outro aspecto particularmente importante terá que ver com a competição pela hegemonia entre a China e os Estados Unidos. Essa disputa acentuar-se-á e marcará de modo determinante a agenda das relações internacionais. A China já entrou num período de recuperação económica e política, enquanto os Estados Unidos se afundam na crise e se emaranham numa resposta caótica. Os chineses ficam, assim, em vantagem e vão tentar tirar o maior proveito político possível desse desfasamento. Nomeadamente, na ajuda sanitária a outros países, como está a acontecer com a Itália e a Sérvia, para mencionar apenas dois países que pertencem a esferas geopolíticas próximas, mas distintas. Mas não só. A ofensiva diplomática e económica da China ganhará uma nova dinâmica e um outro nível de subtileza, de modo a ganhar terreno sem criar anticorpos.
O medo sempre foi mau conselheiro. Leva-nos a fazer disparates, a acreditar em burrices, e maluquices, e a entrar em pânico. O dirigente político que usa o medo como alavanca, das duas, uma: ou é curtinho da cabeça ou demagogo. Nalguns casos, será ambas as coisas.
Numa crise grave, o papel do líder passa por manter a calma e conseguir o empenho de todos, cada um à sua maneira e como pode, na resolução do problema. Liderar é saber unir os esforços e criar esperança.
Foi eleito, mesmo sem ter a maioria dos votos, mas foi, porque o sistema no seu país é assim. Agora, sobretudo agora, que tem o seu partido inteiramente subjugado, como se viu durante o processo de “impeachment”, acha que pode fazer tudo o que lhe der na real gana. Considera que a eleição lhe conferiu um poder absoluto.
Hoje, ultrapassou mais uma linha vermelha, com toda a ousadia de quem sabe que é intocável. Fez pressão para que um amigo seu, que está a ser julgado, seja condenado ao de leve. A independência da justiça é coisa que não o preocupa.
É uma nova forma de ditadura, democrática na forma, implacável, na substância. Fica-se com os cabelos em pé. Sobretudo, porque o homem é capaz de muita coisa.
O Reino Unido sai hoje. Cumpre-se assim o Brexit. E perdemos todos, a União Europeia e o Reino Unido, cada um à sua maneira. Mas a política é assim, as regras democráticas, por muito imperfeitas que possam ser, são para cumprir. E Boris Johnson e os seus ganharam.
Dito isto, acrescento que alguns de nós vemos tudo isto com uma grande preocupação. A vitória de Boris foi a vitória da mentira, do apelo ao nacionalismo primário, do populismo sem-vergonha. Ganhou a insolência, perdeu o bom senso.
Em certa medida, esse tipo de vitória fica-nos como um alerta. Hoje aconteceu no Reino Unido, amanhã poderemos ter um gémeo ou uma irmã de Boris noutros países da Europa. Assim, se há uma grande lição a tirar de tudo isto, do Brexit, de Boris, de Farage, etc, ela é que não se pode dar tréguas aos aldrabões da política.
Não será por causa do frio que andamos um bocado loucos. Ao ouvir certos nomes serem propostos como possíveis candidatos às próximas presidenciais, penso que os nossos desvarios em matéria política não podem ser atribuídos ao estado do tempo. Há mesmo um problema estrutural de insanidade. Pelo menos, em certas cabeças conhecidas do público.
Quando disse isto, esta tarde, alguém me respondeu que se trataria de puro e simples oportunismo, de lançar nomes para agradar a certos círculos e dar azo a umas linhas nos jornais. Respondi que não será bem assim. Para mim, é um problema de insanidade individual e colectiva, muito para além da falta de bom senso e da procura de protagonismo.
É verdade que qualquer cidadão pode ser candidato, se cumprir os requisitos mínimos que a Constituição estabelece. Mas falar em certos nomes, que Deus me livre, diria o ateu.
O Presidente da República Portuguesa e o Primeiro Ministro disseram em Cabo Verde que são pela abolição dos vistos entre os países da CPLP.
Na minha opinião, há aqui um cheirinho a promessas falsas e um pendor evidente para a demagogia.
Os países da CPLP, com excepção de Portugal, podem decidir abolir a exigência de vistos. Cada um decidirá por si. Mas Portugal faz parte do acordo de Schengen. E enquanto estiver na área de Schengen terá que seguir os princípios comuns que os Estados membros de Schengen acordaram entre si. Não pode optar individualmente por um regime de excepção.
O Presidente e o PM têm consciência disso. Dizem, no entanto, o contrário, quando estão na Cidade da Praia ou quando falam com os Moçambicanos ou os Angolanos. Esse comportamento é absolutamente ridículo. Tomam por parvos os cidadãos e os dirigentes políticos dos países da CPLP. O que é sempre uma má ideia, na política e na vida.
Por aqui, a demagogia e a asneira gostam muito de passear juntas. Desta vez, o motivo tem que ver com as condecorações atribuídas pela Presidência da República, no quadro das ordens nacionais. Alguma comunicação social e certos utilizadores das plataformas cibernéticas têm escrito trinta por uma linha sobre essas comendas e mesmo proposto que fossem abolidas.
A verdade é que todos os países atribuem condecorações a cidadãos que, por um motivo ou outro, se tenham distinguido de modo especial. É verdade que algumas dessas distinções honoríficas têm uma forte matiz político-partidária. O exemplo mais perto de nós é o do Reino Unido, com o gabinete do Primeiro Ministro – uma casa absolutamente partidária – a escolher quem será ou não condecorado. E, mais problemático ainda, com graus em cada ordem, que podem dar direito, ou não, ao enobrecimento do beneficiado. Esse enobrecimento é importante, quer em termos de estatuto social quer ainda de acesso a certas funções no sector privado. Mas o sistema está estabelecido e é aceite como tal, porque no essencial reconhece o mérito das pessoas escolhidas.
Soube-se agora que nos últimos 45 anos foram dispensadas 9477 comendas, pelos diferentes Presidentes portugueses. Considerando que uma parte dos homenageados já deve ter falecido, teremos hoje à volta de um condecorado por cada 2000 cidadãos. Não me parece exagerado.
Também não vejo motivo de escândalo se umas trinta ou quarenta pessoas, do total dos condecorados, acabaram por ter um comportamento que não se coaduna com o reconhecimento público que lhes foi dado. Não será por aí que o gato irá às filhoses. Nem isso justifica a demagogia e a asneirada que por aí anda.
Agora, sobre as eleições europeias que se aproximam.
Na corrida para Estrasburgo, Manon Aubry é a cabeça de lista do partido esquerdista de Mélenchon, La France Insoumise. Jovem, combativa, estreia-se assim na política, depois de ter representado OXFAM nos corredores do Parlamento Europeu.
Claire Nouvian fundou, no ano passado, Place Publique – um partido do centro-esquerda francês, próximo dos ecologistas e de certas correntes do Partido Socialista. Igualmente jovem e candidata ao PE, tem sido uma activista em Estrasburgo e Bruxelas na área da protecção e da conservação dos mares.
Ambas representam a nova vaga de políticos em França e uma maneira de olhar para a Europa que se quer mais progressista.
Na edição de hoje do quotidiano parisiense Libération aparece publicado um debate entre ambas. Deixou-me desanimado, eu que acredito na necessidade de uma visão jovem do futuro da UE. As ideias que defendem são meras banalidades. Nada de profundo. Lugares comuns, ideias feitas e ocas, actos de fé, e mais nada. A política das palavras sem sentido, que não chegam às pessoas.
Fiquei mais uma vez convencido que assim não se pode pensar numa Europa com futuro. E que as eleições para o Parlamento Europeu continuam, em 2019, vazias de projectos. Fala-se e quere-se uma renovação e o que aparece é o eco de coisas já ditas e cansadas.
A União Europeia continua a ser projecto válido, com futuro e uma ambição progressista. Falar na “crise europeia” é um golpe populista. Procura passar as responsabilidades que possam existir num ou noutro Estado-membro para quem está em Bruxelas. Ora, muitas dessas responsabilidades têm sobretudo que ver com receitas nacionais, que combinam demagogia e incompetência.
Os jovens têm, esses sim, uma visão positiva da UE. E referem-se, cada vez mais, à sua identidade europeia. Muitos deles passaram pelo programa Erasmus. Este programa está entre as melhores iniciativas vindas de Bruxelas. Erasmus ajuda a descobrir os outros, abre os olhos e cria esperança. Aprendem, entre outras coisas, que pertencer à Europa significa estar inserido num espaço de democracia e de respeito por cada um dos cidadãos. Um espaço político que garante as liberdades, a tolerância, a prosperidade individual e colectiva, a segurança e o primado da justiça. Também significa que se procura dar uma resposta comum, supranacional, às questões globais do nosso tempo, a luta contra a pobreza, as alterações climáticas, a paz e a segurança internacionais.
Perante isto, não podemos ficar calados quando se ataca sistematicamente o esforço comum europeu. Na frente externa, existem vários países que gostariam de ver a falência da UE. Internamente, temos os populistas e os demagogos que fazem o jogo desses interesses externos. Constituem o maior perigo para o futuro da União Europeia.