Este é o link para o meu texto de hoje no Diário de Notícias. O facto de ser o último texto deste ano, deu-me a oportunidade de fazer um balanço muito sumário do que foi 2022, um ano particularmente difícil em várias partes do mundo.
Cito de seguida umas linhas deste meu texto.
"O ditador de hoje pode achar oportuno acalmar o jogo durante uns tempos. Mas um ditador é como a onça, não muda as suas pintas, e voltará amanhã a portar-se de acordo com a sua natureza. O escorpião, na velha fábula da travessia do rio às costas de um sapo, faz o mesmo: a certo ponto da viagem, acaba por picar o sapo e deitar tudo a perder por água abaixo, incluindo a sua própria vida. Por isso, sempre fui contra a negociação com os pequenos e grandes sósias de Hitler que fui encontrando pelo caminho. Não há acomodação possível com essa gente. Devem ser afastados do poder e julgados em tribunais competentes."
Pessoa amiga perguntava-me por que razão se fala tanto do Irão e tão pouco do que está a acontecer no Peru. Penso que era uma pergunta sincera, para tentar perceber como funcionam as notícias internacionais e a maior atenção dada a certos países, quando comparados com outros.
A grande diferença entre o Irão e o Peru parece-me ser o que cada um destes dois países representa na ordem internacional. E também o facto de um deles ser uma democracia e o outro uma ditadura inspirada em princípios religiosos absurdos e ultrapassados. No caso do Irão, estamos perante uma ameaça para a paz na região, um país agressivo, que tem como objectivo armar-se até aos dentes e intervir na política interna dos seus vizinhos. Além disso, reprime de modo selvagem e brutal todo cidadão que não esteja 100% de acordo com o regime. É um Estado que não tem cabimento na ordem moderna internacional. É um regime inimigo do que significa uma cidadania livre no mundo de hoje. Na realidade, se isso fosse possível, devia ser expulso da ONU e cercado de sanções que obrigassem os dirigentes fanáticos islâmicos a sair do poder e a ser condenados pelos seus crimes.
O Peru é completamente diferente. Tem, de facto, um conjunto de tensões políticas que dividem profundamente a sociedade nacional. Mas também tem um regime institucional que, se for dirigido por líderes patrióticos e competentes, poderá resolver as divisões internas. Por outro lado, o que se passa no Peru é fundamentalmente uma questão doméstica, que não põe em causa a segurança e a paz dos seus vizinhos, nem procura exportar um modelo político. É um exemplo que deveria permitir ao sistema das Nações Unidas ajudar a resolver os diferendos e as desigualdades internas. Infelizmente, as Nações Unidas não têm neste momento esse tipo de ambição. E o Conselho de Segurança está demasiado preocupado com outras coisas e não consegue dar as directrizes que seriam necessárias.
Xi Jinping sabe que multidões podem mover montanhas. Mas parece não saber que a repressão sistemática e dura não permite resolver o mal-estar social. E esse mal-estar é hoje bem visível nas ruas de muitas cidades chinesas. Os cidadãos estão fartos das restrições e da polícia. E sabem que noutros países as coisas não se passam assim. Sabem que a Covid-19 não é combatida com controlos a cada cem metros e medidas de isolamento que são um puro exagero, decisões extremas que resultam da maneira de raciocinar de líderes ditatoriais e de um sistema que põe a repressão acima de tudo, como se fosse a resposta a qualquer problema social.
É um regime que esconde as falhas pela força. Isso, combinado com o volume da população, faz desse regime um regime fraco, que um dia acabará no caos.
Giorgia Meloni foi agora investida como primeira-ministra da Itália. E tem-se revelado muito astuta. Não apenas nas nomeações que fez para pastas importantes como também nas declarações públicas, que defendem a Europa e a Ucrânia. Não sei se o diz por convicção, mas a verdade é que a sua entrada em funções tem sido recebida com tranquilidade quer na Itália quer em Bruxelas. Também tem havido uma reação positiva dos mercados financeiros. Só posso esperar que continue na via da moderação, apesar do seu passado ideológico e de ter como companheiros de percurso gente como Matteo Salvini e outros que tantos. A Itália precisa de serenidade e a Europa não quer andar em disputas com os governos dos Estados-membros. Vai ser interessante seguir a governação de Meloni e tentar perceber o que isso poderá significar noutros países, que também têm políticos de inspiração ultranacionalista e fascista.
Este é o link para a minha crónica de hoje no Diário de Notícias. Penso que é importante seguir com atenção o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês. E saber ler para além dos slogans e das frases que fazem parte da coreografia.
Cito umas linhas do meu texto: "Essa é, na minha opinião, a principal fragilidade da China de hoje, com um regime não apenas de partido único, mas acima de tudo, com um líder incontestável. Um regime ditatorial não é sólido. Tem uma força e estabilidade aparentes, mas com o tempo, por várias razões possíveis, acabará por ruir."
Se a Nova Ordem Internacional reconhecer regimes ditatoriais como modelos, só porque são grandes potências – estou a pensar na China e na Rússia –, então deixem-me continuar na ordem actual, que reconhece as liberdades individuais e os direitos humanos. Na verdade, a ordem mundial que quero ver estabelecida é uma que respeite as pessoas, que lhes permita viver em paz e segurança, e com dignidade. Por isso, é fundamental lutar pela primazia dos valores sobre a força, pelo valor da vida de cada cidadão e pela necessidade de aprofundar a cooperação internacional. E o respeito pela natureza, pelo equilíbrio ecológico, pela renovação dos recursos naturais.
É nesse sentido que o mundo pós-pandemia e pós-agressão russa deve evoluir. É isso que os cidadãos de Myanmar, do Burkina Faso, da Nicarágua, da Síria, da Ucrânia, da Rússia e muitos outros ambicionam.
Acho importante que se debata o que significa construir um mundo novo.
Estiveram reunidos em Praga, durante o dia de hoje, 44 chefes de Estado e de governo europeus. Tratou-se da primeira reunião de uma ideia muito vaga, lançada em maio por Emmanuel Macron, a que se deu o nome de Comunidade Política Europeia. Não se entende bem o que isso significa, mas a verdade é que todos os convidados compareceram. Incluindo, por exemplo, o presidente do Azerbaijão, que não é bem um democrata, mas que quer ser visto como um líder europeu. Mas o aspecto mais importante desta reunião foi o facto de a Rússia e a Bielorrússia não terem sido convidadas. Procurou, assim, marcar-se o isolamento desses dois países. A aceitação, por todos os outros, destas duas exclusões parece-me significativa. Ninguém manifestou qualquer tipo de objeção. O importante era não perder o seu lugar na fotografia de grupo.
Ontem, na CNN, repeti que a apreciação pelo reinado e pela pessoa que foi Isabel II não faz de nós menos republicanos. Aliás, nem isso está em causa. Não se trata de defender ou atacar o regime monárquico que um outro país tenha em vigor. A questão monárquica não existe em Portugal. Não vale a pena falar e argumentar sobre um tema que não faz parte do debate político nacional. Nem entrar em explicações sobre princípios que uma monarquia não respeitaria, como o da igualdade ou do mérito. Até porque essas dimensões da igualdade e do mérito são certamente mais evidentes em países como o Reino Unido, a Bélgica ou a Dinamarca do que neste nosso canto da Europa, onde, aqui entre nós, a maior parte dos que hoje detêm algum tipo de poder são descendentes de pais e avós que já eram diplomados universitários numa altura em que quase ninguém o era. Bem vistas as coisas, o mérito e a progressão social são mais fáceis nas terras da defunta Rainha do que por aqui. Não se tem falado ou escrito muito sobre a perpetuação das nossas classes sociais, mas ela existe. É aí que deveria estar centrado o debate, e não sobre a forma monárquica de poder que não interessa a ninguém, com excepção de meia dúzia de excêntricos.
Numa democracia, é um erro pensar que se pode enganar o eleitorado, com conversa fiada, habilidades linguísticas e medidas manhosas. As sociedades actuais devem ser tratadas com todo o respeito e franqueza.
Numa ditadura, é um erro pensar que se pode controlar eternamente os cidadãos. Essa é, aliás, a principal fraqueza dos regimes autocráticos. As ditaduras não caem por causa de intervenções exteriores. Caem porque são minadas por dentro, numa procura crescente de liberdade.
O Reino Unido muda amanhã de primeiro-ministro. É um processo muito peculiar. Os membros do partido maioritário no parlamento de Westminster escolhem um novo líder e a Rainha nomeia o resultado dessa escolha como primeiro-ministro. E não há contestação. O que nos faz lembrar que em política é a legitimidade da liderança que conta. Se o processo de substituição do primeiro-ministro é aceite como legítimo pelos diferentes partidos e os cidadãos, não há mais nada a dizer. É assim.
A democracia tem vários formatos. Mas a característica mais importante da democracia é, na verdade, a livre aceitação por parte dos cidadãos do sistema em vigor. Por isso, não me parece judicioso criticar as práticas democráticas de outras sociedades, só porque não coincidem com a nossa própria visão do que deve ser uma democracia. Diria mesmo, se um povo decidir que só podem ser candidatos à presidência da República quem tenha passado por um exame, pouco rigoroso, claro, de tolice e superficialidade, quem somos nós para contestar a legitimidade política e democrática do tolo que venha a ocupar o lugar?