Observo o que se passa com certos partidos e com certas personalidades. E repito para mim próprio aquilo que penso frequentemente sobre a política. A política é como um longo labirinto em que muitos se perdem. Entrar na política exige um grande sentido de orientação. Quem não consegue manter a direcção correcta acaba por cair numa grande confusão.
Dizia ontem a um general português que as forças armadas e a igreja são as únicas instituições em Portugal que têm conhecido alguma renovação das elites. Muitos jovens pobres mas inteligentes conseguiram ir longe, por essas vias. Foram as únicas que permitiram estudar sem ser os pais a comportar com o custo da educação.
Mas são vias de promoção de rapazes, apenas. E as elites que criam têm profundas raízes rurais, na maioria dos casos, mentalidades de aldeia. Noutros casos, menos, os quadros de referência dessas pessoas são os ligados à pobreza suburbana, a uma atitude de subserviência perante o poder económico, inspiradas na filosofia de vida "do que é preciso é a gente ir-se safando". São, na verdade, elites viradas para o passado e para a obediência, mais do que para o futuro e a imaginação.
As elites políticas, essas, renovam-se com muito mais dificuldade. Tem havido pouca mobilidade. As elites provenientes da pequeníssima aristocracia rural, habituada a rendas e às ideias conservadoras, continuam no poder. Nalguns casos, através de rebentos mais jovens, mas que são tão paroquiais na sua maneira de entender o mundo como o eram os seus pais.
A universidade já não produz elites. Cria massas de gente mal preparada. E alguns compadrios, aqui e acolá.
Andar perdido num labirinto, para trás e para a frente, com uma ânsia cada vez maior, a expressão de uma fera perdida. Assim anda o homem, ferido de morte, que não doido de amor. Conseguirá encontrar a saída?
Por todo o país, há presentemente uma azáfama nas cozinhas políticas dos principais partidos políticos. É tempo de preparar as listas de candidatos a deputados, para as eleições de Setembro. Os chefes reúnem-se para decidir dos nomes. Tudo muito bem cozinhado, em círculos bem restritos e pouco claros, com nomes a aparecer pela ordem que os manda-chuvas dos partidos bem entendem.
O povo só tem que por a cruzinha no lugar que lhe apetecer, no dia do voto. É o nosso tipo de democracia, em que os chefões do momento decidem para os próximos quatro anos.
Acabo de ler um testemunho que descreve o percurso, verdadeiro, de uma loucura. Um homem de Belfast traumatizado, quando criança, pelas explosões, a violência entre as comunidades, as tentativas de assassinato contra o seu pai, vai em missão ao Ruanda, depois ao Iraque, e que acaba por se deixar ir abaixo, esfrangalhar-se.
Já numa outra missão, um outro homem, também de Belfast, meteu uns tiros nos camaradas que com ele estavam de guarda, num momento de fractura psicológica. Aconteceu numa das missões de paz das Nações Unidas, no Médio Oriente.
Num ambiente de grande tensão, conhecer cada personalidade, cada percurso, a história de cada um dos intervenientes, é fundamental. Permite antecipar, prever e evitar.
Na política, onde as tensões são o pão quotidiano, passa-se o mesmo. Há muitas loucuras. Temos, por isso, que dar mais atenção às psicologias de cada dirigente. Caso contrário, corremos riscos de grande vulto.
A extraordinária reflexão da presidente do PSD, que se interrogou sobre se não seria vantajoso suspender a democracia por seis meses, faz-me pensar que a confusão que existe em certas cabeças dirigentes é bem maior do que muitos imaginavam.
Ontem, sábado, passei o dia fechado numa sala, entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros do Sudão, Chade, Líbia, Congo, Gabão, Eritreia, e o representante do Senegal. A rever o estado das relações entre o Chade e O Sudão.
Pouco havia que acertar, pois os vizinhos, Chade e Sudão, tinham trocado embaixadores uns dias antes. Foi um aborrecimento, a discutir se um novo funcionário, que vai ser colocado no topo do mecanismo de verificação da fronteira comum, sera' conhecido como representante especial ou como coordenador-geral.
E passou-se duas horas, numa tarde de sábado, a tentar colocar umas palavras num comunicado final, que pouco acrescentava ao que já tinha sido acordado em reuniões precedentes.
A diplomacia exige muita paciência, muito tempo morto, para que se criem relações de confiança. Para ter paciência é preciso estar com a mente e o corpo repousado. Em forma.
Talvez seja por isso que muitos embaixadores dormem grandes sestas, depois de ingerirem fartos almoços. Para não falar na capacidade que sempre revelam quando se trata de resistir ao tédio...
Os políticos deveriam adoptar o mesmo caminho, para terem falas mais mansas e uma melhor predisposição para o diálogo. Se calhar todos os ralhos e zaragatas a que assiste na cena portuguesa surgem por que os políticos, os nossos dirigentes, andam a dormir pouco...
Na reunião de hoje, foi uma vez mais patente que na zona do Sahel há uma grande rivalidade entre a Líbia e o Senegal. Cada um procura assegurar um protagonismo desmedido, que acaba por ser a única razão de ser na tomada de posições sobre os conflitos regionais.
Wade do Senegal, de um lado, velho e cada vez mais fora do equilibro mental que tanta falta faz aos dirigentes políticos, e o Coronel das Tendas das Areias, do outro, são dois actores 'a procura de um palco.
Nas reuniões tudo e' palmadas nas costas. Nos corredores, quando falam em voz baixa, no sussurros que cheiram a conspirações, dão facadas nas costas um do outro.
E' a arte da diplomacia.
Mas sempre com sorriso e com muita calma, que não há razoes para mostrar os dentes antes da dentada fatal.
Os pacóvios foram hoje ao espectáculo, escutar o Tony Blair, o negociante dos discursos a peso de ouro, e ficar ainda mais pequenos na pequenez da nossa política nacional, de couves galegas e repolhos trombudos.
A TV, muito convencional e respeitadora, sempre atenta aos desígnios dos que podem, fez do caso estória grande.
Conversas, meus senhores, conversas.
Ou então, Tony Blair, disse-lhes que há que ter uma visão mais ampla das coisas, para além dos condomínios fechados dos arredores de Lisboa, onde se chega depois de se atravessar as ruas da pobreza, e para la' dos Algarves da vida cara e sem qualidade.