O acidente com o veículo do ministro Cabrita continua a ser um caso político. Quem diz que é imoral explorar politicamente o que aconteceu esquece-se de várias coisas: da questão da velocidade, que ainda não está esclarecida; do ministro ser responsável pelo cumprimento da lei sobre o excesso de velocidade, cabendo-lhe a ele dizer ao motorista, se assim fosse o caso, para conduzir dentro dos limites; do comunicado que o ministro emitiu, logo a seguir ao acidente, pondo as culpas na vítima, sem qualquer tipo de consideração pelo inquérito que estava em curso; do facto do ministro não ter apresentado pessoalmente as suas condolências à viúva, refugiando-se por detrás da sua chefe de gabinete; da utilização de um veículo que não é propriedade do Estado para conduzir um membro do governo; e da patente falta de entendimento político que o ministro tem mostrado.
Quem hoje disse que falar destas coisas é imoral tem na realidade pouca autoridade moral, como todos sabem.
A positiva vai para o empenho que o primeiro-ministro António Costa mostrou na condução dos assuntos europeus, ao longo do semestre que ontem terminou. A presidência portuguesa do Conselho Europeu mostrou iniciativa, trabalho e resultados. Foi um período difícil, com picos de pandemia e um acentuar das tendências ultranacionalistas de alguns estados-membros. Mas António Costa, Augusto Santos Silva e o embaixador em Bruxelas junto da União Europeia, Nuno Brito, fizeram um bom trabalho.
A nota negativa é sobre o que se passa à volta do ministro Eduardo Cabrita. Costa sabe perfeitamente que essa personalidade é um desastre e que está a roubar credibilidade ao governo, em especial ao próprio primeiro-ministro. Cabrita devia ter assumido as responsabilidades do acidente na A6, ou seja, pedir que fosse feito um inquérito independente ao acontecido. Não o fez e ainda andou a meter os pés pelas mãos. A reacção do primeiro-ministro deveria ter sido aconselhar Cabrita a sair do governo pelo seu pé. O facto de não o ter feito, mostra um primeiro-ministro que pensa estar de pedra e cal no poder e que, por isso, não precisa de ter em conta o sentimento popular e as regras básicas de uma governação responsável. É uma atitude negativa.
O acidente que ocorreu na A6, com o carro oficial do ministro, não é assunto arrumado. Tem de ser tratado pelo chefe do governo de modo responsável. Não há nada a esperar do ministro. Mas do seu superior, sim. Não pode ignorar as dimensões humanas e políticas do que aconteceu. A família da vítima precisa de apoio. E do ponto de vista político, a inacção governativa acabará por ter um custo. O primeiro-ministro deve entender isso, imagino. Mas tem de agir, de aparecer.
O mesmo se deve dizer do Presidente da República. Essa personalidade tem apostado imenso na dimensão popular e humanista de sua função. Não pode agora ficar calado, para proteger um ministro que não vale grande coisa. Ou, para poupar um primeiro-ministro que tarda e que encobre os seus fiéis servidores. O PR tem de mostrar que não tem medo de uma situação como esta. E que não anda a disfarçar, para que não haja a confrontação que a muitos parece inevitável.
Estamos numa espécie de pântano político. Este sim, perigoso, capaz de fazer surgir um ou outro monstro político, que saiba aproveitar-se das águas turvas.
A A6, a autoestrada que vai da zona do Montijo em direcção a Évora e à fronteira com Badajoz, tem pouco movimento. Mais ainda, os veículos pesados são raros. Preferem encher a Nacional 4, que segue a autoestrada, para não ter que pagar o elevadíssimo custo da portagem até Caia-Elvas. Assim, alguns motoristas dos carros ligeiros usam e abusam do excesso de velocidade quando circulam pela A6. Quem viaja a 130 km/hora já está fora do limite. Mas é constantemente ultrapassado por veículos a circular acima dos 150 ou mesmo dos 160. Os controlos de velocidade são raros. A GNR concentra-se sobretudo no trânsito que percorre a N4.
Foi nessa autoestrada que o carro do ministro da Administração Interna matou um operário que trabalhava na berma da via. O inquérito de que se fala e que foi prometido deverá elucidar-nos sobre a velocidade a que ia essa viatura oficial. Esse é um dado fundamental. Houve morte de homem, um homicídio involuntário. Há que apurar as causas e as responsabilidades de cada um.
Veremos se a GNR consegue produzir um relatório que se veja.