Passados oito dias, os jornais continuam cheios de comentários sobre o resultado das legislativas. Na verdade, já cansa.
As eleições revelaram um Portugal que mudou e que continua em mudança bem como um dirigente político que inspira confiança, realismo e moderação a uma parte significativa do eleitorado português. Quanto ao resto, será preciso esperar pela formação do novo governo, para que se possa perceber quais foram as lições que António Costa tirou dos resultados eleitorais. A composição do governo, o discurso de tomada de posse e as primeiras intervenções na nova Assembleia da República serão os momentos mais importantes dos próximos tempos. A partir daí será possível comentar com mais fundamento o que o novo ciclo político nos anuncia.
Para já, o que se diz e escreve serve apenas para encher horas de emissão e páginas de jornais. Só segue essas matérias quem não tem mais nada para fazer. Ou então, quem ganha a vida a especular, a criar factos políticos e a atacar ou repetir o que outros já disseram. Pessoalmente, não tenho nem tempo nem paciência para essas coisas. Sobretudo agora, quando a Europa se encontra numa encruzilhada perante um grupo dirigente russo que é um verdadeiro desafio à estabilidade e à segurança do nosso continente.
Numa sociedade que vive à volta da televisão, quem aparece no ecrã personifica o partido. Para o bem e para o mal. Os cidadãos telespectadores julgam o partido a partir da imagem e da narrativa que é transmitida pelos programas televisivos. Não há que ter ilusões sobre isso. Daí que a responsabilidade do líder seja imensa.
Por outro lado, o líder tem um poder de decisão enorme dentro do seu partido. Por exemplo, a palavra final sobre as listas de candidatos cabe ao chefe máximo.
Por tudo isto, a sua responsabilidade, em caso de derrota, é enorme. Como também o é, em caso de vitória.
É prática habitual, nas democracias, que um líder partidário peça a demissão, após uma derrota pesada numa eleição. Uma derrota a sério descredibiliza politicamente quem esteve à frente da campanha. Tentar justificar o fracasso com a maneira como os adversários conduziram a sua estratégia é uma desculpa de mau pagador.
Trata-se de assumir a responsabilidade, que é isso que se espera de um dirigente democrático. Não é algo que deva ser pedido de fora, do exterior do partido. Mas também não deveria ser necessário chegar-se a uma situação em que a queda é imposta a partir de dentro. Deveria, isso sim, ser uma decisão imediata e livre do líder. Assim se percebe quem tem estofo de líder, quem compreende o que significa ser responsável e ter espírito democrático.
Os resultados eleitorais mostraram um elevado grau de maturidade dos cidadãos. Houve empenho em participar, apesar da situação pandémica, e uma votação útil à esquerda, onde a única opção razoável, para a maioria, era um voto no PS. À direita, houve uma dispersão, por uma razão que me parece clara: a alternativa de direita, que era encabeçada por Rui Rio, não convenceu. Rio mostrou não ter o carisma nem uma imagem de estadista que fossem suficientes para captar eleitores. Apareceu, aos olhos de muitos, com demasiada ligeireza, que não convencia as pessoas que havia ali um dirigente de um futuro governo. Faltou-lhe gravidade, no sentido de solenidade de maneiras e tratamento profundo das questões.
O grande vencedor foi, na verdade, António Costa. Conseguiu fazer passar uma mensagem de seriedade política, de estabilidade e equilíbrio. Tem todo o mérito. Até porque não foram umas eleições fáceis. Uma parte do eleitorado que desta vez disse não à abstenção veio para votar à direita. Mas Costa soube manter a sua base de apoio e captar os que haviam anteriormente votado comunista ou pelo Bloco.
Uma maioria absoluta é muito melhor do que uma geringonça a cair aos bocados. Sobretudo uma geringonça com um partido do passado e outro de irrealistas românticos, incapazes de compreender como cresce um país e que alianças externas deve ter. O fim desse estranho arranjo político é talvez o ponto mais positivo desta eleição.
A dúzia de deputados do Chega irá fazer algum barulho na Assembleia da República. Mas como diria o saudoso Almirante Pinheiro de Azevedo, se ainda estivesse entre nós, será só fumaça. O povo mostrou, acrescentaria, ser sereno.
Parabéns a António Costa pela sua vitória eleitoral.
E igualmente aos eleitores, que apesar da pandemia, votaram e fizeram diminuir a percentagem da abstenção.
Quando ao resto, ainda é cedo para tirar conclusões, excepto que Rui Rio não convence o eleitorado e que os comunistas e os bloquistas pagaram a factura relativa à queda do governo. E que o CDS-PP desapareceu do mapa político.
Um outro ponto a ter em conta: continuar a observar o que significa o crescimento da Iniciativa Liberal. O do Chega, sabemos o que é.
O bom do dia anterior às eleições é não haver propaganda. É uma espécie de dia de repouso e ainda bem. De reflexão não será. Num acto eleitoral como o presente, poucos serão os eleitores que ainda precisam de reflectir. A decisão está tomada há bastante tempo. As campanhas pouca influência têm sobre essa decisão. A única decisão que resta, para alguns, é sobre a participação na votação ou a abstenção. À vista dos números das infecções, e dos confinamentos, é provável que a abstenção prejudique sobretudo os partidos moderados. Veremos.
A imagem que fica, depois de tantos dias de campanha, incluindo a pré-campanha, é de que os políticos que por aí aparecem não têm o nível necessário para dirigir um país como o nosso, que precisa de levar uma grande volta. É a campanha dos medíocres que irão fazer mais do mesmo. Votar torna-se, assim, um mero descargo de consciência e não um acto de escolha. Vota-se, qualquer seja a escolha, ao nível dos grandes, em mais do mesmo.
A poucos dias do momento eleitoral, parece-me que se deveria insistir mais no apelo ao voto. Em plena pandemia e perante a crescente e visível descredibilização que os debates e as acções de campanha eleitoral têm ocasionado, o risco de uma taxa muito elevada de abstenção é enorme. Muitas pessoas têm medo de ser contaminadas. Por outro lado, não vislumbro uma liderança verdadeiramente mobilizadora que justifique a deslocação aos locais de voto. Se alguma coisa se conseguiu nas últimas semanas foi um acentuar da má imagem que, de um modo geral, mancha a classe política portuguesa.
A directora do Jornal de Notícias (JN) escreve hoje sobre “a boçalidade no espaço público”. Vale a pena ler esse texto. Deixo o link no final deste post.
Inês Cardoso baseia a sua escrita no que aconteceu em Beja com a líder do PAN, que foi insultada por um grupo de primários ligados à tauromaquia, bem como na expressão “nazizinho”. Esta última foi utilizada num pequeno encontro, aberto à comunicação social, de personalidades públicas com o líder do Partido Socialista, sem que este tivesse reagido, de imediato, para dizer que insultos desse tipo não são aceitáveis na luta política em Portugal, muito especialmente quando o visado é o dirigente do segundo maior partido.
Uma reacção clara e imediata de António Costa teria contribuído bastante para tornar a política portuguesa menos boçal. Serviria igualmente para enviar um recado a personalidades públicas que não vale tudo em política, nem mesmo durante as campanhas eleitorais. O combate à radicalização da palavra tem de começar pelos dirigentes políticos, sobretudo por aqueles que são mais ouvidos e mais representativos da sociedade portuguesa.