Às oito da noite, o meu vizinho do lado direito sai à rua, com o seu acordeão e toca uma ou duas músicas para todos nós, os outros vizinhos. Saímos à rua, cada um no seu espaço, para aplaudir os profissionais de saúde em geral e a mulher do acordeonista, em especial, que é médica de cuidados de urgência. Como os dias têm estado bons, este é um momento de convívio, ao fim de um dia de isolamento, numa quarentena que já vai longa e que ainda vai continuar mais uns tempos. A rua é composta por vivendas, temos a impressão de estar na aldeia, sentimento que o acordeão ainda acentua mais. Na realidade, estamos numa zona central da cidade, a poucos minutos de carro das instituições europeias. Viver no campo, dentro da cidade, é um privilégio. Que para nós, acaba no final deste mês, depois de dezenas de anos de ligação à casa que agora irá ficar para trás. Mudanças, mudanças e andanças, diria o outro.
Na viagem através da noite, entre Istanbul e Bichkek, dos sete passageiros da Executiva, três eram portugueses. Ou melhor, encontrei dois jovens portugueses no avião, sentados logo a seguir à minha fila. Vinham de Amesterdão, onde estão estabelecidos. Ganham a vida e visitam o mundo produzindo e distribuindo vídeos de reportagens de jogos de futebol para as federações dos países asiáticos. Parece ser um excelente negócio. E muito importante. Aqui, no Quirguistão, tratava-se de assinar um contracto com a federação nacional de futebol. Por isso vieram. E foram recebidos à saída do avião, protocolo e viatura em exclusivo, como se fossem enviados especiais de uma grande potência.
Na verdade, o futebol conta. Aliás, a chegar ao hotel, o recepcionista, ao ver o meu passaporte, gritou baixinho, com um sotaque quirguiz: “Força, Portugal!” E acrescentou o nome da nossa estrela nacional.
Passei o dia entre Pombal e Ansião, a apreciar o dinamismo daquelas gentes e a aprender a falar uma nova língua, cada vez mais frequente nessas terras, sobretudo nos meses do Verão. Um língua que mistura o português com um francês desenrascado. Resulta da emigração de muitos para as terras do além-Pirenéus, um movimento que data dos inícios da década de sessenta do século passado.
Agora, os mais velhos estão de volta, alguns de vez – só não fazem esse retorno de modo oficial porque as vantagens fiscais que se aplicam aos franceses reformados que decidam estabelecer-se em Portugal não abrangem, por discriminação e cegueira política, os portugueses que voltem definitivamente. E ao voltarem trazem consigo o “feruge” – de “feu rouge”, semáforos –, os “volés” (persianas), o “frigidére” como frigorífico, e assim sucessivamente. E sobretudo, trazem uma grande desenvoltura e um “savuare-fére”, uma série de aptidões, de quem tem “savoir-faire”, que devemos apreciar e estimular.