O chefe do partido da extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses”, Jussi Halla-aho, é eurodeputado, apesar de ter sido condenado em 2012 pelo crime de incitação ao ódio racial. O seu agrupamento obteve, nas eleições gerais de ontem, 17,5% dos votos, ficando a duas décimas do partido mais votado, o social-democrata. Foi, mais uma vez, uma prova que os radicais ultra-nacionalistas têm um peso crescente no panorama político europeu.
Halla-aho não se esconde por detrás de palavras diplomáticas e de frases ambíguas. Diz claramente ao que vem. É contra a imigração, contra os muçulmanos e contra a União Europeia. “Verdadeiros Finlandeses” exclui quem não é etnicamente lá da terra, incluindo os finlandeses de origem sueca. Sim, na Finlândia, há discriminação em relação aos cidadãos que têm raízes suecas. “Verdadeiros Finlandeses” representa a xenofobia e o racismo com todas as letras.
Votaram nele quem se sente socialmente mais frágil, bem como os que vivem com medo dos outros, dos que são diferentes. E como a paisagem política está muito fragmentada, havendo toda uma série de pequenos partidos, os 17,5% pesam muito. Mas, ao contrário do que se passou recentemente na vizinha Estónia, ou anteriormente na Áustria, o mais provável é que a nova coligação governamental exclua o partido extremista. Se assim for, do mal, o menos.
Acima vos deixo o link para os meus comentários desta semana na Rádio Macau sobre a UE.
Abordo o acordo comercial assinado com o Japão, as fricções entre J-C Juncker e o Parlamento Europeu, a presidência da Estónia neste segundo semestre de 2017 e os resultados do G20.
Ando por aí a dizer que o debate sobre as despesas de defesa da Europa não se pode limitar a um indicador apenas.
É verdade que os estados-membros da NATO, a começar pelos europeus, se comprometeram na Cimeira de 2014 no País de Gales a aumentar os orçamentos públicos destinados à defesa, de modo a atingirem o montante de 2% do PIB nacional. Gradualmente, aliás, tendo como horizonte o ano 2024.
Atenção, porém!
Esta percentagem é um valor indicativo, uma ordem de grandeza que serve de referência política ao nível do secretariado da NATO. Neste momento, apenas os EUA, o Reino Unido, a Grécia, a Estónia e a Polónia atingem esse patamar. Mas a percentagem não chega. É preciso que a estrutura das despesas tenha em conta as necessidades actuais das forças armadas, tendo em conta os novos tipos de ameaças e a ênfase relativa que deve ser dada a cada dimensão da defesa. Gastar dinheiro com estruturas inadequadas, quadros conceptuais errados e meios obsoletos é mero desperdício. Uma parte importante do debate terá que passar por essa análise da estrutura das despesas.
Transcrevo abaixo o texto que hoje publico na Visão impressa.
Boa leitura.
O póquer de Putine é uma distração perigosa
Victor Ângelo
Gostaria de resumir as semanas que acabo de passar em Riga com uma metáfora. Putine está a jogar póquer, forte e feio, e nós, no lado ocidental da Europa, achamos que se trata apenas de uma partida de bisca lambida. Neste jogo, cheio de incertezas, é preciso saber como lhe parar a mão. Foi essa a principal preocupação que encontrei nos países bálticos. Existe um novo receio em relação à Rússia, maior que no passado recente. A Estónia, a Letónia e a Lituânia sentem-se ameaçadas. Não apenas em virtude do que tem acontecido na Ucrânia. Os incidentes com a força aérea russa, nomeadamente as incursões no espaço báltico e os voos de caças com os sistemas de identificação desligados, têm sido frequentes este ano, como se Moscovo estivesse a testar a capacidade de reação do adversário. Para mais, sabe-se que Putine ordenou que fossem levados a cabo uma série de exercícios militares de envergadura e que multiplicou a capacidade combinada das suas forças, em regiões de fronteira com aquela nossa parte da Europa.
Ninguém tem uma bola de cristal que permita prever o futuro. À partida, nestas coisas, não se pode ser alarmista. Mas também não é bom andar a dormir na forma. Há que reconhecer que o paradigma das relações entre a UE e a Rússia precisa de ser revisto. A resposta à postura de Putine deve ser multidimensional. Tem que ser apropriada, clara e firme. Acima de tudo, prudente. A prudência passa por saber ver os riscos possíveis, preparar as medidas de contenção necessárias e não ter medo de agir.
Para começar, é importante recordar que a paz e a prosperidade de ambos os lados da Europa têm assentado e devem continuar alicerçadas no respeito pelas normas e os acordos internacionais e por relações económicas estáveis. A Rússia, que exporta anualmente mais de 100 mil milhões de euros de gás e petróleo para consumo na UE, está tão dependente de nós como nós estamos dela. Somos parceiros comerciais de monta. A interdependência económica deve ser acompanhada pela cooperação política. Há aqui um equilíbrio entre princípios e interesses que é mutuamente necessário e vantajoso.
Por outro lado, há que ter em conta que os países bálticos são membros da OTAN. Serão os estados mais expostos, pela sua proximidade geográfica, mas a sua defesa é fundamental, não só para os seus povos, como também para a credibilidade da Aliança Atlântica. Putine poderá pensar, como alguns dos seus conselheiros de geoestratégia imaginam, que em caso de intervenção russa numa área limitada dos bálticos, por um qualquer motivo, a OTAN ficaria paralisada por falta de consenso interno e acabaria por engolir uma situação do tipo da Crimeia. Poderia mesmo vir a desintegrar-se enquanto estrutura comum de defesa. Essa maneira de imaginar a resposta aliada parece-me irrealista. A recente visita de Obama a Tallinn serviu precisamente para mostrar que um passo agressivo, para além da linha de fronteira, provocaria, do lado da OTAN, uma resposta à medida.
Penso que ninguém de bom senso quer uma confrontação bélica no nordeste da Europa. Se isso viesse a acontecer, teria consequências imprevisíveis. Não há, nesta parte do mundo, possibilidade de circunscrever um conflito militar a uma pequena zona bem determinada. Qualquer choque armado levaria a uma catástrofe inimaginável.
Perante isto, o que se pede a todos os líderes, de Moscovo a Bruxelas, de um lado e do outro, passando por Washington, é que tenham juízo e coragem. Há outros desafios comuns bem mais importantes.
Ilona D. está na terceira posição, na hierarquia no Ministério da Defesa deste país báltico. É uma senhora que já foi jovem, mas que mantém uma elegância e uma presença agradável. Fala as seguintes línguas: letão, estónio, russo, inglês, francês, todas fluentemente. Participa em vários grupos de trabalho internacionais. Não tem medo da globalização. Sente-se à vontade numa Europa sem fronteiras. Acha que estar na UE é uma oportunidade que tem que ser aproveitada.
Disse-me, à hora do jantar, que o seu filho emigrou para a Irlanda, anos passados, à procura de melhor condições. Considera isso normal, embora penoso. Hoje em dia só quem tem mobilidade é que pode ter ambição. Assim é o mundo de agora.
Fachada principal da Universidade de Tartu, no sul da Estónia, esta manhã. A grande maioria da população de Tartu tem menos de 35 anos. A cidade faz-se toda a pé, com excepção das faculdades de agricultura e de veterinária, que estão à saída, na estrada que nos leva de regresso a Tallinn.
Muitos parques, vegetação abundante. Numa das ruas mais centrais concentram-se as vendedoras de flores. Mulheres de idade, a contrastar com a juventude que as rodeia, e de origem russa. As flores são lindas e como o resto, estão disponíveis a preços que imbatíveis.
A Academia Militar da Estónia e a Escola de Estado-Maior dos Bálticos, e não só, pois é frequentada por oficiais superiores vindos dos países do Cáucaso, da Alemanha e dos Estados Nórdicos, estão também localizadas em Tartu.
Tudo isto dá à cidade, que tem cerca de 100 000 habitantes, um ar descontraído, jovem, arejado e tolerante. É, além disso, uma terra muito segura. Apesar da cerveja que é consumida ao litro, sobretudo nestes dias de muito calor.
Viajo, amanhã cedo, para a Estónia, para falar de segurança internacional, do conceito de segurança humana e dos processos de resposta às crises. Passei uma boa parte dos últimos dias a preparar os temas. E a informar-me sobre a Estónia, que é um país que gosta de ser visto como mais escandinavo do que báltico, ou ambos, talvez. É dos países europeus com menor dívida pública. Funciona bem.
É curioso ver um pequeno país à procura de projecção internacional. E a consegui-la, primeiro como agregador dos dois outros países bálticos, depois, dando uma formação académica aos seus jovens que os prepara para a sociedade global.
Os temas que vou tratar despertam um novo tipo de interesse naquela parte do mundo. Até na Rússia, que organiza o primeiro curso com uma participação ocidental sobre crises violentas e a resposta da comunidade internacional de 21 a 23 de Junho. Estava previsto falar nesse curso. Mas a minha operação ao nariz, marcada agora para uns dias antes, obriga-me a uma privação de vodka e de viagens de avião.
Quem tem um nariz sensível...Mas é apenas por uns dias.