A eleição do ministro das Finanças da Irlanda, Paschal Donohoe, como líder do Eurogrupo e sucessor de Mário Centeno deve ser vista como uma vitória das ideias económicas e orçamentais liberais. Também representa um triunfo para os países do Norte da Europa, que defendem uma linha de menor intervenção estatal na economia e impostos mais baixos para as empresas. Donohoe é um político do centro-direita, a família política que neste momento mais pesa na União Europeia. É muito vivo e explica-se bem. Por isso e por ter o apoio dos Estados economicamente mais saudáveis, pode-se esperar que desempenhe um papel activo na presidência do Eurogrupo. Terá, no entanto, que encontrar um ponto de equilíbrio entre a sua preferência pelo liberalismo económico e as políticas mais intervencionistas preconizadas pela França, Itália e Espanha.
Estamos convencidos, muitos de nós, que criticar mostra inteligência. Ora, isso depende. Muitas vezes, sim. E muitas outras, não. É apenas um repetir de ideias feitas, de julgamentos apressados. De conversa ligeira, ouvida nas televisões ou lida nas redes sociais.
Um dos temas que está na moda criticar é a União Europeia. Esta semana a crítica tem-se focalizado na resposta financeira à crise resultante do impacto do coronavírus, a resposta que foi aprovada pela Eurogrupo na passada quinta-feira. Já aqui escrevi sobre isso. Hoje, apenas pergunto a quem acha mal o que teria acontecido a Portugal, se o nosso país não fosse membro da zona euro? O dinheiro teria vindo donde? E a que preço? Da Casa da Moeda, com um valor que nem daria para pagar o papel e a tinta?
Também pergunto se esses críticos não notam que existe, apesar de todas as contradições e dos muitos preconceitos nacionais, que todos temos, uma preocupação de encontrar soluções? Não será a solução perfeita – o que é isso, nos dias de grande crise? – mas é a solução que resulta de um equilíbrio de políticas. Um equilíbrio que não é fácil de obter, mas que se procura conseguir. Não é fácil, porque os níveis de desenvolvimento dos países membros continuam a ser diferentes. Mas obtém-se, com mais ou menos dificuldades, porque é inspirado por uma ambição muito clara, que é a de manter a União e fortalecer os seus mecanismos de resposta às crises.
A fiscalidade europeia não pode ser uniforme. Não pode haver um regime único que se aplique a todos os Estados membros. Nem mesmo apenas aos da zona euro. O sistema europeu de impostos tem que reconhecer as diferenças existentes entre as várias economias e criar incentivos para atrair um maior volume de investimentos para os países menos desenvolvidos, na periferia dos grandes mercados europeus e geograficamente em desvantagem.
Dizer o contrário é fazer o jogo das economias mais desenvolvidas do centro da Europa. Economias que têm, num raio de duas centenas de quilómetros, dezenas e dezenas de milhões de consumidores, e um poder médio de compra muito superior ao de Portugal ou da Estónia.
Ou então, se não se faz esse jogo, trata-se de mera burrice política.
No Magazine Europa desta semana, difundido às terças-feiras pela Rádio Macau, os meus comentários são sobre a Grécia e as suas relações com o Eurogrupo, no quadro das negociações um terceiro resgate; depois, trata-se de fazer o ponto da situação sobre o Brexit, agora que as regras e os contornos, do lado europeu, ficaram mais claros; finalmente, debruço-me, sem cair na repetição do que por aí se diz, sobre o impacto que os 59 Tomahawks de Donald Trump estão a ter no relacionamento da UE com os EUA e a Rússia.
Creio poder adivinhar que em certos círculos europeus influentes as dúvidas sobre a pertinência do acordo relativo à Grécia se avolumaram ao longo do dia.
Primeiro, por causa das declarações de Alexis Tsipras. O primeiro-ministro disse não acreditar no acordo. Assinara por não ter outra alternativa. Isso assemelha-se, e muito, a uma rendição incondicional. Ora, a história mostra que os termos das rendições ficam, na grande maioria dos casos, por cumprir. E neste caso, a história voltaria a repetir-se.
Segundo, por causa da posição do FMI. O Fundo não tem condições para poder participar num programa que não ofereça garantias, a prazo, de estabilização, de normalização, ou seja, de regresso, um dia, do país assistido ao mercado de capitais tal como este opera. O FMI considera que o programa que está na forja não permite obter essas garantias. Só assim seria se houvesse um perdão significativo da dívida. Esse perdão não está previsto nem parece aceitável para os parceiros da Grécia, enquanto esta se mantiver na zona euro. Sem FMI é muito provável que certos parlamentos não aprovem o novo pacote.
Terceiro, por causa dos custos políticos. As cláusulas que deverão acompanhar o novo programa grego são muito intrusivas. Isso reflecte a gravidade da situação bem como a falta de confiança na classe política da Grécia. Terá vantagens políticas, nomeadamente ao nível das opiniões públicas dos países credores e também no combate aos extremismos radicais. Mas tem grandes inconvenientes, sobretudo para a imagem de certos Estados europeus, que aparecem na fotografia com um bigodinho neocolonial. Esse é um preço político elevado.
Perante isto, começa a haver, de novo, quem pense que a melhor solução é deixar a solução nas mãos do povo grego. Hoje à noite, esta maneira de ver tem, segundo entendo, mais crédito. Se as coisas não se compuserem nos próximos dias, se não houver moderação de parte a parte, ganhará ainda mais espaço.
Embora de viagem, nos últimos dias, estive atento, como todos estiveram, ao que se passou na cimeira de Bruxelas do Eurogrupo. E sublinho, como muitos o fizeram, que se tratou de um momento muito grave, na história da construção europeia. Penso, por isso, que tem que haver muita prudência na maneira como se discute essa cimeira. Noto, porém, que a ponderação é uma moeda rara na EU. E ainda por cima não é dispensada nas caixas do multibanco.
Mas convém insistir na questão da circunspecção.
Numa situação como a que se vive actualmente em torno da crise grega não há vencidos nem vencedores. Na verdade, ninguém ganha. Há mesmo um sério risco de perdermos todos. Qualquer opção é difícil e tem custos políticos, económicos e humanos muito grandes. A responsabilidade de quem governa é a de chegar a um acordo razoável, mas que será sempre um acordo com enormes custos e riscos de grande envergadura.
Depois, é preciso explicar as razões das opções tomadas e garantir a seriedade das mesmas.
É igualmente importante tirar algumas lições de uma crise desta envergadura. Serão várias. Uma delas é bem clara: nas relações entre os Estados, as regras que foram acordadas são para cumprir. Sem isso, não há futuro comum. Mas existe uma lição complementar: nestas coisas das relações entre os Estados e na discussão de acordos, todos devem ter a sua palavra a dizer, em pé de igualdade e sem medos. Essa é igualmente uma condição fundamental para que se possa traçar um caminho comum.
Alexis Tsipras cumpriu. A proposta de programa foi esta noite submetida à apreciação do Eurogrupo.
Será, muito provavelmente, uma promessa com medidas muito mais exigentes do que as que estavam em cima da mesa há duas semanas. Deverá estar, também, em contracorrente no que respeita ao resultado do referendo.
Estas são as contradições e os dilemas de uma situação económica desesperada.
Para além disso, a pergunta que fica esta noite no ar é bem clara: conterá o programa proposto as garantias suficientes para convencer os outros membros do euro da seriedade das intenções do governo de Tsipras?
Já ninguém acredita em intenções apenas…Sobretudo quando as políticas que estão em causa são contrárias aos princípios ideológicos de quem as propõe.
Como previra ontem, a cimeira deste serão sobre a crise grega foi inconclusiva. A Presidente da Lituânia resumiu a coisa, dizendo que “com os Gregos, é sempre mañana…”
Não será amanhã, mas o tempo urge. E daqui até Domingo, dia de uma nova cimeira, desta feita a 28, tudo pode acontecer. Inclusive um acordo…
Mas prevejo que seja um acordo com muitas condições, com medidas bem concretas a serem exigidas aos Gregos.
A menos de 24 horas da cimeira do Eurogrupo, qual é o prognóstico? Aqui está uma pergunta arriscada. A resposta parece-me poder ser, com esta antecedência e com todos os riscos de errar, que a reunião não será conclusiva. As portas da negociação ficarão ainda entreabertas, mas notar-se-á um clima na sala pouco favorável a um acordo que não tenha garantias muito sérias de poder ser implementado. Não vai ser fácil para o governo grego.
Vivemos na Europa um serão extraordinário. Um período dramático que se vai aliás prolongar por uns tempos.
Primeiro, temos a vitória do “Não” e da posição de Tsipras e do governo grego.
Em segundo lugar refiro-me ao clima de total incerteza que agora parece caracterizar os próximos dias: que irão os dias que se seguem trazer para o povo grego, a começar pela questão do acesso a meios de pagamento e ao funcionamento dos bancos?
Terceiro, penso no grau de instabilidade que a nova posição grega provoca na zona euro, uma união monetária que agora entrou numa fase crítica da sua existência.
Quarto, não podemos ignorar as divisões possíveis na cena política europeia, com uns países do euro grupo a olhar de modo inflexível para a Grécia e outros mais prontos para o diálogo.
Este é o momento que exige ideias claras.
É um momento de escolhas políticas, com base na salvaguarda do que é essencial para a sobrevivência da moeda comum e do que ela significa em matéria de construção da unidade europeia. Quem é contra a continuação da moeda comum achará que se deu hoje um grande passo em frente no sentido de se acabar com esse projecto. Quem é a favor – e a grande maioria dos cidadãos da zona euro está claramente deste lado, incluindo os eleitores na Grécia – tem que medir com clareza os prós e os contras das decisões que estão em cima da mesa, das escolhas que deverão ser feitas no futuro imediato. Terão, certamente, que ter presente que a moeda comum exige regras, convergência económica e solidariedade. É isso que é preciso ter em linha de conta, com peso e medida.