Tinha uma velha carteira em couro que precisava de ser cosida, pois tinha rebentado pelas costuras. Há anos. Na Bélgica primeiro, depois em Lisboa, sempre sem conseguir encontrar alguém que pudesse fazer o trabalho. Já não se encontram artesãos do couro, por muito que se procure.
Com excepção da província, do Alentejo profundo. Aqui em Ferreira do Alentejo, pedi a alguém, que sabe quem sou, se haveria um sapateiro ou artesão similar que me pudesse ajudar. Havia, sim senhor. O homem já não vive do conserto dos sapatos – agora todos calçam chinês e deitam fora, quando se estraga –, tem outras ocupações, mas estava disposto a fazer o trabalho, ao fim de um dia de labuta na plantação de vinha que o faz viver.
E assim foi. A carteira ficou reparada a preceito. E o homem não quis ser remunerado. Achou que era uma honra fazer esse trabalho para um antigo alto quadro da ONU.
Fiquei a pensar que por aqui vive-se num mundo diferente, em que a honra conta e vale muito. Certamente mais do que a minha velha carteira e do que muitos políticos pensam valer.
Estive hoje numa loja de roupa, um pronto-a-vestir para ambos os sexos, na rua de Ferreira do Alentejo que mais comércios tem. A proprietária disse-me que está há 49 anos atrás do balcão, uma vida a vender modas e a elegância possível. E continua, passadas tantas décadas, com o mesmo entusiasmo e a mesma simpatia, embora as pernas já não aguentem o que costumavam aguentar em anos e anos passados.
Estas terras do interior são feitas de gentes assim. Pessoas que não desistem e apenas pedem à vida saúde e forças para continuar. E que as burocracias as deixem em paz.
Mas a idade avança e as novas gerações já não se contentam com um futuro assim. Por isso, com o tempo, as vilas têm cada vez menos estabelecimentos comerciais. E um ou outro que se safa do envelhecimento acaba por ser aberto por uma nova categoria de pessoas, os imigrantes recentes. Assim acontece umas portas mais à frente, com um comércio agora gerido por gente mais jovem vinda do Brasil, ou do outro lado da rua, onde o barbeiro abriu uma loja que fala as línguas da Índia distante.
Assim se transforma uma parte da paisagem humana no interior do Alentejo.
Ontem estive em Alvito, no distrito de Beja. É um concelho perdido na imensidão dos campos do Baixo Alentejo, pouco povoado – nas presidenciais de 2020, tinha pouco mais de 1.900 eleitores inscritos, tendo votado menos de 900. E como muitas localidades do interior do Alentejo, é uma terra que parou no tempo. Várias das casas grandes estão fechadas ou mesmo abandonadas e as actividades económicas não-agrícolas não existem. No domínio da agricultura, a água do Alqueva tem feito a diferença. Quem passa, vê muitas plantações novas, sobretudo de oliveiras, mas não só. Mas não se enxerga vivalma. E as estradas que levam ou fogem de Alvito estão em mau estado. Essa é, aliás, uma constante pelo distrito fora. A nacional que vem da A2 para Beja tem alturas que mais parece uma aliada das casas que vendem pneus para automóveis e das oficinas aperta-parafusos. A tão falada N2, que vem do Norte para o Sul de Portugal tem troços na zona de Ferreira do Alentejo que clamam por uma nova cobertura de alcatrão.
O lado positivo é ser-se obrigado a conduzir devagar. Devagar como a vida nestas terras.