Link para o texto que hoje publico no Diário de Notícias.
Cito de seguida umas linhas desse texto.
"A presidência do Conselho de Segurança roda entre os seus quinze membros. Seguindo esta regra, abril calhou à Federação Russa. Muita gente ficou em estado de choque ao saber que um país agressor iria presidir durante um mês aos trabalhos do principal órgão político da ONU, que é responsável pela paz, a segurança internacional e o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas. Assim funciona o sistema. O fundamental é saber que agenda propõem para abril e que aproveitamento da presidência será tentado.
A maioria das reuniões abordarão os temas correntes, à volta da implementação das missões de paz da ONU. A meu ver, apenas dois temas serão novos, introduzidos com o objectivo de defender posições caras à Rússia."
Acabei por ser entrevistado por três canais televisivos: SIC Notícias, CNN P, e RTP 3. Tudo sobre a Finlândia e a sua adesão à NATO. E tudo para dizer que não se trata de uma vitória em relação a Vladimir Putin. Foi simplesmente a expressão da vontade soberana do povo finlandês. Ou seja, o exercício de um processo de soberania nacional. Nada mais. Os finlandeses têm o direito de decidir o que pensam ser a melhor opção para a sua defesa.
Num directo para o noticiário das 18:00 horas da RTP 3, disse, entre muitas outras coisas, que estava convencido que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, iria continuar a vetar a entrada da Suécia e da Finlândia para a NATO. E expliquei as razões.
Uma hora e meia depois, o Secretário-Geral da NATO anunciou que a Turquia, a Suécia e a Finlândia haviam chegado a um acordo e que o veto havia desaparecido. Ou seja, a minha análise estava errada.
Foi, na verdade, uma surpresa. Não apenas para mim. Para todos os que não estavam no âmago das negociações. Até o meu “amigo Boris” foi apanhado de surpresa, por exemplo.
Para além da surpresa, existem outras preocupações. Nomeadamente sobre a possibilidade de ver deportados para a Turquia certos oponentes entretanto refugiados na Suécia.
Terei que voltar, por causa dessas preocupações, ao assunto. Espero que da próxima vez não erre, não seja desmentido por acontecimentos de última hora.
Um dirigente político português disse hoje, numa declaração pública, que os pedidos de adesão à NATO, formulados quer pela Finlândia quer pela Suécia, resultam da "submissão desses países" e de Portugal aos EUA.
Os finlandeses e os suecos, que são povos muito independentes e determinados, ter-se-iam rido imenso, se essa declaração chegasse aos seus ouvidos. Mas como é frase sem nexo, não tem asas para voar. Fica por aqui, na lista das coisas sem importância.
Alguns comentadores têm emitido reservas quanto à decisão finlandesa de adesão à NATO. E irão certamente continuar na mesma linha, quando a decisão sueca for oficialmente anunciada.
Parece-me despropositado emitir esse tipo de críticas. Os dirigentes políticos da Finlândia – e a população – têm a maturidade e a experiência necessárias para decidir se é ou não no interesse nacional avançar agora com o processo de adesão. Mais ainda, sabem comparar a Rússia de Vladimir Putin com a União Soviética dos outros tempos. E acham que a ditadura de um só homem é bem mais perigosa do que a maneira mais colegial de decidir – o Politburo – da era soviética.
Iniciado o processo, caberá então aos actuais 30 países membros da NATO avaliar o pedido de adesão. Todos terão de o aprovar. Ou seja, o filtro seguinte é igualmente muito exigente. Do ponto de vista da ordem democrática e da qualidade e eficiência das forças armadas finlandesas e suecas não haverá qualquer obstáculo. Ambos os países reúnem os critérios exigidos pela NATO. Têm, aliás, uma história de cooperação com a NATO.
A Turquia poderá levantar formalmente, ou de modo mais reservado, algumas objecções, como já deu a entender. São, no entanto, reservas oportunistas, para obter vantagens nacionais. Não têm nada de estratégico.
A posição russa é conhecida. O que não é claro é o tipo de retaliações que virá a adoptar. Neste momento, é difícil prever. Estamos em plena crise por causa da agressão contra a Ucrânia. E por muito que se diga, a Rússia de amanhã será um país muito influenciado pelo desfecho da crise ucraniana.
A decisão tomada pelos líderes finlandeses relativa à adesão à NATO revela claramente como a Rússia de Vladimir Putin é vista pelos seus vizinhos: como um perigo. A Finlândia sempre procurou manter uma relação de neutralidade com a Rússia. Por razões de geografia, história e pragmatismo. A mudança que agora teve lugar é radical. A Rússia de hoje faz medo e mostra não respeitar a ordem internacional.
Não creio que se venha a assistir a uma acção militar russa contra a Finlândia. O acordo de cooperação em matéria de defesa com o Reino Unido, assinado esta semana, é um escudo temporário de grande significado. Qualquer ataque militar contra a Finlândia abriria uma caixa de Pandora.
Mas devemos esperar ataques híbridos, por parte de Moscovo. Na área da cibernética, no domínio económico, no campo político. A Finlândia está bem preparada para responder a ofensivas cibernéticas. E tem uma economia resistente e resiliente.
Seria, no entanto, um erro, não ver neste processo de adesão um desafio enorme para a política russa. A tensão entre o Ocidente e a Rússia é agora mais complicada.
O chefe do partido da extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses”, Jussi Halla-aho, é eurodeputado, apesar de ter sido condenado em 2012 pelo crime de incitação ao ódio racial. O seu agrupamento obteve, nas eleições gerais de ontem, 17,5% dos votos, ficando a duas décimas do partido mais votado, o social-democrata. Foi, mais uma vez, uma prova que os radicais ultra-nacionalistas têm um peso crescente no panorama político europeu.
Halla-aho não se esconde por detrás de palavras diplomáticas e de frases ambíguas. Diz claramente ao que vem. É contra a imigração, contra os muçulmanos e contra a União Europeia. “Verdadeiros Finlandeses” exclui quem não é etnicamente lá da terra, incluindo os finlandeses de origem sueca. Sim, na Finlândia, há discriminação em relação aos cidadãos que têm raízes suecas. “Verdadeiros Finlandeses” representa a xenofobia e o racismo com todas as letras.
Votaram nele quem se sente socialmente mais frágil, bem como os que vivem com medo dos outros, dos que são diferentes. E como a paisagem política está muito fragmentada, havendo toda uma série de pequenos partidos, os 17,5% pesam muito. Mas, ao contrário do que se passou recentemente na vizinha Estónia, ou anteriormente na Áustria, o mais provável é que a nova coligação governamental exclua o partido extremista. Se assim for, do mal, o menos.
O caso Skripal e as relações da UE com a Rússia, a re-eleição de Vladimir Putine, a nova coligação chefiada por Angela Merkel, agora legitimada na Alemanha, a questão da imigração, a felicidade na Finlândia e nos países nórdicos: estes foram os temas que abordámos esta semana, no Magazine Europa da Rádio TDM de Macau.
A Finlândia fica ali mais para o Norte da Europa. E passa mais ou menos despercebida. Por exemplo, poucos notaram que esta semana o governo e as organizações sindicais chegaram a novo acordo que revê alguns aspectos do pacto social. O governo compromete-se a reduzir os impostos em cerca de mil milhões de euros por ano. Em compensação, os trabalhadores aceitam trabalhar mais três dias por ano e a contribuir mais 1,2% para as suas pensões. Além disso, os funcionários públicos terão um corte de 30% nos seus subsídios de férias, uma medida que será gradualmente aplicada ao longo de três anos. Do lado dos patrões, haverá uma redução de 1% da sua contribuição para a segurança social, por trabalhador empregue.
É sempre bom estar atento ao que os outros que vivem na casa comum chamada Europa andam a fazer.