Nestas bandas da Europa é tradição oferecer ramos de junquilhos no dia 1º de maio. É a flor da Primavera e dos sorrisos que vêm com um tempo mais ameno.
Hoje, no minúsculo comício que o velho senhor Jean-Marie Le Pen organizou em Paris, um comício que foi uma mistura de farsa e de saudosismo serôdio, apareceram dois adolescentes a vender junquilhos aos ridículos fascistas e outros saudosistas presentes. Quando um jornalista de serviço lhes perguntou se estavam ali por simpatia com a FN, disseram que não. Tratava-se de uma pura iniciativa comercial.
Um sentido de oportunidade de negócios, diria eu, depois de os ouvir acrescentar que aproveitavam o facto de não haver concorrência. Os paquistaneses, que são quem anda nestas andanças das vendas ambulantes de flores, não ousavam aproximar-se das gentes racistas de Le Pen. Deixavam assim o campo livre aos dois jovens, que esses sim, eram bem franceses de aspecto e podiam tratar do seu negócio em paz.
Este é o link para o texto que acabo de publicar na Visão on line.
E fica igualmente a preocupação que certos círculos europeus partilham - e com toda a razão - no que respeita à eleição presidencial francesa.
François Hollande ficará na história francesa com uma nota fraca. Seria terrível se a essa nota se viesse juntar a impressão que a sua acção política teria aberto as portas do Eliseu à extrema-direita que Marine Le Pen encabeça.
Nestes dias, o político de quem se fala chama-se François Fillon. No espaço de três semanas, conseguiu passar de um canto obscuro para a boca de cena da política francesa. É agora o candidato oficial do partido Les Républicains, uma formação de direita que Nicolas Sarkozy havia reformado em 2014, com a intenção de a utilizar como a via de regresso ao Palácio do Eliseu.
Sarkozy já é história, acabaram as suas ambições presidenciais. A direita conservadora que vive na França profunda, na província, nas terras marcadas pela vivência rural e pelos valores católicos tradicionais, perdeu a inocência e deixou de acreditar no estilo endiabrado, e feito de improvisações, que o antigo presidente personificava. Viu em Fillon a imagem que fazem de um presidente da república – sereno, austero, polidamente distante, quase monárquico. Notou, também, a coerência e a clareza do seu discurso. Gostou, além disso, de o ouvir defender um nacionalismo educado, que não faz alarde da xenofobia, embora esta esteja subjacente, e propor uma função pública mais eficaz e mais leve em termos de efetivos, e menos pesada em termos de impostos. Na realidade, Fillon representa, para quem o apoia, o renascimento de uma certa ideia da França, rejuvenescida economicamente, com maior peso político na Europa, e nacionalista sem extremos embaraçosos. Refere-se a uma França alicerçada na nacionalidade genuína, ou seja, de há gerações, nos valores de matriz cristã, assente no conceito de família tradicional e no respeito pelos notáveis locais, por oposição subentendida às elites libertárias de Paris.
É, de certa maneira, um regresso implícito à maneira gaulista de ver a nação. Na verdade, para a direita, François Fillon simboliza o retorno do pêndulo. Contra a esquerda que está no poder há quase cinco anos e que tem dado uma imagem de incoerência ideológica e de miopia política, de navegação à vista. François Hollande terá contribuído, como ninguém, para a desagregação do Partido Socialista francês. A história lembrar-se-á disso e da sua falta de estatura para o cargo, tão bem ilustrada pelo ridículo das suas escapadelas como o passageiro da motocicleta de um amor às escondidas.
É igualmente o candidato que parece poder travar a tendência populista que tem marcado as consultas populares, noutros horizontes políticos. Contrariamente ao que alguns querem que pensemos, Fillon é visto por muitos em França como uma espécie de anti-Trump. O seu programa não faz promessas celestiais. Antes pelo contrário e, por isso, a sua popularidade surpreende. Podemos não acreditar na exequibilidade desse programa, mas anuncia mais horas de trabalho semanal, menos emprego na função pública, um recuo na idade da reforma e outras coisas que ninguém pode, com honestidade, considerar demagógicas. Poderão, isso sim, ser vistas como opções erradas. No entanto, uma boa maioria do eleitorado de direita achou que faziam sentido.
Acima de tudo, Fillon poderá impedir Marine Le Pen de ganhar as presidenciais. E essa é, para mim, a sua grande vantagem. O populismo de extrema-direita de Le Pen constitui, nos próximos meses, a maior ameaça à estabilidade da França e da Europa. Estrategicamente, é fundamental concentrar uma boa parte da luta política no combate a Le Pen. Não podemos deixar que ganhe as eleições presidenciais de Maio de 2017. E aí, a candidatura de Fillon é, apesar de todas as reservas que possamos ter sobre o seu programa político e a sua maneira de ver a vida, a melhor aposta. Não é uma questão do mal, o menos. É uma questão existencial, estratégica para o futuro da Europa que ambicionamos.
Conhecidos agora os resultados da segunda volta das eleições regionais francesas, seria um erro pensar que a Frente Nacional de Marine Le Pen perdeu gás. Antes pelo contrário. O discurso que acaba de pronunciar mostra claramente que vai continuar na mesma linha política, desta vez com mais apoio, apesar de tudo, e que será um grande problema, aquando das eleições presidenciais de 2017. Só quem não quiser ver o perigo que Marine representa é que pode ficar descansado esta noite.
"O resultado eleitoral obtido pela Frente Nacional (FN) no domingo passado, nas eleições regionais francesas, fez perder o equilíbrio a muita gente. Foram sobretudo os políticos tradicionais, do arco central, à esquerda e à direita, quem ficou mais destabilizado. E nestes dias, uma boa parte dos comentários e das declarações políticas vão no sentido de tentar perceber o que terá levado cerca de 30% dos eleitores a colocar a FN à cabeça do panorama partidário francês. Como também se procura entender qual poderá ser o impacto sobre outras partes da Europa de uma França que mostra agora um marcado pendor ultranacionalista, com profundos traços xenófobos.
Responder as estas questões de modo politicamente correto seria um erro. A hora não é para palavras mansas. Mas também não chega dizer que se trata da extrema-direita, do fascismo e que Marine Le Pen é o diabo personificado. Esse tipo de acusações perdeu tração. Aparece como conversa do passado, de intelectuais de ideias vagas.
É preciso sublinhar que uma votação deste tipo, que é antissistema, mostra que existe um mal-estar social de peso. "
(Extracto do meu texto "As penas de Le Pen", publicado hoje na Visão online)
Hoje não é dia para grandes escritas. Será certamente dia para dizer muito obrigado aos que se lembraram de expressar um voto. Nestas coisas, e com o passar dos anos, o que vai ficando é o que é verdadeiro. Conta. O resto são coisas que o tempo acabou por fechar. E quando se andou por muitos montes e vales, acaba-se por se ter muitas caixas onde se foram arrumando as lembranças. Umas estão ainda abertas e bem vivaças, outras já têm a tampa a cobri-las.
Também não é altura para expressar grandes preocupações. Mas não posso deixar de mencionar que este serão segui o que os vários dirigentes políticos franceses foram dizendo, perante os resultados das eleições regionais de hoje. Dei atenção porque no jogo das coisas europeias, a França pesa. E o que resultou desta primeira volta deixará certamente os que acreditam na Europa ainda mais preocupados. A Europa anda mal e ficou agora ainda mais ameaçada. Os extremismos, e todos os radicalismos, todos, incluindo os dos presunçosos, fazem-nos tanta falta como a fome e a miséria. E, se não forem combatidos, acabam sempre por nos trazer fome, miséria e outros problemas.
Na França, os resultados eleitorais de hoje são melhores do que se temia. A Frente Nacional de Marine Le Pen, um partido que é uma ameaça à democracia, à paz social e à Europa, um ninho de víboras racistas, xenófobas e de inadaptados face aos desafios actuais, víboras que vivem da exploração fácil do populismo e dos medos colectivos, não teve o sucesso que se temia e que todos anunciavam. Mesmo se um em cada quatro franceses vota na Frente Nacional, a verdade é que no momento decisivo, a maioria decidiu com moderação e disse não aos radicais de direita.
Constata-se uma viragem à direita, reconheço. Trata-se, no entanto, da direita republicana, sem extremismos. Uma direita que respeita a diversidade étnica e cultural, que define a sociedade francesa de agora. Uma direita que sabe que sem a participação construtiva da França o projecto europeu não terá futuro.
Quanto ao partido de François Hollande, o PS, os resultados preliminares mostram que a erosão política parece estar a ser contida.