Na discussão de hoje, ficou bem claro que Marrocos está igualmente a viver um processo de radicalização religiosa. A política e a vida em sociedade estão cada vez mais influenciadas pelas ideias retrógradas de quem interpreta o islão de uma maneira fundamentalista e absurdamente redutora. Para complicar a coisa, o monarca fez recentemente um discurso antiocidental, durante uma visita aos países do Golfo. Para muitos, o discurso não constituiu uma surpresa. Deu seguimento a outras declarações feitas nos últimos tempos. O que surpreendeu foi a clareza do ataque. Mas mesmo isso deve ser visto como a confirmação da viragem em direção aos países mais ricos e mais conservadores do Médio Oriente.
Participei numa discussão sobre a Estratégia da UE para a Região do Sahel.
Fiquei com a impressão que a estratégia não é estratégica, não entende as causas profundas da insegurança nessa parte de África, não inclui um estado fundamental, o Chade, e tem um número excessivo de objectivos.
Pareceu-me, também, que os burocratas da UE estão, também neste caso, mais preocupados em mostrar aos estados membros que não se esquecem do Sahel do que em obter resultados duráveis.
E os políticos europeus, como de costume, vivem na ilusão e num mundo que tem pouco que ver com a realidade.
Os acontecimentos no Norte de África estão a provocar uma reorientação total das relações Norte-Sul. As instituições europeias, que tinham, nos últimos anos, adoptado um conceito vago do que seria o Sul, estão agora a pensar que afinal a prioridade é a margem meridional do Mediterrâneo.
Ao mesmo tempo, a grande ideia de N. Sarkozy, de lançar uma União do Mediterrâneo, está cada vez mais enevoada. Ninguém quer uma união, vaga e ampla, onde caibam gregos e troianos, árabes e judeus. Nem ninguém pensa que este seja o momento de criar novas estruturas, mais burocracias. Querem sim um novo tipo de relacionamento entre a Europa e o Norte de África.
Mas, haverá, em Bruxelas e Estrasburgo, quem consiga definir, em concreto, que contornos dar a esse novo relacionamento?
Mais ainda. Haverá, neste momento, vontade política para pensar a sério noutra coisa que não seja a crise da zona euro?
Ben Ali, que dirigiu a Tunísia durante mais de 23 anos, foi forçado a abandonar o poder e o país. Deve estar esta noite em Valeta, a capital de Malta, à espera de um destino final. Não saberá onde irá acabar, mas sabe que tem dinheiro investido na Europa e nos Estados do Golfo.
O Presidente interino, que era até hoje o primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi, é um velho senhor, que vai tentar salvar os móveis do regime. Deverá ser Sol de pouca dura, que a rua, que tem revelado uma coragem invulgar, quer mais do que uma simples continuação dos senhores que constituíam a clique de Ben Ali. Quer uma mudança total da classe dirigente. Quer democracia.
Falta perceber qual será o papel reservado aos militares, que constituem um dos pilares mais estruturados da sociedade tunisina.
Entretanto, o que se passa na Tunísia é o resultado de uma ditadura que não conseguiu resolver os problemas de emprego dos jovens nem reconhecer que a corrupção e as falcatruas dos actos eleitorais são artimanhas com pés de barro. Os jovens concluem mestrados em direito e noutras matérias e depois são vendedores ambulantes, ou pior ainda. A corrupção, que tinha na senhora do Presidente o expoente mais ávido, levou ao enriquecimento dos fiéis e ao empobrecimento dos outros.
Mas há outro problema, de que se virá a falar em breve. Os fundamentalistas têm estado a organizar-se, por vias clandestinas, ao longo dos últimos anos. Ben Ali não os deixava pôr o nariz fora de água. Agora, o contexto é diferente. Creio que em breve vão passar a contar a sério, no novo xadrez político.
O Governo espanhol terá pago 8 milhões de euros ao grupo terrorista que afirma ser uma filial magrebina da Al-Qaida. Assim conseguiu obter a libertação de dois cidadãos espanhóis que se encontravam reféns, nas mãos dos criminosos. Já em Maio deste ano, a Itália havia pago ao mesmo grupo 3,6 milhões, também para obter o resgate de dois italianos. E a Áustria teria, em Abril de 2009, desembolsado 2,5 milhões, por motivos similares.
A França e o Reino Unido, apanhados em situações idênticas, resolveram não pactuar. Em ambos os casos, os raptados foram executados pelos terroristas.
A regra é que não se pague. Não se deve recompensar os actos terroristas. Nem deixar que o rapto se converta numa actividade rentável.