Uma coluna rebelde, de cerca quarenta homens, está a movimentar-se, em direcção ao campo de refugiados sudaneses de Sam Ouandja, situado a cerca de duzentos quilómetros ao Sul de Birao. Dois combatentes foram assassinados ontem no campo. Receia-se que este movimento tenha que ver com uma possível retaliação contra os refugiados, a quem acusam de ter morto os seus camaradas.
Entretanto, o chefe desta rebelião, Damane, foi contactado hoje. A mensagem que lhe fizemos chegar é que qualquer violência contra os refugiados é inaceitável e não resolve o problema da justiça que precisa de ser exercida.
O grupo de Damane, o UFDR, é um aliado do governo de Bangui. Por isso, pedimos ao governo que passasse a mensagem.
Amanhã teremos cerca de vinte capacetes azuis junto ao campo. Militares de elite togoleses. Com ordens claras para que não deixem espaço para nenhuma acção violenta por parte de grupos irregulares.
Esquecemos de lembrar aos rebeldes que hoje é Domingo. É verdade que não há tradição de combater de noite, aqui nestas paragens. Diz um dos meus conselheiros que a guerra fecha às seis da tarde, para a oração do fim do dia e para descanso. Mas não fecha aos Domingos.
Há, neste momento, uma paranóia na região. Diz-se que os guerrilheiros do Lord's Resistance Army (LRA), o Exército da Resistência do Senhor (Deus), conhecidos pelo número de crianças que raptaram até hoje, andam por estas paragens.
Os meus serviços de informação e análise de dados confirmam apenas a presença de pequenos grupos dispersos, fugidos do Norte do Uganda. Actualmente, estarão nas florestas do Sudeste da RCA, longe da capital centro-africana. Comportam-se como loucos de Deus, são violentos e primitivos. Mas não representam uma força a sério. São, no entanto, uma ameaça para os habitantes das aldeias da zona.
É preciso combatê-los. Como raptam crianças e escravizam mulheres, são alvo de uma atenção especial. São procurados sob a perspectiva da prática de crimes contra humanidade.
O chefe é Joseph Kony. Um iluminado. Um antigo menino de coro. Um inimigo jurado de Museveni. Que quer ver os dez mandamentos como base da governação política. O homem tem amigos em Cartum. Amigos muçulmanos. Parece que é apoiado pela liderança sudanesa, tendo em conta a sua capacidade para criar instabilidade no Sul do Sudão, uma região que se quer separar do resto do país.
As informações parecem revelar que os senhores armados se preparam para uma ofensiva diferente. Não aqui. Do outro lado da linha de fronteira, na região mais a Norte do Darfur, em aliança com as tropas de Khartoum. Contra os homens do Justice and Equality Movement (JEM).
Lutar pelo controlo das areias. É uma maneira de marcar pontos, tendo em vista as negociações de paz que decorrem em Doha. De um lado, o governo do Sudão. Do outro, o JEM.
É normal lançar ofensivas guerreiras quando se está a negociar a paz. Faz aumentar a parada. Um período de maior perigo é exactamente quando a paz começa a ser possível. Às armas, cidadãos!
Assim se faz diplomacia. Embora me pareça triste morrer quando se está à beira de acordo de paz.
Hoje teve lugar a cerimónia de passagem de responsabilidade de 84 crianças capturadas pelas Forças Armadas do Chade. Faziam parte das colunas rebeldes que haviam atacado o Leste do país em Maio. Tinham sido treinados como combatentes, ensinados a atacar, emboscar, matar e sobreviver em meio hostil. Eram guerrilheiros de palmo e meio.
Passaram agora para a responsabilidade das Nações Unidas.
A partir de hoje estarão num centro de trânsito e de orientação, sob a tutela na UNICEF. Vão ser aconselhados durante vários meses, educados e formados, preparados para voltar para as suas famílias. É um percurso muito longo, o de voltar à sua vida de adolescentes. Exige muita paciência. Entre parêntesis, refiro que o primeiro grupo de crianças aceites pelo centro, há mais de um ano, partiu tudo o que podia ser partido, assim que entraram nas instalações. Foi uma orgia de violência. Ontem estive com eles. Estavam atentos, em frente ao quadro, a ouvir os professores de cada disciplina. Pareciam outros miúdos.
Voltemos às crianças de hoje. Nunca haviam estado em N'Djaména. Agora, vão ficar na capital. Em breve, já jogarão à bola com as outras crianças vizinhas, moradores no mesmo bairro onde se encontra o centro. A bola vai ajudá-los, como a educação e a aprendizagem, a ganhar uma atitude mais aberta. Na verdade, a grande maioria destas crianças são de uma só tribo. Pouco mais sabem sobre o resto do Chade. Uma tribo que pensa que a única hipótese é a rebelião armada. Fortemente armada.