A situação política na Guiné-Bissau está muito complicada e tensa. Parece-me fundamental – e urgente – organizar uma mediação exterior que possa ajudar os dirigentes políticos nacionais na procura de uma solução negociada. A resolução do confronto em curso pode ser facilitada por quem venha de fora e não tenha nenhuma sardinha no lume. Quem vai tomar a iniciativa?
No momento em que o Embaixador Murade Murargy, um cidadão moçambicano, termina o seu mandato de mais de quatro anos como Secretário Executivo da CPLP, creio ser justo fazer uma apreciação positiva do desempenho do cargo. Murargy exerceu a sua função de modo equilibrado, diplomático, em constante consulta com os Chefes de Estado e de Governo dos países membros, e acima de tudo, com coragem política. Teve a determinação necessária para proceder a uma reforma profunda do Secretariado da organização. Sai de cabeça levantada. E percebeu que o acento tónico da CPLP está em África e na maneira como os Estados africanos se relacionam com o Brasil e Portugal.
Desejo-lhe um bom regresso a Maputo e as maiores felicidades.
No momento em que se celebram os 20 anos da CPLP, quero deixar uma mensagem de felicitações aos dirigentes executivos do secretariado da Comunidade e aos seus funcionários. Com poucos recursos e muitas dificuldades políticas, a equipa actual faz muito e com dedicação. Uma boa parte das iniciativas tem um cariz mais técnico, mas são importantes e dão significado à organização. Outras estão ligadas à sociedade civil e ao mundo empresarial, e são igualmente apreciáveis.
Na verdade, há que saber limitar as ambições políticas e estratégicas de uma organização que é profundamente heterogénea. Imaginar a hipótese de grandes voos só pode levar a frustrações. O futuro tem pouco em comum, para além da ligação a uma língua que para muitos continua a ser um idioma de empréstimo. Esta é uma base ténue para construir um projecto partilhado. Mas é a que existe. E é nela que será sobretudo necessário investir. Se assim se fizer e se se for mantendo o contacto entre todos de modo mais privilegiado, já se estará a conseguir muito.
A grande tarefa é saber definir o possível e gerir as expectativas com realismo e verdade. Sem lirismos nem falsas promessas.
A solução proposta pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, em resposta à surpresa causada por Portugal, é má.
Portugal queria ter um cidadão seu como Secretário-Executivo da CPLP, a partir de Julho deste ano. E invocava o princípio da rotatividade. Depois de Moçambique, que ocupa actualmente o cargo, seria a vez de ter um luso à frente da comunidade.
Os países africanos – e não só, pois o Brasil também via a coisa dessa maneira – achavam que Portugal deveria prescindir do lugar, porque a sede da CPLP está em Lisboa. É uma maneira de ver defensável. Assim acontece com o Commonwealth e com a Francophonie, entre outras. É, além disso, boa política quando o país que colonizou não reivindica a direcção de uma estrutura que tem sabores do passado.
Nesse caso, o futuro patrão deveria vir de São Tomé e Príncipe. São Tomé até já tinha um candidato na calha. E beneficiava do apoio de Angola, nomeadamente.
A reivindicação portuguesa veio criar confusão na CPLP, numa altura em que a organização precisa de consenso, para acertar numa visão estratégica que faça sentido, e que Portugal pede apoio para outras coisas, inclusivamente para a candidatura de António Guterres às Nações Unidas.
E a confusão aumentou com a solução encontrada. Normalmente, o Secretário-Executivo é eleito por dois mandatos, de dois anos cada. Ou seja, espera poder estar à frente da instituição o tempo suficiente para levar a cabo uma agenda proactiva e renovadora. Quatro anos é um mínimo, neste tipo de situações, para obter resultados consistentes. Agora, com o acordo manco e aparvalhadamente salomónico que foi aprovado pelos ministros, vamos ter um líder por dois anos apenas. É um período de tempo manifestamente insuficiente. Em dois anos pouco se pode fazer. É apenas uma passagem. A curta duração do mandato, por outro lado, enfraquece o Secretário-Executivo. Isto quando tudo recomenda que a posição seja fortalecida.
Enfim, trapalhadas de amadores e desinteresses de gente que não acredita na CPLP.
O próximo Secretário-Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deverá ser eleito na cimeira de Julho deste ano. O Embaixador Murade Murargy, moçambicano, terminará, nessa altura, o seu segundo e último mandato.
Depois de Moçambique, por ordem alfabética, vem Portugal. Como a sede da CPLP está em Lisboa, a tradição diplomática tem sido a de não escolher um português como Secretário-Executivo. Neste caso, São Tomé e Príncipe deveria propor o nome do próximo líder do secretariado. E está preparado para o fazer.
Entretanto, o novo ministro português dos Negócios Estrangeiros resolveu, desde o início da sua entrada em funções, que Portugal apresentaria um candidato. Os estatutos da CPLP permitem-no, mas a prática da casa tem sido outra. Por isso, o anúncio do ministro, que foi entretanto repetido várias vezes pelo próprio, sem que ninguém lhe perguntasse nada mais sobre o assunto, tem estado a causar mal-estar nos países africanos próximos de São Tomé, para além da inquietação que provoca em São Tomé.
Vai ser interessante ver como se irá desenrolar esta situação diplomática.
Escrevo sobre a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) na Visão que hoje saiu para a rua.
Passo a transcrever o meu escrito. Boa leitura.
CPLP: a renovação necessária
Victor Ângelo
Estamos nas vésperas do encontro anual dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Vai decorrer a 23 e 24 deste mês, em Díli, porque Timor-Leste assegura a presidência da Comunidade até meados do próximo ano. Ainda bem. Os dirigentes timorenses têm revelado um empenho exemplar. Estão sinceramente interessados no bom funcionamento da CPLP, sobretudo no que respeita ao afinamento da visão comum e à adaptação da organização às novas realidades internacionais.
Criada em 1996, a Comunidade tem um passado mais variado e rico do que muitos imaginam. Deve, no entanto, evitar a dispersão, o toca a tudo e a rigidez oficial. É altura de proceder a um balanço e dar um enfoque claro e incisivo às ambições para os próximos anos. Existem condições para que isso possa acontecer. Para além do dinamismo da liderança timorense e resolvida que está a questão da Guiné Equatorial, um assunto que criara uma tensão política aguda entre os Estados membros, a última cimeira, em 2014, deu luz verde a um processo de reflexão estratégica. Há, deste modo, um mandato que é preciso saber aproveitar. Para mais, o atual Secretariado Executivo já demonstrou que está pronto e tem a genica necessária para apoiar um exercício de renovação.
Não será, no entanto, uma tarefa fácil. As organizações deste tipo resultaram das ambiguidades pós-coloniais e de uma maneira de ver a cooperação e a ajuda ao desenvolvimento que já não faz grande sentido. O que une os países membros é ténue e, com a exceção da língua, são coisas doutros tempos, lembranças e nostalgias dos mais velhos. É fundamental encontrar uma nova razão de ser, que mobilize realidades geopolíticas muito diversas. É esse o debate os dirigentes devem ter a coragem de enfrentar.
Para além de coragem, pede-se diplomacia, peso e medida. A organização é de todos, não é uma extensão do ministério dos Negócios Estrangeiros do país A ou B, nem um apêndice de um qualquer instituto de cooperação. Tem que funcionar como uma instituição intergovernamental e na base de uma plataforma administrativa supranacional. Assentar o seu funcionamento nas práticas do Estado onde se situa a sede não me parece ser a melhor opção. Por exemplo, o Secretariado deve poder atrair inclusivamente os profissionais mais competentes da nação que pague os salários mais elevados. Aplicar a escala remuneratória portuguesa tem como consequência a falta de entusiasmo por postos profissionais na CPLP de candidatos de topo do Brasil ou de Angola, para mencionar apenas dois casos.
Para começar, é preciso conquistar a opinião pública. A comunidade de países só conseguirá ganhar asas se se transformar numa comunidade de povos. Há que ultrapassar as dimensões puramente estatais, que têm a sua importância mas que pouco dizem aos anseios das pessoas. As populações têm que ver vantagens neste projeto. E não me refiro apenas ao Brasil, onde só uma mão cheia de iniciados sabe do que estamos a falar. Para os cidadãos, a CPLP tem que se traduzir num esforço coletivo por mais dignidade e segurança, ou seja, ser um espaço de direitos humanos, uma espécie de segunda pátria capaz de abrir horizontes e de funcionar como um porto de abrigo. Deve igualmente facilitar as trocas comerciais e os investimentos. Assim, a língua comum seria o cimento de uma visão capaz de promover o respeito de todos e os direitos de cada um bem como uma alavanca de resposta conjugada aos desafios da globalização.
A mesa-redonda de doadores da Guiné-Bissau, que teve lugar em Bruxelas na quarta-feira, atraiu um elevado número de participantes. Um número que me surpreendeu, devo acrescentar. Também é verdade que muitos estiveram presentes mais como observadores do que como parceiros do desenvolvimento da Guiné. Este facto levou algumas personalidades amigas do país a comentar, após a reunião, que a mesa-redonda teve muita parra mas pouca uva. Mostravam, assim, a sua decepção, sobretudo porque vários países não prometeram qualquer tipo de ajuda.
Creio, no entanto, que o saldo é positivo. Foi, por um lado, um passo importante para a normalização das relações com o governo de Bissau. Politicamente, isto é muito importante. Permitiu, igualmente, definir melhor as prioridades. E mostrou que o governo era capaz de fazer uma análise serena das dificuldades e reconhecer, em seguida, quais as medidas que deverão ser tomadas. Ora, tudo isto é de apreciar.
Numa discussão recente no Ministério dos Negócios Estrangeiros, um embaixador amigo perguntava-me, com uma certa amargura, qual era a minha opinião sobre a entrada da Guiné-Equatorial para a Comunidade dos Países de língua Oficial Portuguesa (CPLP). Acrescentou, como preâmbulo à sua questão, algumas considerações conhecidas sobre a situação dos direito humanos nesse país. Poderia ter também referido outros aspectos, como os relacionados com a má governação, a corrupção e mesmo a segregação étnica, mas não o fez.
Agora a Guiné-Equatorial está nas vésperas da sua adesão à CPLP.
E a minha resposta continua a ser a mesma. A CPLP não é propriedade do governo português. Cabe à maioria dos seus membros decidir sobre as questões de interesse comum. Portugal não pode dar a impressão que mantém uma atitude paternalista e de ingerência pós-colonial. É verdade que a entrada de um novo Estado membro tem que ser aprovada por consenso. Mas também há momentos em que o consenso se obtém não por se estar de acordo mas por haver outros interesses mais altos em jogo. O relacionamento, neste caso, com Angola e São Tomé e Príncipe, os padrinhos do governo de Malabo, são importantes para nós.
E a Guiné-Equatorial, um país que em 1968 era dos mais desenvolvidos de África e que hoje é um exemplo dos enormes contrastes que existem entre a riqueza absoluta de quem controla o poder e a miséria de grande parte da população, passa a ter assento na CPLP.
Não será por isso que mudará o seu modo de governação.
E a opinião pública em Portugal deverá, agora mais do que nunca, chamar a atenção de todos e de quem nos quiser ouvir, para a importância da boa governação e dos direitos humanos. Em Malabo, em Bissau, em Luanda, ou mesmo aqui, em Lisboa.
Desde os meus tempos de Moçambique, na primeira metade da década de oitenta, sempre considerei Joaquim Chissano como um homem inteligente e sem papas na língua.
Hoje, na entrevista que dá ao Expresso, volta a mostrar que vale a pena prestar atenção ao que ele diz. Instado a falar sobre o futuro da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o Antigo Presidente disse: ”Há quem veja na lusofonia uma maneira de perpetuar a nostalgia do império”.
Muitos irão achar que Chissano exagera. Que na realidade será contra Portugal e que esta afirmação resulta de pesadelos coloniais de que não conseguiu libertar-se. Seria um erro pensar assim, tentando diminuir uma posição que conta e que é, provavelmente, partilhada, embora nalguns casos subconscientemente, por outros líderes das antigas colónias.
Vejo muita verdade nessa opinião. Noto, com frequência, que vários dos que falam, em Lisboa, da lusofonia têm em mente a apologia de um passado que há muito que deixou de existir. Estão a tentar justificar uma ideia de grandeza que tem mais de lírico do que de real. A língua é importante não só quando é falado por milhões, mas sobretudo quando nos permite uma maior aproximação com os outros povos que, em certa medida, a partilham. A língua é um instrumento de comunicação. No caso da CPLP, o objectivo deve ser o de transformar o português num veículo de entendimento entre povos muito diversos, uns com raízes lusitanas, mesmo que míticas, outros com antepassados e valores bantus, e mais outros, como no caso do Brasil, com raízes complexas, misturadas, ou ainda, pensando em Timor-Leste, com os pés assentes numa variante da cultura malaia.