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Vistas largas

Crescemos quando abrimos horizontes

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Crescemos quando abrimos horizontes

Olhar para o futuro da UE

O futuro ainda existe

Victor Angelo  

 

 

 

                Quando a nossa parte do mundo acordou, na manhã de 24 de junho, e tomou conhecimento do resultado do referendo britânico sobre a UE, ficou profundamente atordoada. Foi como se o céu tivesse desabado de repente sobre nós. O que parecia impossível, aconteceu. E reentrámos assim numa nova era, no tempo das incertezas políticas. Pode acrescentar-se, sem exagero, que o voto pela saída está a virar do avesso o Reino Unido, a UE e uma parte significativa das relações internacionais. Para além das repercussões imediatas, agora amplamente conhecidas, temos pela frente uma série de desafios políticos e económicos. São de grande complexidade mas pedem uma resposta clara, por parte das instituições de Bruxelas e dos líderes que temos. E uma estratégica inteligente e bem focalizada, capaz de se concentrar no que é essencial para a salvaguarda e consolidação dos nossos interesses comuns.

            A primeira grande preocupação deverá passar pelo encurtamento do período de indefinição. Os contornos políticos do novo tipo de relacionamento entre quem sai e quem fica precisam de ser aprovados sem demoras. Defender que assim seja não é, da nossa parte, nem arrogância nem vontade de punição. Os cidadãos, os operadores económicos e financeiros, os parceiros externos, e também os nossos adversários, têm que saber com que linhas se irão coser. Nestas coisas, prolongar a falta de clareza só agrava os problemas. Por isso, há que insistir na aprovação, nos mais breves prazos, de um quadro de referência que irá, por dois, três ou mais anos, orientar o sentido das negociações de divórcio. E saber demonstrar que isso é igualmente vantajoso para o lado britânico. A dilação, que parece ser a opção tática que Londres quer seguir, é mais um erro que nos vem das terras de Sua Majestade. Quanto mais tempo se ficar no escuro, mais durará o período de desinvestimento na economia e no sistema financeiro do Reino Unido.         

             A segunda dimensão diz mais diretamente respeito a cada um de nós. O velho e vago mote sobre a aproximação entre as instituições de Bruxelas e os cidadãos da Europa precisa urgentemente de se transformar em algo de concreto. A alienação popular, se continuar, acabará por pôr termo ao projeto comum. Esse é um perigo de morte para a UE. Mas, atenção! Aproximação quer dizer que se responde às principais inquietações da maioria dos cidadãos. Isso não significa apenas, como erradamente a fundação Notre Europe de Jacques Delors e outros o propõem, colocar a segurança coletiva no centro dos esforços que aí vêm. Aliás, uma boa fatia da nossa segurança é assegurada pela Aliança Atlântica. Em matéria de defesa, a Europa sem os EUA não é mais do que um pé-descalço. E sem a Grã-Bretanha, além de pé-descalço, a UE mais pareceria um leão meio desdentado. Por isso, no domínio da defesa, a aposta só pode ser no quadro da NATO.

            Quais são, neste caso, as grandes inquietações que a liderança europeia deve ter em conta, de modo prioritário? Responder a esta interrogação é crucial e premente. Por mim, e de modo simplificado, vejo as questões do emprego, da solidariedade, da imigração e da segurança interna. A UE tem que ser um espaço que proteja os nossos contra as investidas cada vez maiores da globalização. Isso não quer dizer que se fechem as portas e se erijam muros. Significa que preparamos as nossas populações ativas para as oportunidades que as economias evoluídas oferecem, ajustando a educação e a formação profissional ao mundo de amanhã, e não às nostalgias do século passado. Também, que procuraremos resguardar durante algum tempo os setores que ainda possam mostra-se impreparados para fazer frente a uma concorrência internacional que vive com regras inferiores aos nossos padrões. O tratado comercial, conhecido como TTIP, que está a ser negociado com os EUA deve ser um exemplo dessa maneira de proceder. Abre-se onde é mutuamente vantajoso e quanto ao resto, espera-se por melhores dias.

            A imigração é uma questão delicada. É assunto incontornável nas circunstâncias de hoje. A sua abordagem deve ter como princípio orientador a ressalva da coesão europeia. Ou seja, se a imigração em massa põe em causa a unidade, terá então de ser contida dentro de limites aceitáveis. O caos abre as portas à insegurança, à instabilidade e à rejeição cega. É uma estupidez política acreditar, como muitos em Bruxelas e nos círculos bem-pensantes o fazem, que uma medida única serve para todos. E que se poderão aplicar multas a quem não acate as ordens vindas da Comissão. A Europa do Leste não viveu a mesma experiência histórica que outros conheceram. Há que respeitar esse facto, compreender as suas reticências e dar valor à sua pertença à UE. Por outro lado, a aceitação e posterior integração no tecido nacional de vastas comunidades de pessoas que são culturalmente muito diferentes das nossas não é um assunto ligeiro, que se possa resolver com base em diretrizes ou em posições simplistas e emotivas. Não é uma questão de xenofobia. Trata-se, isso sim, de evitar desequilíbrios tais que, pela sua dimensão, possam dar campo de manobra aos radicalismos ultranacionalistas e à militância racista.        

             O conceito de segurança humana abrange a proteção contra as ameaças económicas e as que põem em perigo a ordem pública, a vida e o direito à propriedade de cada um de nós. Do ponto de vista económico, como ficou dito acima, a grande ameaça é a aceitação da globalização a partir de uma postura ultraliberal. Quanto à segurança pública, é fundamental que o cidadão veja o espaço europeu como uma área de direito, liberdades e tranquilidade. O terrorismo é apenas uma das ameaças, a mais mediática, certamente, mas sem nos poder fazer esquecer outras dimensões da grande criminalidade organizada e plurinacional. O cidadão quer sentir-se protegido. E para isso, precisa de ver um novo tipo de cooperação entre as polícias e os serviços de informação dos países Schengen. Tem havido, ultimamente, algum progresso nesse sentido. Mas há muito ainda por fazer e mais ainda por dar a conhecer e esclarecer.

            Este ponto sobre a comunicação é importante. Bruxelas não tem sabido contar as suas histórias de sucesso. A comunicação é feita de modo burocrático e só é entendida pelos poucos que fazem parte dos grupos de iniciados. Além disso, não é boa a imagem que Jean-Claude Juncker projeta. Dá a impressão de falta de imaginação e paciência, de ligeireza, de excesso de ironia e cansaço. Donald Tusk também já não convence: anda a meio-gás, à espera que Varsóvia lhe tire o tapete de vez. E não falo da imagem de outros, como o eterno arrogante Martin Schultz e o tristemente desajeitado François Hollande. E passo ao lado de Angela Merkel…Estas coisas da imagem contam muito. Como também é fundamental acertar com a narrativa. Um bom relato faz parte do sucesso.

            Em resumo, só respondendo efetiva e rapidamente a estas preocupações se pode evitar o risco do dominó referendário. Não me estou a referir, é claro, ao referendo que foi infantilmente sugerido este fim-de-semana aqui pelas nossas bandas. Tenho em mente Marine Le Pen, Geert Wilders, Beppe Grillo, Norbert Hofer e outros extremistas de direita cada vez mais impantes. Andam todos ao mesmo. Querem, à boleia da folia britânica, acabar com a UE e promover, nos respetivos países, na França, Holanda, Itália, Áustria, e por aí fora, uma agenda ultrarreacionária e ultranacionalista. Personificam os perigos mais imediatos para a continuação da UE. Se algum deles chegar ao poder e tiver a oportunidade de organizar um referendo a preto e branco, e se o que acima ficou dito não tiver sido conseguido, será o fim da Europa tal como hoje a conhecemos. Estes referendos, que parecem ser sobre a UE, são enganadores. Acabam, na realidade, por ser moldados por questões de política interna. E se Bruxelas continuar a dar azo a servir de bode-expiatório das más políticas domésticas ou se oferecer pretextos de crítica aos radicais, o que começou no Reino Unido como uma amputação de um braço, acabará em Paris ou Roma como uma lança no coração de um sonho.  

 

(Texto que publico no número desta semana da revista Visão)

 

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