Valente Valentim
Copyright V. Ângelo
O que conta é o inesperado. Com carinho.
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O que conta é o inesperado. Com carinho.
Copyright V. Ângelo
Numa aldeia com vista para o mar, a leveza dos políticos faz com que andemos todos às bananas. E ainda por cima, as cá do síto são de tamanho pequeno. Os políticos, esses, são gigantes.
Depois de passar o dia no Leste do Chade, nos castanhos, tons tão variados, a encher os olhos e a dar cor às terras duras que são a minha vida de agora, voltei a casa e encontrei o meu quarto invadido. A gatinha preta, que fora adoptada durante a minha ausência em Paris, resolveu aproveitar a minha saída, sabendo-me perdido no deserto, para passar o dia deitada na minha cama, mesmo debaixo da ventoinha. Um luxo. Uma gatinha que sabe apreciar os pequenos prazeres da vida. Pequenos, porque no meu quarto, com a ventoinha a todo o valor, a temperatura nunca desce abaixo de 39 graus. 39, sim! Centígrados, meus senhores e minhas senhoras. Andar de calções, no quarto, é expor as pernas ao ar quente e sentir a carne a cozer em lume brando. Um pequeno luxo, de facto, essa ventoinha feita por um chinês do século passado.
A malandreca aproveitou bem o seu dia ao fresco. Nem para fazer as necessidades mais primárias saiu do quarto. Só que os meus polícias pensam que a gatinha é um elemento das Operações Especiais e alimentam-na bem. A produção foi em grande quantidade. Uma enxurrada. Tive que pedir a ajuda da turma de prevenção. A nossa polícia é de uma valia a toda a prova.
Foi um incidente que me fez bem. Permitiu que me esquecesse da " outra produção", a que sai da política portuguesa, com uma evacuação diária. Uma outra enxurrada, nos jornais e nas televisões. O PGR, por exemplo, um assunto actualmente muito na moda em Portugal, faz pensar numa lagartixa mansa, ao lado da nossa gatinha. Talvez a única coisa que tenham em comum é o oportunismo ocasional, o aproveitar o ar fresco, quando ninguém está a olhar. Só que, mais tarde ou mais cedo, chega a guarda e é um fugir a quatro patas.
Permitiu também esquecer que o investimento feito pelas Nações Unidas, no Leste do Chade e na RCA, está em riscos de ir por água abaixo. O que é uma maneira de dizer, pois na secura destas paragens, poucas águas existem. Todavia, esta enxurrada vai deixar muita coisa por fazer. E muita gente por proteger.
Não estou a fazer o elogio do cócó da gatinha que partilha as penas do nosso calor. Entendam bem, que há que ter respeito por estas matérias. Mas a verdade é, que no meio de tanta merdice, há porcarias que não fazem mal ao coração.
Tive tempo para ler o programa do governo, ontem entregue na Assembleia da República. Fi-lo a muitos pés de altitude, entre dois destinos. Os portugueses são gente que anda sempre à procura de destinos.
O programa descreve um país cor-de-rosa.
O senhor político que anda por aí, de feira em feira, de demagogia em demagogia, com ideias soltas, a defender que quem tenha mais de 55 anos, e esteja desempregado, deveria poder reformar-se não sabe fazer contas ao custo das reformas, nem entende que existe um problema de sustentabilidade financeira do sistema social.
A solução passa pela criação de empregos, não pelo estabelecimento de uma sociedade de reformados. E quem tem mais de 55 anos ainda tem muito para oferecer 'a sociedade.
O chefe primeiro disse que os números do desemprego em Portugal são "animadores".
Será que os que os desempregados, que todos os dias são mais numerosos, sentem o mesmo tipo de optimismo? Sobretudo os que sabem que procurar emprego é uma tarefa vã, e que por isso, decidiram baixar os braços e desaparecer das estatísticas?
Conta-se entre os Árabes do Chade que uma hiena, nas suas andanças pelas terras secas, encontrou um camelo num ermo do deserto. Reparou que o lábio inferior do camelo estava descaído. Sentou-se em frente da possível presa, com muita paciência, à espera que o lábio acabasse por cair. Não seria um grande repasto, mas seria uma refeição que daria pouco trabalho, era só uma questão de esperar.
Não sei se esperou muito ou pouco. O que é verdade, segundo reza a narração, é que entretanto o dono do camelo apareceu e meteu uns tiros na hiena, que tanta paciência havia demonstrado.
O primeiro-ministro falou hoje, com um optimismo que só ele consegue assumir, sobre 2009 . Trata-se, de facto, de um ser à parte.
Prometer às famílias um melhor rendimento em 2009 é um bocado estar a gozar com os portugueses, sobretudo com os que levam para casa, no final de cada mês, entre 500 e 700 euros limpos -- a maioria dos empregados está nessa fatia de rendimentos. Ou com os que estão pura e simplesmente sem trabalho ou com empregos precários. A juventude, muito especialmente.
O ano de 2009 vai ser um ano de grandes dificuldades económicas na zona euro. Portugal não será uma excepção. Até porque a nossa economia e os rendimentos das famílias estão muito dependentes da situação económica dos nossos parceiros europeus. Ou por causa das exportações, ou do turismo, ou mesmo porque muitos dos nossos jovens trabalhadores estão a emigrar para a Espanha, a Suíça e outros países da Europa. Com a crise vão ter menos oportunidades nesses países.
É verdade que os juros dos empréstimos à habitação vão baixar. Que os preços dos combustíveis poderão manter-se ao nível actual em 2009. Mas o grau de endividamento dos agregados domésticos portugueses é muito elevado e os salários continuam demasiado baixos em comparação com o custo de vida. Por outro lado, a tendência é para o abrandamento significativo do consumo privado. Por isso haverá uma quebra da inflação. Este processo arrasta consigo uma diminuição do emprego disponível. Vendendo-se menos, precisa-se de menos operários, na parte da produção, e de menos trabalhadores da distribuição e do comércio.
Não é correcto falar em perspectivas melhores quando se sabe perfeitamente que recessão vai continuar em 2009.
A não ser que se pense utilizar uns dinheirinhos públicos para agradar a uma ou outra camada de eleitores, como os funcionários do estado, na esperança de que eles se mostrem reconhecidos e obrigados no dia do voto. Seria mais um erro de governação. Porque mesmo com aumentos para os funcionários públicos, existe um nível tal de descontentamento que não serão uns modestos euros que irão mudar a feição das coisas. Há um mal-estar generalizado em muitos grupos sociais.
Penso que só uma política de verdade e de diálogo nos poderão trazer a paz social e a mobilização que tão necessárias são para o nosso crescimento económico e cívico.
O insuspeito Financial Times, um dos melhores órgãos de comunicação social, ousou dizer, uns dias atrás, que o ministro das finanças de Portugal é o pior da zona euro.
Como o melhor é o senhor das finanças da Finlândia, e como estamos a chegar ao Natal, a solução seria a de enviar o nosso homem pouco-sorrisos fazer um estágio em Helsínquia e ao mesmo tempo ir pedir a bênção do Pai Natal. Talvez o PN -- não confundir com o PM -- lhe ponha um pouco de habilidade política no sapatinho.
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