Moçambique continua na ordem do dia. No seguimento do meu texto de ontem, publicado no Diário de Notícias, recebi várias mensagens e alguns telefonemas. Todos expressavam preocupação. O sentimento dominante tem duas facetas. Por um lado, pensa-se que o governo de Maputo não está a perceber bem a dimensão do problema. Por outro, existe o receio de que a insurreição e os actos de terrorismo tenham ganhado um novo elã, depois do que aconteceu em Palma.
Ambas são questões genuínas. Ninguém quer ver o governo moçambicano – e o povo desse país ao qual nos ligam a história e a língua – numa situação difícil. Também ninguém pode ficar calado quando se praticam acções terroristas.
Mas para resolver a crise há que entendê-la bem. A mensagem principal do meu texto era sobre isso.
O mundo está hoje mais instável, inseguro e pobre. Não me refiro apenas à epidemia de Covid-19. Falo de uma situação que resulta da má liderança dos personagens de maior importância na cena internacional. E neste momento, o foco das atenções está centrado no Presidente norte-americano. É a actualidade do que se está a passar no seu grande país que dita o sentido da atenção internacional.
Donald Trump é um perigo para os Estados Unidos e para o mundo. Trata-se de um megalómano sem cultura nem valores, que vê o mundo a preto e branco. Ou se está com ele, a apoiá-lo cegamente, e isso é considerado normal, ou se está contra, abrindo-se assim as portas a todo o tipo de ataques, a todas as tentativas de esmagamento. Contrariamente aos líderes positivos, o Presidente Trump não pensa em termos de inclusão e de alargamento do círculo. Reage, isso sim, como um político feroz e ditatorial.
Enquanto europeus, temos pouco que dizer sobre o que está a acontecer nos Estados Unidos. O racismo, a brutalidade, a exclusão social, o desespero, a falta de respeito pelas oposições, são factos reais que os cidadãos americanos terão que resolver. Uma parte desses cidadãos acha que a força, a discriminação, o individualismo extremo e a indiferença social são os pilares da sociedade. São esses que constituem os alicerces eleitorais de Donald Trump. Do outro lado da barreira, encontramos muita gente que pensa em termos democráticos e solidários. Só podemos esperar que votem em Novembro e que o seu candidato substitua Donald Trump.
Mas quando olhamos para a cena internacional, temos imenso para dizer contra as opções que o Presidente americano tem tomado. E enquanto aliados nominais dos Estados Unidos, o nosso nível de preocupações aumenta de modo muito marcado. Este é um aliado que não está na mesma frequência de ondas em que nós nos encontramos. Não há sintonia. Entre os nossos, que estão em posições de poder, ninguém quer falar disso, abertamente. Mas este é um segredo público, uma máscara política que nada esconde. Existe muita preocupação. E muita esperança que o personagem saia de cena no início do próximo ano.
Eu aconselharia prudência. É possível que desapareça do mapa, como também é possível que seja reeleito. Por isso, parece-me ter chegado a altura de falar mais abertamente sobre o assunto para dizer, acima de tudo, que estamos em desacordo e muito preocupados.
A luta política portuguesa ainda está debaixo da influência de escolas de pensamento totalitárias. Em ambos os lados, à esquerda e à direita, não estamos preparados para aceitar outros pontos de vista, para ver qualquer tipo de mérito nas opiniões de outras famílias políticas.
A maioria dos defensores das ideias de esquerda vê as outras correntes de opinião como inimigas do povo. Só eles é que têm razão, cada um na sua capela ideológica e entre os seus fiéis amigos. Se tivessem o poder, um poder absoluto, praticariam aquilo que Estaline e outros praticaram, quando se tratava de lidar com pessoas com um pensar diferente. Talvez a uma escala menor, que nós somos uns meia-tigelas, mas o princípio seria o mesmo: esmagar quem não pertence à nossa família política.
À direita, também se faz política assim. Os adversários são vistos como inimigos e os inimigos só podem ter um destino.
A intolerância e a incapacidade de dialogar e de chegar a compromissos têm muitos adeptos entre nós. Fomos formatados pelo fascismo e pelo outro lado da medalha, pelas ditaduras que invocavam em vão a classe operária e o proletariado. Ou seja, a nossa cultura política é uma cultura que procura excluir e derrotar, em vez de construir e harmonizar. É uma maneira de ver que não deixa espaço para um equilíbrio de interesses e para uma inclusão inteligente dos cidadãos, sobretudo daqueles que menos sabem de política e que, por isso, andam mais indefesos.
Toda esta intolerância revela uma grande imaturidade política. Sobretudo, ao nível de quem manda na política, dentro ou fora do governo, nos jornais, nas assembleias, na praça pública. Os actores políticos são infantis, apenas pensam na imagem da sua pessoa e na maneira de bater nos outros, forte e feio.
Há aqui uma revolução cultural que precisa de ser levada a cabo. O problema é que não vejo como se pode iniciar o processo.
Nesta altura pré-eleitoral, uma das perguntas que aparece em cima de algumas mesas tem que ver com o significado da democracia. Que queremos dizer, quando se fala na democracia que se pratica nos países europeus?
Para mim, democracia é a procura de inclusão, de consensos entre diferentes correntes de opinião, bem como um processo de construção de equilíbrios entre os interesses de várias camadas sociais. É, ao nível do quotidiano, um exercício permanente de comunicação clara e construtiva.
A democracia deve ser praticada pela positiva.
Não se trata de tentar excluir os outros. Não é uma espécie de guerra civil. Não pode ser um concurso de propostas demagógicas. Nem uma campanha de insultos.
Quem pratica a política pela negativa tem nos seus genes o embrião comum dos ditadores. E há muitos, em potência, por aí.