Ontem à hora do jantar, pedi à companhia belga que me fornece os serviços de telecomunicações que procedesse à rescisão do meu contracto no final deste mês. A funcionária, do outro lado da linha, foi de uma eficácia que me deixou os cabelos em pé e à beira do colapso mental. Ou seja, cortou tudo, de imediato, sem esperar pelo primeiro de Junho. Num instante, fiquei náufrago no oceano da internet, desconectado do mundo. Senti-me como um Robinson Crusoe dos tempos modernos.
Notei o erro sem demoras. Telefonei de volta, através de um número que está fora desse circuito, mas já era tarde. A partir das 20:00 horas não há resposta a questões comerciais. Com a ajuda da minha filha e depois de muitas tentativas, consegui chegar a um chefe de serviço, por volta das 21:00. Disse-me que sim, que estava a ver o erro, que iria providenciar para que fosse reparado sem demoras. Nestes tempos de Covid e de mudança, não se pode estar sem comunicações, sem internet, acima de tudo. Foi muito rápido, no que respeita à factura dos custos da reposição do serviço. Cinco minutos depois, a conta já estava na minha caixa de correio. Mas nada de reposição do serviço. O mundo para lá do horizonte pareceu ainda mais distante, inteiramente fora do alcance do novo Robinson.
Hoje, logo pela manhã, voltei a telefonar. Disseram-me que sim, que tinha sido bom que eu os tivesse contactado tão prontamente, ontem à noite, antes que o corte se tornasse final. Fiquei feliz com a informação, mas profundamente infeliz quando acrescentaram que a ligação seria estabelecida entre hoje e amanhã. O que havia demorado uns segundos a desligar, iria demorar dois dias a ligar. Robinson Crusoe diria que Proximus ainda não chegou ao ano 2020 e à época do Covid.
O Público de hoje tem um texto muito bom sobre o problema da água no Algarve. Escreve nomeadamente sobre a enorme pressão que novos tipos de agricultura comercial e o novo campo de golf de Tavira exercem sobre os recursos hídricos, numa região cada vez mais seca. Esses são apenas exemplos do descuido e dos erros que por aí existem. Mas o pior é que a política da água não está na agenda dos partidos políticos. É um cegueira completa, que só mostra a incompetência e a falta de visão estratégica de quem anda pelas nossas ruas da política.
Lembrei esta tarde ao meu amigo Mário que o número de funcionários públicos aumentou de 26 000, nestes anos da governação de António Costa.
Este aumento não é ficção, é um facto comprovado por dados provenientes da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP). Por isso, justificar a ineficiência e os atrasos que se verificam em certos serviços da administração pública com base na falta de pessoal não me parece correcto.
A verdade estará noutras razões. Um delas, e talvez a mais forte, terá que ver com a incompetência político-administrativa de quem exerce o poder. De qualquer modo, o governo não pode sacudir a água do capote. As ineficiências actuais não são órfãs. São, isso sim, filhas de uma fraca capacidade para dirigir o país.
Há por aí uma grande onda de indignação contra Joe Berardo. Compreendo. Mas devo confessar que esperaria uma ainda maior, mais violenta, contra os corruptos e incompetentes que dirigiram a Caixa Geral de Depósitos e outros bancos que andavam, nessa altura, com o Berardo ao colo. A justiça deveria começar por esses lados.
A experiência ensinou-me que o problema não consiste em o governo ser de esquerda ou de direita. Muitas vezes, as diferenças programáticas entre ambos os lados são apenas ligeiramente perceptíveis. Não há grande diferença entre o Manuel e a Manuela.
O problema da governação existe quando nos defrontamos com uma mistura desastrosa que combina incompetência com oportunismo. À esquerda ou à direita, líderes incompetentes e trapaceiros trazem para o poder afilhados e apaniguados igualmente nulos, gananciosos e corruptos. Os que mandam rodeiam-se de quem não os ponha em causa. Fica tudo ao mesmo nível de inépcia, de mesquinhez e de cupidez.
Voltando ao escândalo que é a Caixa Geral de Depósitos, qual é a justificação para que a anunciada “auditoria forense”, decidida pelo governo há mais de dois meses, ainda não tenha sido iniciada? Quem tem aconselhado o governo a não andar para a frente com a auditoria, dizendo que uma investigação judicial dos actos praticados nos últimos mais ou menos dez anos não seria politicamente oportuna, por poder vir a mexer em gente com muitos poderes?
Não houve actos ilícitos? Não há responsáveis? Ninguém tem culpa?
É só fechar os olhos, toca a roda e mais do mesmo?
É por estas que eu penso que a política e os negócios devem ser mantidos em esferas separadas. Cada um no seu domínio, com regras claras e supervisão a sério. O resto é conversa, é ideologia barata, é abrir as portas à corrupção e ao roubo organizado e impune.
Hoje lembrei-me do velho Deng Xiao-ping (1904-1997). O tal que dizia, por outras palavras mas com o mesmo sentido, que o importante não era a cor do gato, se branco ou preto, mas sim se caçava, ou não, ratos. É o pragmatismo político levado ao extremo.
Mas a verdade é que precisamos, no nosso caso bem português, de introduzir uma forte dose de pragmatismo na nossa prática política. Há conversa a mais, ideologia superficial em abundância, e poucos resultados práticos. Ora, o que os cidadãos querem é que o país funcione melhor, que lhes facilite a vida. Esse é o critério que conta.
Ora, estamos e temos estado, nas mãos de incompetentes. O verdadeiro combate político passa pela luta contra essa ineptidão. O Zé que vê a sua companheira esperar às portas do Serviço Nacional de Saúde até já não haver solução não pensa na cor do gato que está no governo. Fica convencido, isso sim, que a incompetência mata os pobres. A Maria, que aos 26 anos ainda anda à procura do primeiro emprego, depois de vários estágios faz-de-conta, compreende agora que o sistema educativo não a preparou para a vida. A incompetência do sistema público de educação dá cabo da vida aos jovens pobres, sem no entanto beliscar o futuro dos filhos dos ricos. E dos políticos…
Sobre a mediocridade patente da política portuguesa, não há nada melhor do que prestar atenção às palavras de quem conhece os podres da coisa por dentro. Assim, não resisto à tentação de mencionar o que Rui Rio afirmou ontem, em público, em Famalicão.
Passo a citar Rio: "Continua a haver muita gente de qualidade na política, mas a quantidade dos que não têm qualidade é cada vez maior. Os de fraca qualidade são cada vez mais e os de qualidade são cada vez menos"
Um optimista acaba por escrever, com mais ou menos frequência, sobre causas perdidas.
Não sei se Portugal é uma causa perdida. Mas a verdade é que procuro escrever pouco e espaçado sobre o nosso país. Mas hoje, volto à carga, o que fará de mim, talvez, um optimista arreigado ou, no pior dos casos, palerma.
Assim, depois de ver o que passa no meu bairro, aqui junto ao estádio do Belenenses, e noutras partes da cidade de Lisboa, onde a incompetência e o desleixo do município nos entram pelos olhos dentro, fico a pensar no que irá acontecer ao pobre do país, quando as eleições forem ganhas, como parece que poderá ser o caso, por quem tem mostrado provas tão evidentes de desinteresse pelas coisas públicas e pouca capacidade para discernir o que devem ser as prioridades de uma população. Sem contar com o pouco jeito para fazer funcionar as coisas.
Fico, mais ainda, que gostamos de eleger quem por aí anda a vender ar quente. Como tantas vezes tem acontecido.
Neste dia em que um camião foi atacado e levado para parte incerta por cinco homens armados na auto-estrada do Norte – a A1 – a poucos quilómetros do Porto, volto a dizer que a violência contra as pessoas e a propriedade são um problema muito sério, no Portugal de agora. Basta comparar as notícias diárias sobre incidentes graves de insegurança, espalhadas nos mais diversos órgãos de comunicação social, com as publicadas na Bélgica, um país com uma dimensão semelhante à nossa, para se ver que temos um problema bem significativo. E que se tem agravado nos últimos anos.
É, além disso, um problema que os políticos da governação procuram esconder. A narrativa que lhes interessa é a de um país seguro. Uma vez mais o discurso público tem como objectivo escamotear a falta de capacidade política para resolver um problema que afecta muitos, em particular os mais pobres, os mais idosos e as mulheres. E que poderia ser resolvido, se houvesse coragem política, competência e preocupação de verdade com o bem-estar dos cidadãos.