Amanhã, a Presidente da Comissão Europeia irá discursar no Parlamento Europeu sobre o estado da União. Vou seguir com atenção o seu discurso. Mas diria, desde já, que o estado da União deve ser visto pela positiva. Os desafios têm sido imensos este ano, na sequência da instabilidade criada, primeiro, pela pandemia do coronavírus e depois, pela agressão russa e tudo o que essa política criminosa tem provocado como problemas e desafios para os diferentes países europeus, para além da destruição imposta à Ucrânia. No geral, os países da UE têm sabido responder de modo coerente. E os cidadãos têm mostrado um bom nível de solidariedade, apesar dos custos que isso implica. As altas taxas de inflação são o indicador mais visível desses custos. Mas têm sido aceites com alguma paciência. É verdade que o grande teste vai começar agora, quando chegar o período outonal. Esse deve ser um dos grandes temas do discurso de von der Leyen.
O pacote anti-inflação aprovado pelo governo está a cair muito mal na opinião pública. O Primeiro-ministro fez uma bela jogada de espelhos e miragens. Passado o momento, os cidadãos começaram a perceber que o pouco que vão ganhar em outubro é mesmo pouco e será perdido em 2023 e nos anos seguintes. Os pensionistas estão especialmente preocupados com os cortes previstos já a partir de janeiro de 2023.
E o que era de facto importante para as famílias – cortar e reduzir as taxas e o IVA relativos ao consumo de gás e de electricidade, que neste momento pesam mais de 35% do valor total das facturas – não foi feito. Era aí que, sem mais complicações, que as medidas deveriam ter incidido. Seria claro, fácil de entender e teria um impacto imediato nos orçamentos familiares e no bem-estar dos cidadãos. Considero um erro político e uma injustiça social que tal não tenha sido decidido.
Do lado das empresas, era fundamental prever um esquema que ajudasse as que dependem fortemente do consumo de energia. Sem essa ajuda, a viabilidade de muitas dessas empresas estará em risco, já que o aumento dos custos de produção e de funcionamento não poderá ser absorvido pelo preço junto dos consumidores, por muito elevada que seja a inflação. Também teria sido relevante criar um imposto excepcional sobre os lucros inesperados das companhias petrolíferas e energéticas.
O pacote veio também mostrar que o ministro das Finanças não passa bem junto da população. Não tem credibilidade suficiente para o cargo que exerce. Projecta a imagem de quem anda às aranhas. Só existe politicamente por ter o apadrinhamento pessoal de António Costa.
A crise que se avoluma na Europa – e por cá também – exige medidas à altura. Para a enfrentar, não chega ser muito hábil em malabarismos políticos.
A inflação é hoje um verdadeiro problema para as famílias. O custo dos bens essenciais tem subido de uma maneira inexplicável. Os mesmos cem euros compram hoje muito menos, aquando do abastecimento nos supermercados. Existem produtos que nas últimas semanas aumentaram de preço entre 40 e 50%. E não se percebe a razão para uma subida dessa magnitude. Na construção civil, temos situações semelhantes e uma total imprevisibilidade sobre os preços futuros. Noutros sectores, passa-se o mesmo. A quebra do valor do euro tem um enorme impacto sobre os produtos importados, nomeadamente sobre os preços dos bens energéticos. O Banco Central Europeu hesita, no que respeita ao ajustamento das taxas de juro, tendo em conta as repercussões que taxas mais altas teriam sobre os países europeus mais endividados. Entretanto, os rendimentos das famílias não acompanham esta onda inflacionista.
Sejamos realistas. Há décadas, muitas mesmo, que a situação internacional não estava tão perigosa como agora. Depois de uma pandemia que paralisou o mundo, temos agora uma combinação de conflitos e tensões muito graves. Nos países mais desenvolvidos, as pessoas saíram do pico da crise sanitária com uma febre consumista muito aguda. A questão do aquecimento global, da destruição acelerada da natureza, desapareceu do radar dos cidadãos. Mesmo Greta Thunberg não se consegue fazer ouvir, ela que tinha mobilizado as atenções globais no período anterior à pandemia. Depois surgiu a guerra, graças à loucura imperialista e ditatorial de Vladimir Putin. Putin quer ser o Czar Pedro o Grande dos nossos tempos, quando na realidade é o pequeno Hitler de 2022. Entretanto, a tensão entre os EUA e a China começou a entrar numa fase bem mais perigosa. E o empobrecimento dos países mais vulneráveis, algo que desapareceu das letras gordas dos jornais, está a ganhar velocidade. No Sri Lanka, nos países do Sahel, na América Central, no Paquistão, para mencionar apenas alguns. E as economias das nações mais ricas estão a viver à custa do endividamento das gerações futuras, no meio de uma inflação que mostra os desajustamentos entre a produção, as importações e o consumo. Entretanto, os sistemas multilaterais continuam a perder força e credibilidade.
A geopolítica continua a ter como preocupação número um a situação à volta da Ucrânia. A reunião prevista para sexta-feira, em Genebra, entre Antony Blinken e Sergey Lavrov, é esperada com alguma ansiedade. É difícil, neste momento, prever o que poderá resultar desse encontro. Creio saber, no entanto, que não há muito optimismo do lado americano.
Entretanto, os mercados bolsistas parecem ignorar este risco geopolítico. Estão sobretudo preocupados com os níveis de inflação, em particular nos Estados Unidos, e com os aumentos das taxas de juro. Vivem numa outra realidade. Também é verdade que tem havido um fluxo de desinvestimento nos mercados russos. E quem ainda lá está investido está agora preocupado em sair. Não se nota, no entanto, um movimento de pânico.
Os Estados Unidos e a China estão numa fase de recuperação económica acelerada. No caso americano, essa recuperação deve-se às quantidades gigantescas de capitais públicos que têm sido postos à disposição dos cidadãos e da economia. Quanto à China, para além da intervenção do estado, a recuperação está ligada ao dinamismo do seu tecido económico, à vastidão do mercado interno, tudo isso num contexto de controlo da pandemia, algo que aconteceu atempadamente.
Em ambos os casos, estamos a assistir a uma procura muito acima do normal de matérias-primas e de meios de transporte, sobretudo de contentores para o transporte marítimo. Tudo isto provoca um aumento dos preços, quer dos bens necessários à produção quer dos transportes. Provoca igualmente uma escassez de certos bens, no que respeita ao acesso por parte de outras economias mais pequenas e menos poderosas.
Estamos, por isso, a assistir a um processo inflacionista que irá continuar em aceleração. Economias como a nossa irão sentir claramente o aumento dos custos de produção e as maiores dificuldades de acesso aos mercados de bens primários.
Seria um exagero dizer que metade do imobiliário algarvio está no mercado, à procura de comprador. Mas constato, depois de uns dias a percorrer a região, que existem milhares de propriedades de todo o tipo à venda. As agências imobiliárias têm as suas carteiras a abarrotar. Visita-se um amigo em qualquer ponto do Algarve, ou fala-se com ele pelo telefone, que as visitas são cada vez mais raras – na realidade, estão a desaparecer da nossa vida social – e ele diz-nos que à volta da sua casa há várias à venda. E neste momento não aparecem compradores em circulação, fora um ou outro caso raro. No entanto, os preços não baixaram. Estão fortemente inflacionados, quando se compara os segmentos médios e altos da oferta aos similares em França ou em Espanha. A questão que se levanta é se a sobrevalorização irá continuar, à medida que avançamos para o inverno desta pandemia que nos tolhe.