O assassinato de Shireen Abu Akleh, na Cisjordânia, deve ser investigado de modo independente e expedito. Shireen era uma jornalista veterana, muito conhecida e respeitada na região. A sua morte não pode ser tratada de modo superficial, não pode ser apenas mais uma numa região em que o inaceitável acontece todos os dias.
Os pormenores do cessar-fogo entre Israel e Hamas ainda não são conhecidos. Houve certamente muita pressão vinda da administração Biden. E o Egipto desempenhou, como no passado, um papel importante. Entretanto, é óbvio que esta crise teve custos elevadíssimos e veio agravar a situação em que se encontram Israel e a Palestina. Um problema que já não tinha qualquer hipótese de solução ficou agora ainda pior e mais complexo.
A União Europeia não tem qualquer tipo de influência sobre as partes em conflito. Amanhã, terá lugar uma conferência dos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros, sobre a presidência de Josep Borrell. Mas será um exercício em vão, um tiro de pólvora seca. Aprovará uma declaração genérica, copiada de declarações passadas, e nada mais.
No essencial, os Estados-membros apoiam tradicionalmente Israel. É verdade que insistem na “solução” dos dois estados, segundo as fronteiras existentes em 1967, e com Jerusalém como capital de ambos. Mas essa insistência é meramente simbólica. Os políticos europeus sabem que Israel a tornou inviável. Mas essa constatação é varrida para debaixo do tapete. E os programas de cooperação derivados da associação de Israel com a UE continuarão em vigor.
Hamas é uma organização terrorista. Consta da lista europeia como tal. Essa classificação impede os europeus de contactar directamente com o Hamas. Mas isso não tem importância alguma. Tal como Israel, Hamas não está disposto a ouvir o que possa vir de Bruxelas ou por intermédio de Bruxelas.
O impasse e o sofrimento irão continuar. Benjamin Netanyahu decidirá até quando.
Entretanto, cresce, nalgumas cidades europeias, o ódio contra os cidadãos europeus de religião judaica. É evidente que esse tipo de comportamentos é inaceitável. Deve ser tratado de forma enérgica. Não podemos permitir que se importe para a cena europeia o que se passa no Médio Oriente.
A maneira como o Presidente Joe Biden tem estado a actuar no que respeita ao conflito entre Israel e os Palestinianos mostra que o Médio Oriente não está no topo da sua lista de prioridades. Tem seguido uma linha habitual – a de apoiar o governo israelita, embora sem grandes entusiasmos, e andar aos ziguezagues, no que respeita aos direitos dos palestinianos. Fora isso, nada de novo, que as suas preocupações são, para já, essencialmente de ordem interna. A agenda doméstica é onde estão os problemas que considera importantes e também onde estão os votos que irá precisar em 2022, para consolidar o seu controlo do Congresso.
A destruição, que hoje ocorreu por decisão e acção das autoridades israelitas, do edifício que acolhia os escritórios da Al-Jazeera e da Associated Press em Gaza ficará na história da região e de um conflito que não tem tréguas. Independentemente do resto, tratou-se de uma decisão com altos custos políticos. Na guerra da opinião pública internacional, que é uma frente de combate que também conta e muito, foi um imenso tiro nos pés que Benjamin Netanyahu decidiu arriscar. E acertou em cheio. Não teve em conta, além disso, que a mesma opinião pública já não tinha qualquer tipo de simpatia pelo governo de Netanyahu. Nem pelas linhas políticas que o fazem agir como age.
"Israel nunca poderá admitir uma mínima ponta de responsabilidade por assassinatos deste género. Essa admissão abriria a porta a um processo de acusação no Tribunal Internacional de Justiça da Haia ou numa jurisdição de um país membro das Nações Unidas. A lei internacional é clara. Uma execução extraterritorial, sumária e arbitrária, promovida por um Estado fora de uma situação de conflito armado e à revelia de uma decisão tomada por um tribunal competente, é um crime que viola a lei internacional sobre os direitos humanos e as Convenções de Genebra de 1949 e os Protocolos Adicionais de 1977. Mais ainda, a Carta das Nações Unidas proíbe expressamente o uso extraterritorial da força em tempos de paz."
Extracto do meu texto de hoje no Diário de Notícias intitulado "Irão: o dia seguinte"
O assassinato do cérebro da energia nuclear iraniana foi executado de um modo profissional. Li várias descrições do que poderá ter acontecido porque existem diferentes versões da maneira como a emboscada foi executada. E de quantos veículos, motas e agentes estariam envolvidos. Mas não tenho dúvidas que foi uma operação de forças especiais. Exigiu meios, informações e executantes bastante sofisticados e perfeitamente treinados. Daqui é fácil de concluir que o assassinato foi planeado, organizado e levado a cabo por um Estado hostil ao Irão.
O principal motivo poderá ser distinto daquele que é mais óbvio, o de desferir um golpe importante que atrase o avanço do programa nuclear iraniano. Esse programa está numa fase que já não depende apenas de um cientista-chefe. O Irão tem várias equipas especializadas em matéria nuclear, incluindo no domínio da transformação do nuclear para fins bélicos. O verdadeiro motivo será outro. O estado promotor deste acto sabe o que pretende. O assassinato foi uma aposta muito grande, feita na esperança de atingir o objectivo principal.
Creio perceber que vários dirigentes europeus já atingiram o ponto de saturação no que respeita a Donald Trump e aos seus. A palhaçada que foi a conferência de imprensa de hoje, em que o advogado de Trump, Rudy Giuliani, meteu os pés pelas mãos, descreveu uma conspiração que não consegue provar e acabou com a tinta do cabelo a correr-lhe pela cara abaixo e a manchar a sua camisa branca, foi uma ilustração do ridículo, da loucura e da maldade que anima essa gente. Há fraude, sim senhor, e eles, Trump, Giuliani e companhia são a fraude.
Para completar o dia, os europeus olharam com estupefacção para a visita do evangélico Mike Pompeo a territórios que Israel ocupou. E pensaram que já é mais do que tempo para ver esta gente fora do poder. Como decidido, aliás, pelo povo americano, que votou maioritariamente por Joe Biden.
A apresentação do chamado “plano de paz”, que ontem teve lugar na Casa Branca, fez-me lembrar algo que vou dizendo de vez em quando: uma boa parte das iniciativas políticas são meros actos teatrais. Espectáculo, luz, som e espelhos. Isto é particularmente verdade nestes tempos de televisão e de imagens. Faz-se comunicação, não se resolvem problemas.