O Reino Unido está muito pouco unido. Para além dos comentários que se façam – e vi um ou dois nas televisões portuguesas que assentavam em premissas incompletas ou na compreensão insuficiente dos mecanismos parlamentares e constitucionais britânicos – , a verdade é que a situação actual constitui um rico campo de estudo para quem se interessa por questões de estratégia política e de jogos de poder. E assim vai continuar nos próximos dias e na semana que vem. Para já, que depois se verá.
Entretanto, penso que os dirigentes que mandam na política externa europeia e que pesam na questão do Brexit devem continuar calados e deixar os britânicos decidir para que lado vai a bola. Neste momento, comentários oficiais europeus sobre a situação de confusão que se vive no Reino Unido só poderão complicar ainda mais uma situação que já é bastante complexa e profundamente emocional. O silêncio é, tantas vezes, uma poderosa arma política, sobretudo quando anunciado como silêncio activo, deliberado.
O Conselho Europeu de ontem, que se prolongou até à madrugada de hoje, não conseguiu chegar a um acordo sobre quem deverá assegurar o bastão de comando da Comissão Europeia, no final do mandato de Jean-Claude Juncker. Havia outros lugares de topo em jogo, mas o bloqueio começa com a essa nomeação. Uma vez resolvida, será mais fácil encontrar consensos sobre quem irá ocupar os outros cargos.
Foi uma cimeira de fracturas. As posições defendidas por uns e pelos outros – falo dos Chefes de Estado e de Governo, que são quem se senta no Conselho Europeu – não eram apenas divergentes. Assentavam em todo um complexo conjunto de razões, que impediam a convergência. Eram questões políticas e pessoais.
Angela Merkel saiu da reunião com a postura de Estado que se impunha. Disse fundamentalmente que as discussões continuariam e que seria encontrada uma solução. Normal. Uma decisão a 28 não é fácil de tomar, sobretudo quando não há uma família política que tenha os votos necessários para fazer passar a sua agenda. Sem esquecer que há sensibilidades geopolíticas distintas, bem como visões do futuro da Europa que andam há procura de uma plataforma comum.
Compreendo a dificuldade.
Mas não compreendo os que saíram da reunião a queixar-se dos outros. O Conselho não pode funcionar assim, com sarcasmos, ataques frontais e arrogantes contra alguns dos seus membros. O Presidente francês precisam que lhe digam isso. E o Primeiro-Ministro de Portugal também.
Em política, e nomeadamente em política europeia, é preciso mostrar respeito e paciência. Cada país deve sentir que conta e que as suas preocupações são ouvidas com atenção.
Numa altura em que continua a não haver visibilidade sobre quem será o sucessor de Jean-Claude Juncker, noto que a questão está a abrir um fosso muito grande entre duas nações pilares da União Europeia, a França e a Alemanha. É uma situação inédita e muito séria. A opinião política alemã e certos meios de comunicação social vêem o desacordo como um ataque frontal do Presidente francês contra Angela Merkel e a sua possível herdeira na chefia do partido CDU/CSU, Annegret Kramp-Karrenbauer. Para além, claro de Manfred Weber, o candidato do centro-direita à chefia da Comissão Europeia.
A verdade é que Emmanuel Macron não tem sido prudente na maneira de comentar a candidatura de Manfred Weber. Nem mesmo na observação sardónica que fez sobre o Presidente do Bundesbank, o Banco Central alemão. Macron tem que ser menos arrogante em vários dos comentários que faz. A arrogância dá maus resultados políticos.
Neste caso, abriu uma crise com a Alemanha. Espero que entenda que vai ser necessário um gesto público da sua parte para a ultrapassar. A União Europeia precisa de consensos. Precisa, igualmente, de um Presidente francês que os saiba construir.
Os líderes europeus decidirão, dentro de horas, que resposta dar ao pedido de Theresa May, que solicitou um breve adiamento da data de saída do seu país da União Europeia. O pedido formal da Primeira Ministra propõe 30 de Junho como o novo prazo para o Brexit.
Reconheço, como muitos outros, que esta é uma questão profundamente complexa. Aconselho, no entanto, que não se complique ainda mais o que já está desesperadamente enrolado.
Também, para evitar novas acusações de humilhação, os líderes deveriam aceitar a proposta britânica. É verdade que a Primeira Ministra está numa situação de grande fraqueza política. Não aceitar o seu pedido aumentará a sua fragilidade.
Uma extensão longa – que tem muitas hipóteses de ser a resposta que a noite irá dar –, e flexível, não me parece ser a mais acertada. Multiplica de modo significativo os riscos de instabilidade, do lado da UE. Só deveria ser aceite se do lado britânico houvesse abertura para um novo referendo.
Ontem à noite surpreendi alguns, quando, depois do novo chumbo em Westminster do projecto de acordo de Brexit, falei da possibilidade de uma terceira volta. Ou seja, do regresso ao Parlamento do projecto, depois de mais um ou dois retoques cosméticos, para uma votação final, uma possível aprovação, nesse momento.
A verdade é que estamos a percorrer paisagens políticas inéditas, nunca dantes exploradas. Assim, pode-se imaginar tudo, todo o tipo de opções políticas, pensar no inimaginável. Não por diversão ou para dizer algo diferente do que outros dizem. Sim, porque é no interesse de todos encontrar uma solução a um processo particularmente complexo. Um processo em que o habitual deixou de fazer sentido.
Hoje à noite, perante o resultado que se viu no parlamento britânico, queria lembrar o velho ditado que não há duas sem três. Ou seja, tendo presente a tenacidade de Theresa May e o facto que, de um lado e do outro, em Bruxelas e em Londres, se pensa que é fundamental que haja uma saída ordenada, é muito possível que o que foi chumbado hoje pela segunda vez volte ao Parlamento de Westminster. E que, depois de um novo retoque, acabe por ser aprovado.