As eleições legislativas decorreram ontem. Na França. Hoje, os dirigentes dos diversos partidos que concorreram contra o partido do presidente Emmanuel Macron só mostraram uma preocupação: uma oposição absoluta contra o governo do presidente. Ninguém procurou explicar como poderia contribuir para tornar a França melhor e mais moderna. Todos quiseram sublinhar que o seu objectivo era o de tornar a governação de Macron impossível. Isto revela um misto de imaturidade política com uma fortíssima personalização da vida política francesa. A hostilidade contra Macron conta muito mais do que a procura de compromissos nacionais.
É contra Macron, por este estar no poder. Mas também existem segmentos da população que têm uma enorme antipatia contra Jean-Luc Mélenchon. Para já não falar de Marine Le Pen. A fragmentação política ocorre à volta de ódios contra certas personalidades, por razões justificadas ou por oposição a posições extremas.
Quando se trata das eleições legislativas, o sistema francês está muito personalizado. Em cada circunscrição, ganha o candidato que, ao passar à segunda volta – se não tiver mais de 50% na primeira e se a taxa de abstenção nessa circunscrição não for muito elevada – fica à frente. Por isso, a personalidade, a experiência e a credibilidade do candidato contam de sobremaneira. Mas não totalmente. Os eleitores também têm em conta a etiqueta política do candidato. Por exemplo, um eleitor da extrema-direita votará, salvo raras excepções, pelo candidato que o partido de Marine Le Pen apresentar.
Desta vez, Jean-Luc Mélenchon conseguiu introduzir um factor novo no processo. Fez campanha para que a eleição fosse vista como uma disputa entre ele e Emmanuel Macron. Ou seja, deu uma dimensão nacional a uma eleição que era normalmente influenciada pelas candidaturas locais. Votar por qualquer candidato da sua coligação representaria dizer não a Macron. Apostava assim em duas linhas políticas: na necessidade de estabelecer um contrapeso, para evitar o poder absoluto do presidente; na impopularidade – aversão, diria mesmo – de Macron junto de determinados sectores da população. A isso juntava uma série de propostas populistas, como por exemplo a reforma aos 60 anos e um salário mínimo aumentado para 1500 euros, ou seja, mais 200 euros do que o valor actual.
A primeira volta das legislativas francesas mostrou, sobretudo, que uma boa parte dos cidadãos prefere não votar. A taxa de abstenção foi equivalente à registada em 2017: 51,3% dos inscritos não compareceram. Um desinteresse assim levanta muitas questões fundamentais. Esse é certamente um dos grandes debates políticos que continua por fazer e uma questão que precisa de ser tratada de modo muito sério.
A segunda volta terá lugar no próximo domingo. Mas fica claro desde já que haverá uma larga maioria presidencial. O que não é certo é que seja uma maioria absoluta. Ainda o poderá ser, mas não são favas contadas.
Também ficou claro que Jean-Luc Mélenchon conseguiu um bom resultado. Está muito longe de poder realizar a sua ambição – ser nomeado primeiro-ministro – mas terá uma representação importante, embora não determinante, na Assembleia Nacional. Falta agora saber quantos serão os deputados do seu partido e quantos serão os que representarão as outras partes constituintes da sua coligação eleitoral: ecologistas, socialistas e comunistas.
O partido de Marine Le Pen teve um bom número de votantes – 19% –, mas terá um grupo parlamentar relativamente pequeno.
O centro-direita teve menos votos – 11,4% – mas mais bem repartidos. Terá cerca de três vezes mais deputados do que Le Pen.
Apesar do resultado obtido por Marine Le Pen ser próximo dos 42% dos votos expressos, seria um erro dizer que que cada um desses votos é da extrema-direita. Uma parte dos que votaram a seu favor fê-lo para marcar a sua oposição a Emmanuel Macron. Uns, por causa do estilo do presidente, outros por não apoiarem a sua proposta de aumentar a idade da reforma para os 65 anos, outros ainda por verem em Macron um defensor da globalização e assim sucessivamente. O voto em Le Pen foi a maneira de mostrar o seu desagrado.
Uma análise dos resultados da primeira volta permite uma conclusão mais acertada sobre o peso da extrema-direita. Somando os resultados obtidos pelos candidatos dessa área, temos 32,53% dos franceses a votar radicalmente à direita. Esse valor é preocupante. Quando um em cada três cidadãos vota dessa maneira, algo está errado nessa nação. É isso que precisa de ser entendido. A começar pelo facto de que uma boa parte desses votantes pertencem ao operariado e às classes com menores rendimentos. Outrora, muitos deles votavam pelos comunistas e pelos socialistas. Mas esses partidos tradicionais desapareceram do leque político nacional. E o partido de Le Pen, que é uma salganhada ideológica, oferece um ponto de ancoragem política a essas pessoas.
Emmanuel Macron não vai ter uma tarefa fácil. O conjunto dos votantes antissistema, todos os extremismos confundidos, representam cerca de 56% da população. É muita gente. E para além de Marine Le Pen, Macron terá de se haver com Jean-Luc Mélenchon, um demagogo da extrema-esquerda. Mélenchon está a preparar uma campanha eleitoral para as legislativas de junho que poderá ter um sucesso relativo importante. A principal tarefa de Macron, até junho, será a de criar um espaço de convergência ao centro, de modo a diminuir as votações em Le Pen e Mélenchon. Não será fácil.