Este é o link para o texto que ontem publiquei no Diário de Notícias. É o último texto antes das férias. O próximo deverá ser publicado na edição de 1 de Setembro.
Cito, como é hábito, umas linhas da minha crónica: "Falando da Rússia, Vladimir Putin deve ter aprendido durante a reunião de S. Petersburgo que não é boa política amparar quem organiza golpes de Estado em África. A maioria dos dirigentes africanos não vê com bons olhos os golpistas. A Rússia, ao respaldar os jovens golpistas do Mali e do Burkina Faso, como já havia apoiado o golpe em Conakry em 2021, está a criar anticorpos nos outros países africanos. Putin parece ter percebido essa verdade: no Conselho de Segurança da ONU condenou de modo unânime o golpe no Níger. Mas essa compreensão é insuficiente enquanto continuar a ajuda russa a outros golpistas."
Ao longo da minha vida profissional, tive muitos colegas provenientes, nacionais, do Burkina Faso. Eram, em geral, gente de muito nível intelectual, a maioria de cultura cristã, mas muitos de formação islâmica. Não havia discriminação entre eles, o que reflectia a dimensão multicultural e tolerante do povo burquinabê.
O assassinato do Presidente Thomas Sankara, um pan-africanista muito respeitado, em Outubro de 1987, dividiu a população e iniciou um período de mão-de-ferro, dirigido pelo ajudante directo de Sankara e instigador da sua morte, Blaise Compaoré. Conheci pessoalmente Compaoré, que esteve à frente do Burkina Faso entre 1987 e 2014. Era um militar de poucas palavras, mas duro e ambicioso.
Também conheci Ousséni Compaoré, que era o comandante-geral da Gendarmerie e um fiel de Sankara. Teve de fugir quando o outro Compaoré organizou o golpe de Estado de 1987. Foi, então, recrutado pelas Nações Unidas, para trabalhar no Alto Comissariado para os Refugiados. Mais tarde, durante dois anos, exerceu as funções de Chefe de Estado-Maior do meu gabinete no Chade e na RCA. Recentemente, antes dos golpes actuais, foi ministro da Segurança Interna.
Também trabalhei com muitos outros, incluindo o principal líder da oposição, Zéphirin Diabré.
Todos ignoraram certas dinâmicas da sociedade burquinabê. A grande massa de jovens que vivem na capital e noutros centro urbanos e que não conseguem encontrar um modo de vida estável, digno e razoável. O impacto da desertificação sobre os conflitos entre grupos comunitários nas zonas rurais, áridas e incapazes de sustentar as populações agrícolas e pastorícias. O enfraquecimento contínuo e acelerado dos serviços públicos fora dos grandes centros urbanos, incluindo os serviços de segurança e de educação. A radicalização dos marginalizados, que passaram a ver no islamismo militante uma justificação moral para uma vida de banditismo.
E assim sucessivamente, num país sem recursos naturais, mas com uma população empreendedora.
Ou seja, o Burkina Faso é um caso de estudo, que pode ajudar a compreender o que se passa no Sahel.
E este ano já vai no segundo golpe militar. O primeiro foi ao nível dos tenentes-coronéis. Agora, foram os capitães. Entretanto, a segurança interna é cada vez mais incerta. Pelo menos 40% do território nacional é absolutamente inseguro.
Agora, foi no Burkina Faso. O golpe de Estado foi anunciado ao fim da tarde, depois de um fim de semana confuso. O país segue assim o exemplo de outros na região: o Mali, a Guiné-Conakry e no Chade, embora neste último caso a tomada do poder pelos militares tenha sido executada de modo mais discreto. O resultado é, no entanto, o mesmo.
As forças armadas dos países do Sahel têm sofrido enormes baixas, por causa da expansão do terrorismo na região. Têm revelado não estar preparadas, apesar dos programas de treino que a UE tem em curso, para combater o jihadismo. Queixam-se dos políticos dos seus países. Mas uma parte do problema reside no interior dessas forças armadas: há demasiada corrupção, a qual desvia meios que deveriam ser utilizados para os combates e que enriquecem alguns dos oficiais superiores. Os militares que estão na linha da frente nem sempre têm os meios necessários para enfrentar eficazmente os terroristas.
Também não têm a preparação adequada para a luta contra o terrorismo. Falta-lhes treino na área da ligação com as populações civis, não dispõem de serviços de informações (inteligência) eficazes, tratam mal os povos nómadas que se dedicam à pastorícia, e assim sucessivamente.
O Burkina Faso é um país muito pobre, situado numa zona árida, onde a sobrevivência diária é constantemente contrariada pela natureza e pela insegurança. Mas tem um conjunto de quadros de alto valor e uma população que sempre tem mostrado uma grande tolerância. É verdadeiramente penoso ver o país em desagregação, cada vez mais inseguro, e mais pobre.
O link acima leva-nos para o meu texto de hoje no Diário de Notícias.
O texto é uma reflexão, diferente do que tem sido publicado, sobre a situação de terror e caos na província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique. Tem despertado muita atenção em vários círculos.
Passo a citar o último parágrafo dessa minha crónica.
" O ponto fundamental, para além da limpeza de Palma, da ajuda humanitária e da assistência técnico-militar a Moçambique, é tentar compreender as raízes e a dinâmica desta ofensiva terrorista. Minimizar, ignorar as realidades da exclusão social ou insistir em explicações estereotipadas – incluindo as que se referem a pretensas ligações ao chamado Estado Islâmico – seria um erro. Estamos perante uma insurreição capaz de servir certos interesses e fácil de promover. São combatentes que sabem sobreviver com pouco, sem necessidade de uma logística elaborada. As armas provêm das deserções, das emboscadas anteriores, agora do ataque a Palma, e dos mercados ilegais de material militar existentes na África Oriental e Central. Não querem ocupar terreno, mas sim abater os representantes do poder e gerar a insegurança nas áreas com interesse económico, mas com fraca presença do Estado. Por isso, são indivíduos altamente perigosos. Precisam de ser levados a sério, mas sem simplismos."