Lula da Silva não tem a sofisticação necessária para ser um mediador num conflito tão complexo como aquele que foi criado pela invasão russa da Ucrânia. Lula tem uma visão simplista das relações internacionais. Por outro lado, está ideologicamente muito alinhado com a Rússia e a China. Assim, não pode ser conhecido como um mediador independente. Estas são duas enormes dificuldades que impedem o seu desempenho na resolução do problema criado pela Rússia.
A visita da Lavrov a Brasília complicou ainda mais as ambições do Presidente Lula. Lavrov veio colocar o Brasil no mesmo patamar em que se encontram outras ditaduras latino-americanas: a Venezuela, a Nicarágua e Cuba. Demonstrou também que a Rússia não tem aliados na América Latina, para além dos Estados antidemocráticos e marginais que o ministro agora visitou.
Nas declarações públicas efectuadas por Lavrov ficou claro que a Rússia quer pôr um ponto final à sua violação da lei internacional, mas que para isso exige tirar benefícios da sua expedição militar contra a Ucrânia, guardando para si as quatro províncias que reivindica no leste da Ucrânia, e que seriam acrescentadas à ocupação que fez na Crimeia em 2014. Isto quer dizer que a agressão que iniciaram em fevereiro do ano passado se saldaria com ganhos para a Rússia. Uma situação dessas é inaceitável e viola claramente o princípio da soberania nacional da Ucrânia.
É verdade que tudo pode acontecer nos próximos meses, tendo presente o impasse em que ambos os países, o agressor e o agredido, se encontram. Mas o impasse não pode de modo algum justificar, em 2023, a conquista de territórios vizinhos pela força.
Este é o link para o meu texto de hoje na edição impressa do Diário de Notícias.
Cito de seguida um parágrafo do texto.
"Aguardo o discurso de 21 de fevereiro com preocupação. Sobretudo se vier a ser um aprofundamento do que Putin disse em Volgogrado, há duas semanas, no octogésimo aniversário da Batalha de Estalinegrado. Ou seja, se Putin continuar na linha narrativa falsa de que existe agora a possibilidade de uma ameaça existencial contra a Rússia, que se manifestaria, segundo disse em Volgogrado, na transferência para a Ucrânia de armas mais potentes e certeiras. Essa ameaça existencial é uma invenção. O papel dos invasores nazis em território estrangeiro é desempenhado hoje pela Rússia na Ucrânia."
Sergei Lavrov, o feroz ministro dos Negócios Estrangeiros de Vladimir Putin, veio hoje confirmar aquilo que já se percebia: a agressão tem objectivos que mudam com os tempos, mas no essencial, trata-se de um projecto de conquista militar para anexar à Rússia o máximo possível de territórios ucranianos. É um claro voltar aos tempos antigos, em que os países se atacavam uns aos outros com objectivos territoriais e de domínio de mais populações. Ou seja, é uma violação descarada e inaceitável da ordem internacional que tem estado em vigor desde 1945. Com a agravante do Estado violador ser um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Teve lugar em Beijing, na quinta-feira e ontem, a cimeira de 2022 dos BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Curiosamente, uma das promessas inscritas na declaração final é sobre o respeito pela lei internacional. A Rússia é certamente um país que não tem qualquer problema em afirmar a sua adesão a esse princípio. Tem, no entanto, sérios problemas quando se trata de o respeitar.
A nova matreirice dos amigos de Vladimir Putin passa por mostrar simpatia pela causa ucraniana para depois aconselharem o líder desse país a aceitar as exigências vindas de Moscovo. Acrescentam que assim se evitaria a continuação da destruição da Ucrânia e se poupariam milhares de vidas. Ou seja, vêem na rendição a resposta correcta, uma resposta que serviria perfeitamente os objectivos do Kremlin.
Temos de dizer que não a quem fala assim. E lembrar-lhes que a única solução aceitável deve passar pelo fim da invasão e pelo respeito da soberania nacional da Ucrânia. O resto é ilegal e crimes de guerra. E essas coisas não podem ser recompensadas nem levar a uma alteração da ordem política internacional.
Por razões técnicas de ligação, o meu comentário deste fim de tarde na CNN Portugal ficou por fazer. Teria falado das imagens chocantes que foram filmadas em Bucha, localidade cerca de Kyiv. Tudo parece indicar que centenas de civis foram vítimas de crimes de guerra, perpetrados por militares russos, antes da sua retirada. Trata-se de matéria muito grave.
Infelizmente, o comentador que apareceu no programa – um docente do ISCSP da Universidade de Lisboa e antigo funcionário superior do SIED – foi no mínimo ambíguo e superficial em relação à evidência dos crimes cometidos. Tentou ligar o odioso a acções de propaganda. Estas ambiguidades só servem para disfarçar a admiração que estes tipos de pessoas têm por Putin. Como não houve discussão, perdeu-se a oportunidade de pôr os pontos nos is.
Mas ficaram-me duas questões: primeiro, qual a qualidade das aulas que esta gente dá nas universidades onde leccionam? Segundo, será o SIED – o chamado serviço de informações relacionadas com o estrangeiro – um viveiro de pró-putinistas? É que este professor é mais um caso ligado ao SIED. Provavelmente a resposta é negativa, que não se trata de um viveiro. Mas os serviços secretos de países aliados também poderão ter este tipo de interrogações.
Voltando à minha intervenção falhada, teria igualmente falado do que se tem seguido à cimeira de sexta-feira entre a União Europeia e a China. Um pós-cimeira muito interessante, sobre o qual vale a pena reflectir. Há muito em jogo, de um lado e do outro.
Alguns dos nossos intelectuais andam algo confusos, nomeadamente quando se trata da guerra na Ucrânia. Queixam-se, por exemplo, da comunicação social e dos meios políticos, que estariam empenhados na perseguição dos que não seguem o que designam por “uma cartilha do pensamento único”. Pretendem, mesmo, que existe por aí um ataque contra “a faculdade de pensar”. Deve ser um ataque muito sub-reptício, pois as televisões e os jornais estão cheios de opiniões de todo o tipo e das teorias mais tolas e enviesadas, incluindo algumas das suas.
Essa manifesta confusão leva-os a tentar explicar o inaceitável, a todo o custo e com pretensas abordagens geopolíticas e históricas, que foram desenvolvidas durante a Guerra Fria e estão hoje em boa parte obsoletas. E o inaceitável é a violação das normas internacionais pelo regime antidemocrático e agressor que Vladimir Putin personifica. E esquecem também os crimes de guerra e contra a humanidade que as tropas de Putin levam diariamente a cabo, conforme a Amnistia Internacional nos lembrou esta semana. Crimes que já estão a ser objeto de investigação por parte do Tribunal Penal Internacional de Haia, bem como documentados pelo Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, com base numa resolução dos Estados-membros, aprovada a 4 de março.
Esses intelectuais acrescentam ao seu desalinho ideológico várias investidas contra instituições intergovernamentais a que Portugal pertence e que são fundamentais para garantir a nossa defesa, segurança e prosperidade. Ao procederem assim parecem não entender a gravidade da crise em que a nossa parte da Europa se encontra, face ao revanchismo de Putin e à sua agressão contra o povo da Ucrânia, incluindo contra os ucranianos russófonos.
Quero acreditar que o alinhamento político com o adversário faz parte de uma atitude visceral de oposição à ordem vigente e ao senso comum, uma filosofia da contrariedade de bom tom, própria de quem se julga mais esperto do que os demais. Num momento como o de agora, poderá haver quem veja nesse posicionamento algo próximo da traição aos interesses nacionais. Penso ser exagerado caracterizar essa gente desse modo, porque não estamos numa guerra aberta contra nenhum Estado e, por isso, não é apropriado falar de traição.
Para entender a Europa de defesa de agora, seria bom lembrar que os países do antigo espaço de influência soviética, que aderiram à NATO no final dos anos 90 e já neste século, poderiam ter soberanamente optado por uma aliança com a Rússia. Moscovo havia criado uma estrutura militar paralela à NATO, em 1992, atualmente conhecida pelas iniciais CSTO – Organização do Tratado de Segurança Coletiva. Ora, na parte europeia, apenas a Bielorrússia e a Arménia fizeram essa opção. A esses Estados e à Rússia, juntaram-se apenas três países da Ásia Central, antigas repúblicas soviéticas: o Cazaquistão, o Quirguistão e o Tajiquistão. Os outros países, e são vários, ou ficaram de fora ou preferiram a Aliança Atlântica. O chamado alargamento da NATO foi, na realidade, o resultado de uma série de decisões nacionais soberanas. Por muito mediático que seja, que autoridade tem um pensador português para dizer aos povos polaco, letão, romeno ou qualquer outro, que não deveriam ter feito a escolha que fizeram? A mesma pergunta pode ser dirigida a Vladimir Putin.
À teoria das zonas estratégicas de influência, uma construção analítica que data do início dos anos 60 do século passado, mas que teve a sua origem nas movimentações coloniais e imperialistas do século XIX e que foi consolidada na Conferência de Yalta, em 1945, as Nações Unidas propõem uma nova visão. Uma alternativa que tem como fundamento o respeito dos direitos humanos e das normas universais, a resolução pacífica dos conflitos e a cooperação internacional. Isto poderá soar a idealismo e irrealismo geopolítico, sobretudo quando se tem presente a maneira de agir de Putin ou a competição estratégica entre os EUA e a China. Mas esse sim, deverá ser o estandarte dos intelectuais progressistas e de todas as pessoas razoáveis.
As reuniões entre as partes são importantes. Mesmo sem progresso visível. A dada altura pode sair de um desses encontros uma via que leve, pelo menos, ao cessar-fogo. Também é significativo que esteja prevista uma sessão entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de ambas as partes, na quinta-feira, na Turquia.
Alguém me perguntava, hoje, na Antena 1, o que penso da posição “extremada” de cada um dos lados. Respondi, esclarecendo que apenas um lado tem exigências irrealistas e extremas: o lado russo. Querem que os ucranianos reconheçam a ocupação da Crimeia, as “repúblicas separatistas” do Donbass, com uma configuração territorial três vezes superior à actual, que a Ucrânia não tenha forças de defesa e que se comprometa a não aderir à NATO. De todas estas, apenas a última me parece negociável, o que não quer dizer inteiramente aceitável. As outras são pura e simplesmente um pretexto para continuar a agressão.
Como aqui escrevi ontem, nesta fase é fundamental dar a prioridade à questão da protecção dos civis e ao apoio humanitário.
Mas também é essencial continuar a ajudar as forças armadas ucranianas com armamento e outros meios logísticos. A Ucrânia está num processo de legítima defesa. Precisa de assistência. Todavia, esta deve ser feita de modo mais discreto. Há muita televisão e muitos comunicados sobre essa ajuda. Não pode continuar assim. Ontem, uma das televisões europeias mostrava com toda a clareza e ingenuidade uma base militar polaca, com o nome do local e tudo. Não está certo. Nestas coisas, o secreto é alma do negócio.
O Presidente turco mandou bombardear um campo de refugiados curdos localizado bem no interior do Iraque. Estes curdos fugiram de perseguições na Turquia, tendo encontrado protecção no país vizinho, com o apoio de várias agências humanitárias e da ONU. Ao ordenar o ataque de hoje, Erdogan violou aspectos importantes da lei internacional e cometeu vários crimes, incluindo o crime gravíssimo de matar e ferir refugiados instalados num campo reconhecido pela comunidade internacional. A NATO não pode ter um membro assim.
Do outro lado do mundo, nos EUA, o ex-presidente Donald Trump falará daqui a pouco aos militantes do Partido Republicano. Espera-se todo um chorrilho de mentiras e de falsas acusações. Entretanto, o partido está mais louco do que nunca. Completamente dominado pelas fantasias de Trump, fez circular uma nova teoria conspirativa: durante a eleição de Novembro, os italianos enviaram drones que iam transformando cada voto por Trump num voto para Biden. É mais uma invenção extravagante, mas a verdade é que muitos eleitores republicanos acreditam nestas idiotices. O partido está num estado absolutamente lamentável. E Trump aproveita-se disso.
Mais ao sul, no martirizado Burkina Faso, aconteceu um novo extermínio de civis indefesos. A sua aldeia foi atacada por terroristas durante a noite passada. Ainda não se sabe exactamente quantas pessoas foram mortas, mas o número é superior a 135. Este ataque lembra-nos o drama que certas populações do Sahel estão a viver. Também nos diz que a insegurança continua a crescer. Com ela, vem mais miséria, deslocamentos de população, mais sofrimento.
Entretanto, decorreu a reunião dos ministros das finanças do G7. Houve acordo quanto à urgência de fazer pagar impostos às grandes corporações mundiais. É um passo em frente. Mas há que tornar a decisão efectiva. E isso irá demorar.