A eleição do ministro das Finanças da Irlanda, Paschal Donohoe, como líder do Eurogrupo e sucessor de Mário Centeno deve ser vista como uma vitória das ideias económicas e orçamentais liberais. Também representa um triunfo para os países do Norte da Europa, que defendem uma linha de menor intervenção estatal na economia e impostos mais baixos para as empresas. Donohoe é um político do centro-direita, a família política que neste momento mais pesa na União Europeia. É muito vivo e explica-se bem. Por isso e por ter o apoio dos Estados economicamente mais saudáveis, pode-se esperar que desempenhe um papel activo na presidência do Eurogrupo. Terá, no entanto, que encontrar um ponto de equilíbrio entre a sua preferência pelo liberalismo económico e as políticas mais intervencionistas preconizadas pela França, Itália e Espanha.
Expliquei a quem me telefonou hoje que não sei o que é a ordem liberal. Os intelectuais gostam muito de falar assim, mas tenho que confessar que não entendo o que querem dizer. Liberal, para mim, é uma filosofia política que aposta na iniciativa privada e numa intervenção mínima do Estado. Mas não é esse o sentido que os intelectuais, incluindo o meu amigo, lhe dão. Nas referências que lhe fazem, estão a tentar referir-se a algo que seria o oposto do despotismo. Respondo, então, que prefiro falar na ordem democrática, no respeito pelos direitos humanos e pelas normas internacionais. A meu ver, é mais claro.
Não entendo o que querem dizer certos intelectuais, quando falam da “nossa ordem liberal” e que esta estaria a ser atacada em vários países da União Europeia. Liberal é um conceito americano, para caracterizar quem é mais progressista, perante a massa conservadora, tradicionalmente Republicana.Na Europa, liberal é uma espécie de filosofia política, mal definida, mas que pretende indicar uma opção por governos menos intervenientes nas esferas económicas e sociais. Mas, fora de tudo isso, a “ordem liberal” é o quê?
Para além da resposta que possa ser dada, quero desde já acrescentar que o que me interessa é a democracia, a liberdade de opinião, o respeito pelas minorias, o equilíbrio de poderes, o bom funcionamento das instituições e a existência de uma sociedade civil dinâmica e diversa. É por essas bitolas que meço a qualidade da governação em cada um dos Estados da UE.
Chamo a isso democracia participativa, por oposição à democracia de fachada. É a democracia participativa que está sob ameaça em vários países europeus. A democracia de fachada utiliza o voto popular, manipula as eleições, infiltra a comunicação social, para garantir a perenidade de alguns dos nossos pequenos ditadores e das suas cliques de clientes.
Publico hoje na Visão on line uma reflexão sobre os sessenta anos da UE. O texto procura abordar esta questão, que é bem complexa, pela positiva. Para bater no projecto comum já por aí há gente que chegue.
No bairro de Bruxelas onde me encontro não existe uma estação de correios. A que existia fechou há alguns anos. Quando preciso de mandar uma carta registada, ou de levantar uma correspondência, dirijo-me à papelaria do meu quarteirão. Para além dos jornais, revistas, jogos de sorte, e outras coisas habituais num comércio do género, o dono da loja, que é um imigrante de origem norte-africana, presta os serviços básicos de um posto de correios. É, igualmente, o olho atento que zela pela integridade do marco postal, que se situa a meio do estabelecimento.
Dizia-me, outro dia, que a prestação deste serviço significa mais uma entrada de dinheiros, sem esquecer que quem vem levantar uma encomenda sempre pode acabar por jogar na lotaria ou ser tentado por uma capa de revista.
Os utentes habituaram-se à ideia da livraria que também é caixa de correios. Aceitaram a privatização de um serviço que parecia estar destinado a ser, para sempre, do domínio público.
Há dias fui, no entanto, surpreendido com outra privatização. Ia no comboio para Londres, quando apareceu um revisor para controlar os bilhetes. Estávamos entre Lille e Calais, ainda em França. Para minha surpresa, notei que o homem não era funcionário dos caminhos-de-ferro. Era agente de segurança, vigilante, assim se diz, empregado por uma multinacional conhecida na área da segurança. Aparentemente, a tarefa de controlo das passagens tinha sido privatizada e adjudicada a uma empresa de segurança.
Fiquei a pensar que qualquer dia apenas o trem será pertença dos caminhos-de-ferro. O resto será por subcontratação.