O Partido Conservador britânico agiu com uma rapidez fulminante. Não precisou de muito tempo para compreender que Liz Truss não tinha condições para desempenhar as funções de primeira-ministra. E que se continuasse no poder levaria o partido à ruína eleitoral e o país ao caos económico. Mas o mais importante era não a deixar continuar a desacreditar o partido. Se assim continuasse, a maioria dos deputados conservadores estaria no desemprego, depois das próximas eleições.
Mesmo assim, e apesar de haverem forçado Truss a pedir a demissão, a imagem dos conservadores junto do eleitorado anda pelas ruas da amargura. Mas o sistema permite-lhes continuar no poder durante mais dois anos, se conseguirem encontrar um substituto credível, alguém que consiga dirigir o governo com um mínimo de competência e juízo. Quem será essa personalidade?
Terá de ser alguém com assento no Parlamento de Westminster. Curiosamente, há quem fale de um possível regresso de Boris Johnson. Se isso acontecesse seria mais um prego no caixão do ridículo em que o partido se encontra. Não creio que a loucura e a excentricidade dos deputados conservadores vão tão longe. No entanto, nestes tempos tão estranhos que vivemos, todas as loucuras são possíveis. Os políticos só andam preocupados com uma coisa: salvar a pele.
Todos sabiam que Liz Truss não tinha as qualidades necessárias para desempenhar as funções de primeiro-ministro. Mas os membros do Partido Conservador votaram nela para não votar num candidato de pele escura, de origem indiana, ou seja, num britânico tolerado, mas não inteiramente aceite. Assim pensa um conservador britânico tradicional. Perante isto, o caos actual em que se encontra o governo de Sua Majestade é partilhado: uma parte resulta da incompetência de Truss, a outra da xenofobia discreta dos mais conservadores entre os conservadores. É uma crise mais profunda, por isso, do que possa parecer. E lembra-nos que esse tipo de xenofobia e sentido de superioridade foi o que levou uma maioria dos britânicos a votar pelo Brexit. Por isso, pensar que a crise em curso poderá abrir a possibilidade de um recuo em relação ao Brexit é um engano. A ideia, a convicção que eles são melhores do que os outros europeus continua entranhada na cabeça de muitos. Incluindo na cabeça de muitos cidadãos descendentes da imigração asiática, da Índia e do Paquistão.
O Reino Unido muda amanhã de primeiro-ministro. É um processo muito peculiar. Os membros do partido maioritário no parlamento de Westminster escolhem um novo líder e a Rainha nomeia o resultado dessa escolha como primeiro-ministro. E não há contestação. O que nos faz lembrar que em política é a legitimidade da liderança que conta. Se o processo de substituição do primeiro-ministro é aceite como legítimo pelos diferentes partidos e os cidadãos, não há mais nada a dizer. É assim.
A democracia tem vários formatos. Mas a característica mais importante da democracia é, na verdade, a livre aceitação por parte dos cidadãos do sistema em vigor. Por isso, não me parece judicioso criticar as práticas democráticas de outras sociedades, só porque não coincidem com a nossa própria visão do que deve ser uma democracia. Diria mesmo, se um povo decidir que só podem ser candidatos à presidência da República quem tenha passado por um exame, pouco rigoroso, claro, de tolice e superficialidade, quem somos nós para contestar a legitimidade política e democrática do tolo que venha a ocupar o lugar?