Mário Soares repete a mesma lengalenga cada terça-feira que passa. Os seus escritos no Diário de Notícias empobrecem o debate político e diminuem a estatura do grande homem político que ele foi. São uma tristeza.
Aqui, como em muitas outras áreas de trabalho e de intervenção social, é preciso saber quando chegou o momento de arrumar as ferramentas. Nalguns casos, como bem poderia ter sido o de Soares, o avanço da idade é, acima de tudo, uma oportunidade para uma viragem. Sai-se da luta do quotidiano e batalha-se pelas grandes causas e pelas ideias generosas.
Esse, sim, é um fim de vida nobre e digno, à altura dos grandes deste mundo.
Em Portugal, o Partido Socialista sai enfraquecido das eleições europeias, apesar de ter sido o mais votado. A vitória é de facto por uma diferença demasiado pequena.
E agora, com o anúncio público feito por António Costa, sem ter avisado previamente o Secretário-geral do seu partido, o que mostra a natureza do homem político que ele é, de que estaria pronto para ser o novo líder dos socialistas, abre-se uma crise profunda.
Mas a vida política é assim. Não há amizades, não há delicadezas, só há interesses.
Seguro tem, por muito que não queira acreditar, os dias contados. Refugiar-se nos estatutos não é solução. Precisa, rapidamente, de convencer os principais barões do seu partido que ainda tem algo para oferecer.
Ora, depois dos resultados de domingo e das facas que os seus opositores estão a desembainhar, depois de terem passado meses a afiá-las, do golpe mortal que Mário Soares lhe deu hoje no seu texto semanal de fel e raiva, pouco resta a Seguro.
Em democracia, mesmo num país descontente como Portugal, não se pode admitir que uma personalidade política de monta utilize o espaço que um diário de prestígio nacional lhe concede para fazer apelos à sedição. Isso é um crime e deve ser tratado como tal.
Na sua coluna desta semana no Diário de Notícias, Mário Soares passa uma parte do seu escrito a incitar os militares à rebelião contra o poder político que está no governo neste momento. Termina mesmo dizendo o seguinte, num apelo claro à sublevação dos militares contra o ministro da Defesa:
“Quanto tempo mais vão tolerar as Forças Armadas, as quais só têm sido por ele humilhadas?”
Para além do carácter torcido da frase, é preciso que fique claro que, em democracia e na UE, este tipo de posições públicas, assumidas por uma personalidade política influente, é inaceitável. Por mais incompetente que seja o poder político, um apelo destes está fora das regras de um Estado de direito.
Está em curso uma nova vaga de ataques à liderança de António José Seguro. Quem deu o sinal da abertura da caça foi Mário Soares, com a referência envenenada à percentagem de 90% de intenções de voto, que seria o patamar de apoio do eleitorado, caso a direcção do PS fosse mais dinâmica. Desde então, têm surgido várias declarações públicas, a favor e contra. Mostram, sobretudo, que temos um PS com vários centros de comando e interesses divergentes.
Perante isto, que deve fazer Seguro? Continuar a falar por interpostas pessoas, incluindo Vitorino e Correia de Campos, que escreve um artigo no Público de hoje que vale a pena ler?
Acho que não. As opiniões de gente conhecida que o apoia são importantes e devem continuar a ser expressas. Mas ele, enquanto Secretário-geral do partido, tem que vir à arena. Tem que pôr os pontos nos is e denunciar o jogo de quem está a minar a autoridade da liderança.
Um verdadeiro líder faria assim.
Fingir que não vê e que não é nada com ele não é sustentável. A prazo, esse tipo de postura acabará por lhe custar o lugar que ocupa.
Vejo o encontro que Mário Soares organizou ontem em Lisboa como um exercício do direito à indignação, perante a situação política actual. Teve o mérito de reunir personalidades de vários matizes políticos, que partilham um ponto de vista: a oposição às medidas orçamentais que estão a ser aplicadas pelo governo, com o apoio dos principais credores externos do nosso país. Foi igualmente um momento de reconhecimento em relação a Mário Soares, quer em relação ao conjunto da sua vida política quer ainda ao facto de que, com a idade que tem, continua a batalhar pelas causas que lhe parecem justas.
Dizem-me que as intervenções foram vagas, mais retórica do que substância, mais emoção do que propostas concretas. E que os partidos políticos viram a coisa como uma espécie de grande missa, a que seria mal visto faltar, mas sem qualquer tipo de consequências práticas.
Talvez. Mas, para mim, foi um acto de cidadania. Certamente muito preferível, diga-se claramente, às greves políticas que põem à prova o que resta da economia.
Se eu fosse o Presidente da república de um Portugal a sério não admitiria que membros do Conselho de Estado tivessem loja aberta como comentadores políticos avençados nas televisões e nos jornais. Veria nisso uma contradição inaceitável entre o estatuto de Conselheiro e o de caceteiro político.
Basta percorrer a lista dos Conselheiros actuais e ver quantos são comentadores políticos para se perceber que as instituições da República não são levadas a sério em Portugal.
O leitor amigo MG, autor do blog Nação Valente, comentou o meu texto de ontem. A escrita em que eu criticava os que andam a bater no peito e a gabar-se de que o nosso pacote é mais suave do que o dos outros. Pergunta MG se o oportunismo político de quem se vangloria de uma coisa dessas não será útil para os Irlandeses. E se o for, tanto melhor. Terá sido justificado.
É uma pergunta com alguma razão de ser.
Mas creio que há mais.
Para começar, não é certo que o nosso pacote seja mais suave. Quem o diz está, na minha opinião, a lançar poeira para os olhos dos Portugueses. As medidas que vamos ter que aplicar, num espaço de tempo relativamente curto, são muitas, profundas e de grande alcance. Mexem com muita coisa. Existe um sério risco de não poderem ser levadas a cabo nos prazos previstos, o que terá como efeito colocar o nosso país numa nova onda de crise financeira e de deterioração da sua imagem internacional.
Por outro lado, são medidas diferentes das da Irlanda e mais parecidas com as da Grécia. No caso da Irlanda, as reformas estruturais não são em grande número. Há muito, no programa deles, que é de curto prazo e conjuntural. No nosso caso, trata-se de reformas que mexem com muita inércia que se foi estabelecendo ao longo de quase três décadas. Ou seja, são bem mais difíceis de levar a cabo.
Mesmo que as condições do empréstimo português fossem mais generosas, o que não é o caso, são diferentes, não seria de boa política falar muito nisso. Referir a pretensa suavidade das medidas só faz aumentar a oposição, na Finlândia, no Reino Unido e noutros Estados membros, ao programa português. Isto pode ter uma de duas consequências. Ou o pacote não é aprovado, o que seria catastrófico para Portugal, ou então, esses países mais relutantes exigem mais condições, o que seria igualmente muito mau para nós.
Nestas coisas, bater no peito como os chimpanzés gostam de fazer, é oportunismo imediato, para convencer o eleitor português. Também mostra muita falta de caco.
Ora, Portugal não precisa nem de mais oportunistas nem de chimpanzés falantes.