Ontem, na CNN, repeti que a apreciação pelo reinado e pela pessoa que foi Isabel II não faz de nós menos republicanos. Aliás, nem isso está em causa. Não se trata de defender ou atacar o regime monárquico que um outro país tenha em vigor. A questão monárquica não existe em Portugal. Não vale a pena falar e argumentar sobre um tema que não faz parte do debate político nacional. Nem entrar em explicações sobre princípios que uma monarquia não respeitaria, como o da igualdade ou do mérito. Até porque essas dimensões da igualdade e do mérito são certamente mais evidentes em países como o Reino Unido, a Bélgica ou a Dinamarca do que neste nosso canto da Europa, onde, aqui entre nós, a maior parte dos que hoje detêm algum tipo de poder são descendentes de pais e avós que já eram diplomados universitários numa altura em que quase ninguém o era. Bem vistas as coisas, o mérito e a progressão social são mais fáceis nas terras da defunta Rainha do que por aqui. Não se tem falado ou escrito muito sobre a perpetuação das nossas classes sociais, mas ela existe. É aí que deveria estar centrado o debate, e não sobre a forma monárquica de poder que não interessa a ninguém, com excepção de meia dúzia de excêntricos.
Por aqui, a demagogia e a asneira gostam muito de passear juntas. Desta vez, o motivo tem que ver com as condecorações atribuídas pela Presidência da República, no quadro das ordens nacionais. Alguma comunicação social e certos utilizadores das plataformas cibernéticas têm escrito trinta por uma linha sobre essas comendas e mesmo proposto que fossem abolidas.
A verdade é que todos os países atribuem condecorações a cidadãos que, por um motivo ou outro, se tenham distinguido de modo especial. É verdade que algumas dessas distinções honoríficas têm uma forte matiz político-partidária. O exemplo mais perto de nós é o do Reino Unido, com o gabinete do Primeiro Ministro – uma casa absolutamente partidária – a escolher quem será ou não condecorado. E, mais problemático ainda, com graus em cada ordem, que podem dar direito, ou não, ao enobrecimento do beneficiado. Esse enobrecimento é importante, quer em termos de estatuto social quer ainda de acesso a certas funções no sector privado. Mas o sistema está estabelecido e é aceite como tal, porque no essencial reconhece o mérito das pessoas escolhidas.
Soube-se agora que nos últimos 45 anos foram dispensadas 9477 comendas, pelos diferentes Presidentes portugueses. Considerando que uma parte dos homenageados já deve ter falecido, teremos hoje à volta de um condecorado por cada 2000 cidadãos. Não me parece exagerado.
Também não vejo motivo de escândalo se umas trinta ou quarenta pessoas, do total dos condecorados, acabaram por ter um comportamento que não se coaduna com o reconhecimento público que lhes foi dado. Não será por aí que o gato irá às filhoses. Nem isso justifica a demagogia e a asneirada que por aí anda.