Não escrevi aqui sobre as recentes declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros, aquelas que abertamente violaram o que deve ser considerado segredo de Estado. Ou, dito de outro modo, o que qualquer um, na normalidade do seu juízo, teria reconhecido como matéria altamente confidencial, por tocar em questões ligadas ao terrorismo do ISIS, ou Estado Islâmico, e também por colocar em risco a integridade física dos visados. Não escrevi por considerar que no caso do ministro em questão não vale a pena estar a perder tempo. Já outrora falara sobre a sua falta de competência para o lugar que ocupa. Disse-o duas ou três vezes. Ninguém com autoridade ligou a essas observações. Alguns disseram mesmo que a crítica teria outras intenções. Se voltasse a escrever agora sobre a nova argolada monumental – e sancionável criminalmente, perante a lei que rege o Segredo de Estado – seria chover no molhado, voltar a frisar que o homem não sabe o que o que anda a fazer nas Necessidades. Nesta altura do ciclo político, já nem vale a pena estar a repetir o que todos sabem. Mas trato hoje do assunto para sublinhar que é um erro grave, mais um, o Primeiro-ministro não reconhecer que estas coisas têm importância. Passar por elas a fingir que não há problema é uma prova de falta de liderança. E quando a liderança falha ou não se assume, nas próximas eleições trata-se do assunto como deve ser.
O vice-presidente do PSD, que também faz de porta-voz nacional, deu hoje uma conferência de imprensa para desvalorizar as declarações de um ministro bacoco. Foi um exercício fútil. As declarações desse ministro não precisam de ser desvalorizadas: estão, logo à partida, vazias de valor.
A teoria política ensina-nos que uma grande parte dos países que passaram por um período de crise nacional profunda tem um grau de risco elevado, ou seja, muitas possibilidades de voltar a ter uma crise fracturante e violenta. Perante isto, é fundamental que os amigos de Moçambique ajudem esse país para que não caia numa situação de confronto armado entre o governo e a Renamo. O que aconteceu nos anos oitenta e no início da década de noventa foi muito grave e não deveria ter a mínima hipótese de acontecer de novo.
Portugal é um parceiro de primeira ordem de Moçambique. Tem, por isso, a responsabilidade de contribuir – discreta e diplomaticamente – para o serenar dos espíritos e para o diálogo nacional entre os líderes moçambicanos. Deve-o fazer em ligação com os outros estados da CPLP e os países vizinhos de Moçambique, neste caso, no quadro da SADC (Southern Africa Development Comunity).
É verdade que o ministro português dos Negócios Estrangeiros é um nulo e por isso, incapaz de pegar no assunto. Também é certo que a equipa política do ministério é apenas um verbo-de-encher. Mas existe no ministério e na sociedade portuguesa gente que o pode fazer, em nome do nosso país. Há aqui um papel para a sociedade civil, entre outros.
A marca de um líder a sério fica patente das escolhas que faz como lugar-tenentes. Um líder de grande valor rodeia-se de gente de qualidade e mérito. Um chefe medíocre prefere estar rodeado de imbecis. Um dirigente de carácter duvidoso acaba por se sentir bem no meio de pessoas oportunistas.
Vem tudo isto a propósito, como o leitor já adivinhou, do caso Machete.
O homem nunca deveria ter sido convidado para as funções que agora tem. Mas, enfim, estando lá, e depois de se saber o que agora se sabe, tem que ser convidado a sair. Sem demoras. É que a coisa mancha, e muito, o chefe dele. E as nódoas, apanhadas por falta de cuidado, exigem que se mude de roupa de imediato. É que o parecer e o ser, nisto da política, andam muito perto um do outro.
É óbvio que Rui Machete deixou de ter condições para ser ministro. Dizer o contrário do que é verdade – na maneira de falar dos simples mortais que o leitor e eu somos o verbo que se aplica é “mentir” – a uma Comissão de Inquérito Parlamentar constitui um crime. Foi o que obviamente praticou. Por escrito, pausadamente, intencionalmente, não num momento de sobressalto e de distracção.
Numa democracia de políticos responsáveis, Machete teria já concluído que a única saída possível seria a da porta lateral, a que dá acesso ao corredor do esquecimento. Que estas coisas e este tipo de políticos são mesmo para esquecer.
E o primeiro-ministro já teria falado com ele, para que a saída pudesse parecer como uma decisão do próprio e não como um empurrão ou um pontapé no traseiro.
Mas isto seria noutro país. Em Portugal, o homem vai tentar ficar.
E a senhora que chefia a Assembleia da Republica vai escudar-se por detrás da necessidade de um voto na Assembleia, que aprove o envio do caso de suposto crime para investigação pela Procuradoria-Geral da República. E os deputados da maioria irão votar e vetar, obedientemente, impedir que tal possa acontecer.
Depois, num Domingo à noite, o professor mestre em piruetas irá passar pela rama de tudo isto, uma vez mais a fingir que o seu amigo ministro não fez nada de muito grave. O habitual, a exímia ginástica do desviar as atenções para outros assuntos, arte em que o mestre é perito.
No dia seguinte, lá aparecerão uns jornalistas obsequiosos e atentos ao que o futuro lhes possa reservar, que terão a amabilidade de dar ênfase às palavras sábias do professor “enrola tolos” e achar-lhe piada.
Terão razão, de certa maneira. Este é um país que faz rir. Uma farsa. Para rir até chorar.
No seu comentário televisivo de hoje, Marcelo fez uma série de piruetas mais ou menos infelizes e intelectualmente desonestas, para tentar salvar a reputação do Ministro Machete. Ou seja, a amizade e a cumplicidade partidária foram mais importantes que a análise isenta.
Na verdade, o ministro aparece na fita deste novo governo apenas como um expediente de última hora, para tentar calar os velhos barões e baronesas do PSD, que Machete bem representa. É que a “velha escola” do partido estava furiosa com o peso dado ao CDS e a Portas, na nova estrutura governativa. Ao colocar um representante dos “antigos” num posto do governo de grande importância e prestígio, Passos calou o ruído que as baronias estavam a preparar.
Na verdade, contou mais o clima interno dentro do PSD que o interesse nacional. Que com Machete no MNE fica seguramente mal servido.