Começou um segundo dia de distúrbios civis na zona metropolitana de Maputo. O governo aposta numa presença maciça das forcas de segurança nas principais artérias, como meio de resolução da crise mais imediata, a da ordem pública.
Para além da intervenção de ontem ao fim da tarde do Presidente Guebuza, ninguém mais pareceu a falar em público e a tentar apaziguar os ânimos. As elites políticas, intelectuais e religiosas estão fechadas em casa, sem voz nem entendimento do seu papel numa situação social como a presente.
Como referi ontem, o país precisa de mudar de modelo de desenvolvimento. Precisa de equacionar, como muitos outros em África, a questão da urbanização rápida, que está a transferir a pobreza dos campos para as grandes cidades. Necessita, igualmente, de reflectir sobre a modernização do sector agrícola, sobretudo no que respeita à produção de bens alimentares de consumo corrente. Não se compreende que Moçambique importe o que come, do país vizinho, quando tem um potencial agrícola enorme. É altura de passar aos investimentos na agricultura comercial. Sem preconceitos ideológicos. Essa é também uma das maneiras de evitar o êxodo rural.
A situação em Maputo e na Matola, cidade satélite da capital, continua muito tensa, hoje à noite. Mesmo depois da comunicação ao país do Presidente Guebuza. Que fez, no meu entender, um discurso demasiado vago para que possa ser ouvido e entendido.
O meu receio, expresso no post precedente, de uma reacção violenta, por parte da polícia de Moçambique -- a PRM -- acabou, infelizmente, por se tornar real. A PRM mostrou, uma vez mais, que não tem preparação profissional suficiente para lidar com manifestações de massas. Disparou a matar, nalguns casos, quando outras formas de intervenção teriam sido possíveis.
Também demonstrou que a direcção da PRM está aquém dos desafios. Ter a confiança política do Presidente não é suficiente para dirigir a polícia.
Neste momento, há pelo menos dez vitimas mortais a lamentar, do lado dos manifestantes.
É preciso investir mais na formação da polícia. Preparar os quadros e os agentes para um controlo mais eficaz e sem violência desnecessária dos movimentos de massas. O governo de Maputo tem que reconhecer essa necessidade.
E Portugal, mais do que outros países que fazem cooperação com Moçambique, tem que adoptar uma atitude mais proactiva e oferecer, sem demoras, esse tipo de ajuda. Portugal tem que ser mais ousado.
Terminei agora uma longa conversa telefónica com Moçambique. A cidade de Maputo está em polvorosa, em virtude de uma greve geral contra o aumento do custo de vida. O movimento grevista é sobretudo mais pronunciado nos bairros periféricos, no caniço, como por lá se diz, e nas zonas urbanas mais perto desses bairros. A PRM (Polícia da República de Moçambique) dissera, ontem, que as manifestações não haviam seguido as formalidades de pedido de autorização. Eram, por isso ilegais. Hoje, a PRM está em força nas ruas e praças da capital e tem disparado várias vezes. Não há notícias de vítimas.
Para compreender o que se passa, teremos que ter em conta que a sociedade moçambicana é profundamente desigual. Gente muito rica vive rodeada de pessoas muito pobres. E os muito pobres são muitos. Os políticos no poder estão profundamente ligados ao sector dos negócios, de um modo pouco saudável, na maioria dos casos. Apoiam-se uns aos outros, políticos e negociantes, e vivem com requinte e luxo. Já era assim no começo dos anos 80. Agora, com a liberalização económica, é um aproveitar a olhos vistos. Quem tem poder tem randes e dólares, vive na economia internacional. ( O rand não chega às províncias, é a moeda dos ricos da capital; o dólar circula entre os que podem, no resto do país). Quem tem apenas acesso a uns poucos meticais, vive a tentar sobreviver. Mal.
Uma segunda razão liga-se ao facto de Moçambique importar da África do Sul muitos dos produtos básicos do cabaz alimentar. É incrível, mas é verdade. Batatas, cebolas, farinha de milho, tudo o que é consumido nos lares modestos das cidades, provém do outro lado da fronteira. Com o metical a flutuar em relação ao rand e com o custo de vida a subir na África do Sul, que acontece aos preços destas mercadorias, quando chegam aos mercados moçambicanos?
Tudo isto exige que se pense a sério no modelo de desenvolvimento de Moçambique.
Para já, é fundamental que a PRM se porte como uma polícia de um estado democrático.