O Presidente da República admoestou publicamente, esta manhã, a ministra da Coesão Territorial, sobre a execução do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. Fê-lo em termos arrogantes e sobre uma matéria que não é da sua competência. Se tem alguma observação a fazer sobre o assunto, e tendo presente o seu papel institucional, deve fazê-lo através do primeiro-ministro. Mas parece que tem medo de António Costa. E assim, ataca o PM através de uma ministra que não tem a possibilidade de retorquir publicamente ao Presidente.
São este tipo de actuações que mostram a fraqueza política a que se chegou. E que indicam claramente que os políticos não sabem aproveitar as funções que desempenham para tratar daquilo que lhe caberia tratar. No caso do Presidente, uma das suas funções é a discutir com o PM aquilo que pensa que não está a ir bem e perguntar ao PM como pensa resolver o assunto.
Já ontem, no encerramento do Web Summit deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa havia tratado de maneira disparatada o organizador do evento, puxando-o com toda a força contra ele, e pronunciado uma enxurrada de incoerências. Quem esteve na sessão, sobretudo os estrangeiros, deve ter achado que temos um Chefe de Estado bizarro.
No seu discurso de renúncia, Boris Johnson falou do ”efeito de rebanho”, que terá levado dezenas e dezenas dos seus colegas de governo a sair e a pedir a demissão do Primeiro-ministro. Ou seja, mesmo na altura da queda pelo precipício abaixo, o homem não teve a humildade que se impunha. Para Boris, o génio, a culpa é dos seres normais, que não têm inteligência suficiente para apreciar as imensas qualidades que Deus lhe atribuiu, certamente à nascença.
Entretanto, o nosso Presidente da República disse que “é muito difícil governar”, nos tempos que correm. Incluindo, claro, no caso português. E para se fazer entender, mencionou a guerra na Ucrânia e todas as consequências que daí resultam.
Não estou de acordo. As populações compreendem as razões da guerra e o impacto que ela tem. Não andam nas ruas, a pedir mais e melhor. Têm mostrado um grande espírito de solidariedade. E isso não gera dificuldades aos governos.
O problema está nos governos que dão uma no cravo e outra na ferradura. Que não conseguem manter a coesão entre os seus e traçar uma linha de actuação que o povo entenda e veja como sendo a mais apropriada. O problema está nos governos apaga-fogos, que andam sempre uma curva atrasada em relação aos desafios, que não sabem prever e precaver. E também reside na prática do governar sem ouvir os outros, como se o país fosse apenas do partido que está no governo.
O Presidente da República deve servir de consciência moral e patriótica da nação, dar um sentido à nossa vida colectiva. Não foi eleito para arranjar desculpas. Foi, sim, para unir os cidadãos e propor uma sociedade melhor.
O Presidente da República, apesar de ter um aconselhamento diplomático de primeira ordem, decidiu visitar um candidato às próximas eleições presidenciais brasileiras. Em qualquer parte do mundo, uma decisão desse tipo seria sempre vista como uma interferência no processo eleitoral do país visitado. E não poderia ser aceite. Provocaria um sério incidente diplomático.
Tratar de modo jocoso um assunto desses só pode mostrar superficialidade política e falta de sensibilidade diplomática. No caso de se tratar de um país que faz parte da nossa história colonial, como é o caso do Brasil, demonstra igualmente arrogância e uns restos de mentalidade do passado. É uma enorme falta de respeito pelas instituições do país visitado.
Também não pode ser considerada uma jogada política virada para o futuro, que parte do princípio de que o candidato da oposição irá ganhar as eleições. Quando isso acontecer, falar-se-á com ele, como o novo presidente. Entretanto, deve ser visto apenas como um candidato e como parte da política interna do Brasil. Política essa que não é da nossa conta.
O Presidente da República escreveu hoje um texto de opinião a que chamou “um ano de transição”.
Uma leitura atenta do texto deixa-nos a questão que o título levanta: estamos em transição para onde? Que quer dizer um ano de transição? A resposta não é clara.
Eu diria que foi sobretudo um ano de expectativas goradas. Em Portugal, na Europa e no mundo.
Em Portugal, porque se esperava ser possível lançar o plano de resiliência e de recuperação, e isso não aconteceu. Também, porque se queria estabilidade política, num período de grandes desafios económicos e sociais, e isso não aconteceu. Antes pelo contrário. Foi um ano de instabilidade governativa, em virtude das tensões que surgiram entre o partido no governo e os partidos seus apoiantes na Assembleia da República. E de instabilidade no seio de certos partidos.
Na Europa, ficaram por resolver as questões do estado direito em alguns países membros, bem como os problemas da imigração e da insegurança energética. A Europa continua a falar de soberania, sem que se perceba bem o que significa soberania na época digital e num espaço geopolítico fragmentado entre 27 nações.
Ao nível internacional, as rivalidades entre as grandes potências entraram uma fase mais complexa de confrontação. E no que respeita à pandemia, a autoridade da OMS não saiu reforçada nem a questão da desigualdade vacinal foi resolvida. Não houve transição. Houve, isso sim, egoísmo nacional a mais.
Na realidade, o texto presidencial é apenas uma fotografia vaga, um exercício de palavras que não ousa aprofundar as questões que levanta.
O único ponto que considero particularmente relevante diz respeito à transição para a pobreza durante o ano de 2021 de várias secções da nossa população. O presidente fala dos mais vulneráveis, mas não inclui na lista as famílias mono-parentais nem os jovens diplomados pelas universidades e que não conseguem sair de casa dos pais porque o seu diploma de mestrado é remunerado ao nível do salário mínimo. Ou seja, temos toda uma geração de jovens universitários, qualificados, mas incapazes de ganhar a independência económica que a vida adulta requer.
Finalmente, acho importante que o presidente faça uma referência especial à questão da saúde mental. Essa é certamente uma área que não tem recebido atenção e os recursos financeiros que seriam necessários. Mas também é preciso falar do Serviço Nacional de Saúde, das imensas dificuldades que enfrenta, do negócio que é a saúde privada, e que não deveria ser, e do esforço extraordinário que muitos profissionais de saúde, a laborar no SNS, têm demonstrado ao longo deste e do ano passado.
A Cimeira da Democracia, convocada pelo Presidente Joe Biden, teve hoje o seu primeiro dia. É cedo para tirar conclusões. Mas vendo o exemplo português – uma intervenção gravada, por isso sem corresponder a qualquer debate – posso desde já concluir que muitas das participações não serão mais do que meras declarações genéricas, a conversa do costume sobre as vantagens da democracia. Ainda no caso português, não há uma análise séria sobre o que poderá significar reforçar a democracia, sobre a crise da representatividade que mina a credibilidade dos partidos, nem sobre o que se deve entender por “reforma da democracia”. A comunicação é um mero exercício formal, desempenhado pelo Presidente da República. Vindo donde vinha, poderia ter tido mais substância.
Duas breves notas políticas, tendo em conta a actualidade que se vive. Primeira: a ironia nem sempre é entendida. Pode mesmo acabar por ser utilizada contra quem a procurou utilizar. Em coisas sérias, como por exemplo em questões de defesa, é melhor ser-se claro e chamar os bois pelos nomes. Segunda: recuar, quando se tem razão, é sinal de fraqueza. Diminui a credibilidade do líder que assim procede. E a credibilidade é um bem precioso
Ficou claro que nem o ministro da defesa nem o primeiro-ministro informaram o Presidente da República, que é o Comandante Supremo das Forças Armadas, das suspeitas existentes, desde finais de 2019, relativas a actividades criminosas de alguns membros das nossas tropas de elite destacadas na República Centro-Africana. Eu, se estivesse no lugar do Presidente, não teria achado piada a esse jogo do escondido.
Por outro lado, é estranho que a acção da Polícia Judiciária só tenha acontecido quase dois anos depois da denúncia. O problema não deve ter sido do lado da PJ.
Ponto três: fui responsável máximo de forças militares e de polícia na Serra Leoa, terra onde os diamantes abundam, e também na República Centro-Africana. Em certas aldeias onde estavam as nossas tropas, na RCA, havia mais lojas de comercialização de diamantes do que de alimentação geral. Era o caso ao longo da fronteira com o Sudão. Nunca tivemos qualquer problema relacionado com diamantes ou ouro. Os chefes militares tinham instruções especiais sobre a questão e havia, além disso, um serviço civil de informações que andava de olhos abertos e era constituído por agentes da ONU vindos de países distintos daqueles a que pertenciam as forças destacadas.
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a data das eleições, depois de ter explicado o raciocínio político que seguiu para chegar à conclusão que se justificava dissolver a Assembleia da República. Fechou, assim, dois capítulos: o referente à queda do governo e a discussão sobre a data das eleições.
Agora, cabe aos partidos prepararem-se para convencer os eleitores, aqueles que ainda podem ser convencidos. Sim, porque uma parte do eleitorado vota sistematicamente pelo seu partido, como se tratasse de uma relação de fidelidade absoluta. Mas há os outros, que votam consoante as circunstâncias e as personalidades em cena. É essa parte do eleitorado que precisa de ser ganha. Cada partido deve fazer uma análise aprofundada do eleitorado que poderá captar, para além dos fiéis. E dirigir toda a sua campanha nesse sentido. Deve, igualmente, entender claramente quais são as razões ou temas que poderão levar à perda de votos. E falar deles, responder à desconfiança ou às críticas, esclarecer.
Claro que cada partido deve ter um programa de governação. Mas o mais importante é saber dirigir-se aos potenciais eleitores, aos cidadãos que poderão potencialmente acrescentar o seu voto aos votos dos fiéis.
Este blog não promove nenhum partido. Mas não fica indiferente perante uma campanha eleitoral.
O Presidente da República teve hoje uma série mini-encontros com os partidos políticos representados na Assembleia da República. O assunto era a data das eleições legislativas antecipadas. Ouvir os partidos foi claramente uma formalidade, exigida pela Constituição, mas sem qualquer outra substância. Tratou-se de uma etapa, e nada mais.
No essencial, ficou visível que a data preferida seria 16 de Janeiro. Essa preferência tem toda a lógica. Não estraga o Natal e o Ano Novo de muitas famílias e permite começar o novo ano com alguma clareza. A não ser que não haja um resultado suficientemente claro. O povo é quem mais ordena, mas são os líderes políticos que na realidade mandam no sistema. O povo vota e os chefes interpretam a vontade popular. Cada um puxando a brasa para o seu lado.
De qualquer modo, se é para ir a votos, que se vá tão depressa quanto possível. Cabe a cada partido arrumar a casa antes, se puder. Se o não fizer, irá para a campanha numa situação de confusão e debilidade. Isto é especialmente verdade no caso do PSD. Esse partido está fragmentado e vai ter muitas dificuldades para colar os cacos a tempo.
Quanto ao CDS, não há problema. O resultado eleitoral servirá para confirmar o seu apagamento do mapa político nacional.
No seu discurso comemorativo do 5 de Outubro, o Presidente da República pronunciou, repetidamente, a palavra “inclusivo”. A mensagem sobre “um Portugal mais inclusivo” apareceu assim como uma preocupação maior. Ou seja, o Presidente reconhece que existe uma parte do país que não está a beneficiar do progresso económico e social que é visível nalgumas camadas sociais.
Dito de outra maneira, a mensagem era sobre as crescentes desigualdades que são cada vez mais visíveis. Mas onde está a intenção política e o plano para combater essas desigualdades? Essa é a grande questão que fica no ar, após as suas palavras.