Do alto dos meus muitos anos, celebrados hoje, custa-me olhar para o futuro de Portugal. Os casos – e caos, que na verdade a situação no nosso país está caótica – recentes deram umas machadas profundas na credibilidade das instituições. O impacto parece-me arrasador, embora ainda não seja possível estimar os estragos. Ficaram abalados, por muito tempo, os bancos, as empresas públicas e os seus gestores macacos e malandros, os políticos e, em certa medida, os jornalistas e os comentadores que pregam na praça da opinião pública.
É como se vivêssemos numa república de trapaceiros. Ninguém ou quase ninguém em posição de liderança merece a confiança dos cidadãos.
Exceptua-se, em certa medida, os dirigentes dos partidos e movimentos radicais. Só estes parecem andar por aí, pela política, por causa das ideias e dos sonhos. O problema é que as suas ideias não têm os pés assentes na terra nem fazem qualquer tipo de sentido num país europeu como o nosso. Estão fora das nossas alianças de interesses. Nalguns casos, são ideias inspiradas por modelos do passado, que já deram o que tinham que dar e estão a contracorrente da história.
Agora, no seio desses radicais aparece um outro, o Marinho bastonário. Traz uma cartilha que pode atrair o descontentamento e a desilusão actuais. Não é comunista, nem cheira a sovietes e maoísmos, o que o torna atractivo para certos segmentos de eleitores desiludidos mas que nunca votarão por alguém que possa ser pintado de vermelho vivo. É um personagem que dá corpo ao sentimento negativo, demolidor dos políticos e dos partidos. Por tudo isso, acabará por fazer mossa. Sobretudo ao nível do Partido Socialista. O que significa que certos grupos terão muito empenho na sua promoção nos meios de comunicação social.
Alguém me dizia hoje que não compraria um carro em segunda mão a nenhum dos nomes anunciados até agora por Marinho Pinto como fazendo parte das personalidades que já aderiram ao seu novo partido. Como primeira pedra para a mudança, a coisa começa bem…
Em Portugal, os resultados das eleições europeias revelaram que é impossível, para já, fazer projecções prudentes sobre o que poderá acontecer dentro de um ano, quando as legislativas tiverem lugar.
A aliança que está no governo resistiu melhor do que se esperava. Digo isto tendo como elemento de comparação o que se passou em França. Seria acertado pensar que, depois de três anos de austeridade a sério, a coligação PSD-CDS acabaria por ter uma votação muito inferior à que teve.
Do lado do PS, o valor obtido é magro. Cabe à direcção do partido e aos militantes reflectir sobre as razões. Mas a continuar assim, o PS não terá, em 2015, as condições mínimas para levar a cabo a sua política governativa. Estará, se nada mudar, apenas em condições de liderar uma coligação coxa. Digo coxa porque em Portugal não há uma cultura política que seja favorável a alianças entre o centro-esquerda e o centro-direita.
A CDU fez uma campanha clara e ganhou com isso. Mas não é partido de governo.
O resto é paisagem, com ou sem votos, incluindo o “deputado acidental” que é Marinho Pinto.
Fora do nosso espaço, a extrema-direita ganhou peso no Parlamento Europeu. Em França, deixou os socialistas e a direita de Sarkozy em estado de choque. Na Grã-Bretanha, deu-se mais um passo, bem firme, para um confronto aberto entre esse país e a UE. E na pequena Dinamarca, que já foi um exemplo de tolerância e um modelo de cooperação internacional, os ultranacionalistas ficaram em primeiro lugar.
É importante sublinhar a vitória eleitoral do Partido Democrático do centro-esquerda na Itália. Matteo Renzi, o líder do partido e Primeiro-ministro de Itália, afirmou-se como um jovem que sabe fazer política nos tempos modernos.
Agora é preciso ver quem vai ser o Presidente da Comissão Europeia. Jean-Claude Juncker, o candidato que está à frente, não acredita que o deixem passar. Cameron ir-se-á aliar com Viktor Orban da Hungria, um homem ultranacionalista e habilidoso, para impedir que Juncker seja nomeado Presidente. Pensa Cameron que com esse golpe poderá ganhar alguns pontos junto do eleitorado inglês que votou contra a UE. O Primeiro-ministro britânico é uma das principais ameaças ao projecto comum.
Enfim, vai haver nos próximos tempos muita matéria para debater.