A votação do projecto de acordo de saída da UE, que ontem teve lugar no parlamento britânico, levou-nos a todos para águas nunca antes navegadas. A todos, no sentido dos sujeitos de Sua Majestade e também a nós, os europeus. Sim, na verdade, a rejeição do tratado sobre o Brexit não é apenas um problema britânico, como alguns estão a ver a questão. É igualmente um grande quebra-cabeças para os Estados Membros da UE. Os britânicos serão, certamente, os que maiores prejuízos sofrerão. Mas as repercussões negativas, se não houver acordo, também se farão sentir em vários cantos da UE. Nomeadamente, na esfera económica. Depois de mais de quarenta e cinco anos de partilha do mesmo espaço económico, é evidente que as economias de ambos os lados do Canal da Mancha têm ligações profundas. Qualquer ruptura ou simples disrupção terá de imediato grandes consequências, quer em termos macro-económicos que ao nível do consumidor individual.
Para além da economia, outras áreas de cooperação seriam igualmente prejudicadas, em caso de não acordo. A segurança, a investigação científica comum, a mobilidade dos cidadãos são apenas outros exemplos a juntar às dimensões económicas e do nível de vida das famílias.
Dito isto, para mim é claro que as partes não podem fechar as portas à continuação do diálogo sobre as condições de saída e sobre o relacionamento futuro. Discussões deste tipo são particularmente difíceis, por serem inéditas – não podemos beneficiar de lições aprendidas no passado – e porque têm implicações políticas fundamentais para os dois lados. O revés de ontem, por muito negativo que a votação tenha sido – e foi, de facto, um resultado surpreendente – não deve ser usado para apontar as culpas para um dos lados. Deve, isso sim, ser um motivo de reflexão e um desafio. Como ultrapassar uma situação que parece não ter solução? Essa é a questão que os dirigentes britânicos e, por seu lado, os europeus devem colocar em cima das suas mesas de trabalho.
Para começar, é preciso parar o relógio do Brexit. Isso significa que a Primeira-Ministra Theresa May deve, desde a próxima semana, pedir formalmente um adiamento da data de saída do Reino Unido. Terá que ser um pedido bem fundamentado. Mas só poderá ter uma resposta. Que sim! Os ruídos actuais sobre esta questão, vindos das capitais europeias, não têm mostrado a contenção e a sabedoria que se espera dos principais líderes da Europa. Há que calar e esperar que o pedido formal seja feito.
Em segundo lugar, é conveniente lembrar aos dirigentes britânicos, uma vez mais, que uma estratégia de divisão das posições no seio da EU é pura e simplesmente inaceitável. Tentar ressuscitar essa via seria um erro que teria que ser imediatamente posto em causa. Não se pode deixar contaminar a Europa com as dificuldades, confusões e ilusões que a classe política britânica está a sofrer. O Brexit não pode ser um risco de morte para a unidade europeia.
O Presidente do Conselho Europeu deveria ter sido convidado, mas não foi!
Barack Obama almoça amanhã com os líderes que estão no poder na Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Espanha. Acho positivo.
Mas, não chega. Falta Donald Tusk. Este nosso Donald representa a UE. A sua presença, para além de reforçar a sua posição face aos reaccionários que estão no governo da Polónia, faria chegar, a vários destinos, uma mensagem forte sobre o projecto comum. E nós precisamos desse tipo de mensagens e de simbolismos.
É de lamentar que os chefes de Estado e de governo convidados – com excepção de Theresa May, é claro – não tenham levantado a questão do convite a Tusk. Esses líderes andam sempre a perder oportunidades de mostrar uns laivos de perspicácia.
Donald Trump pode ser uma aberração no panorama político norte-americano, mas não é antissistema. Antes pelo contrário. Mexe-se bem dentro do sistema, sabe tirar vantagem das oportunidades e dos buracos legais. É a favor, até ao tutano e sem escrúpulos, do capitalismo liberal, puro e duro. Exploratório. Quando fala de uma América “grande de novo”, está a dizer que o Estado deve criar mais oportunidades de negócios para os grandes interesses económicos e pôr em prática regimes protecionistas que dificultem ou impeçam a concorrência vinda do estrangeiro. A conversa sobre a promoção de empregos foi propaganda eleitoral. Na realidade, Trump representa o grande capitalismo empresarial. De modo confuso e imponderável, inevitavelmente, por falta de experiência política mas também porque a demagogia resulta sempre numa caldeirada de contradições. É por aí que o gato pode ir às filhoses e a sua política económica conduzir ao fracasso.
Como muita gente, não creio que o novo presidente esteja à altura das responsabilidades do cargo. Vi o último debate entre ele e Hillary Clinton: a noite comparada com a luz do dia! Trump mal conseguiu articular um ponto de vista, para além de uma meia-dúzia de frases feitas e de umas tantas reações emocionais. Mostrou ter uma visão primária e irrefletida das realidades económicas e das grandes questões internacionais. Mas vai ser o líder da nação mais poderosa do mundo. Um homem com muito poder. Mais ainda por ter o Senado e a Câmara dos Representantes do seu lado, que, em ambos os casos, têm uma das composições mais retrógradas, quando vista à luz da história das últimas décadas. O potencial de retrocesso em termos de valores e de políticas é, por isso, enorme.
Trump é um líder que não está habituado a ouvir os outros, que passou a vida a decidir por ele próprio, conforme lhe dava na real gana. Vai, no entanto, rodear-se de políticos que sempre estiveram e fizeram vida na política. Ele, que havia prometido “sanear o pântano de Washington”, vai trazer para a linha da frente alguns dos piores ultrarreacionários que existem no circo do oportunismo político americano: Newt Gingrich, Rudy Giuliani, Chris Christie, John Bolton, Bob Corker, Stephen Bannon, etc, etc. Só falta ir buscar Sarah Palin ao Alaska, o que poderá, aliás, acontecer.
Promessas, em política, valem o que valem, é bem verdade. Todavia, no caso presente, haverá que estar atento. Creio que Trump procurará levar avante várias das ideias que prometeu. Poderá ser um erro pensar que essas promessas se tratavam de meras artimanhas eleitorais. É verdade que acabará por deixar cair uma ou outra mais absurda, como por exemplo, a interdição de acesso aos Estados Unidos de muçulmanos. Manterá, porém, muitas das outras, com ou sem grandes retoques.
Para a Europa, a presidência Trump vai ser um grande desafio. Mais um, na pior altura. Já tínhamos Vladimir Putin, Recep Erdogan, Theresa May, e ainda Viktor Orban, Marine Le Pen, Geert Wilders, Frauke Prety, e as cabeças confusas que se arrastam por Bruxelas. Sem esquecer, claro, as crises dos refugiados, dos imigrantes e as resultantes das nossas divisões nacionalistas. Passamos agora a ter mais um quebra-cabeças de monta, Trump, que, ainda por cima, se vai certamente aliar aos britânicos e ajudar a transformar o Brexit num carrossel barulhento, desnorteado e desconjuntado. Ou seja, os tempos que aí vêm não nos podem deixar descansados.
No que respeita às negociações sobre o Brexit, Theresa May encontrou um novo aliado: Donald Trump. Será um aliado de muito peso. Irá certamente fazer pressão sobre os europeus, de modo a que as condições do relacionamento futuro da Grã-Bretanha com a UE sejam bastante favoráveis aos interesses de Londres.