O hábito é ir uma vez por semana ao talho. São vinte minutos a pé, para cada lado, o que faz um bom trajecto enquanto exercício. A carne é de boa qualidade e a melhor é mais barata do que em Portugal. Por exemplo, o bife do lombo de vaca fica à volta de 15 euros o quilo, o que é menos de metade do que pago em Lisboa. E há uma excelente variedade de fiambres e de pâtés.
Hoje foi dia de ir. Aproveitei para perguntar qual tem sido a reacção das pessoas em termos de compra de carne. Sabia que tem havido uma quebra considerável na compra de legumes frescos e de fruta da época, já que as pessoas preferem fazer reservas de congelados. A resposta foi de que há um aumento considerável na procura de carne. Aparentemente, as famílias estão a comprar para congelar. Têm receio que o circuito da carne seja perturbado pelo fecho sucessivo de certas actividades económicas. Também, porque ainda não se atingiu o pico da crise e se continua a falar de novas medidas, ainda mais restritivas.
Há inquietação no ar. Tudo parece estar sereno, mas a verdade é que as pessoas vivem um clima de incerteza. E ninguém sabe como tratar a incerteza. Por isso, o congelador dá muito jeito. Não sei se houve um aumento das vendas de congeladores. Não me admiraria.
O medo sempre foi mau conselheiro. Leva-nos a fazer disparates, a acreditar em burrices, e maluquices, e a entrar em pânico. O dirigente político que usa o medo como alavanca, das duas, uma: ou é curtinho da cabeça ou demagogo. Nalguns casos, será ambas as coisas.
Numa crise grave, o papel do líder passa por manter a calma e conseguir o empenho de todos, cada um à sua maneira e como pode, na resolução do problema. Liderar é saber unir os esforços e criar esperança.
No seguimento dos acontecimentos de Paris, penso ser bom lembrar que a segurança dos cidadãos deve passar, acima de tudo, pelo combate à grande criminalidade. Isso, sim, faz parte do nosso quotidiano, está bem mais perto de nós, aterroriza os mais velhos, os indefesos, os anónimos que somos. E fornece armas aos terroristas, como foi o caso em França.
Sublinhar a importância da grande criminalidade não retira valor à luta contra o terrorismo. Mas põe as coisas da segurança na perspectiva mais correcta. No dia-a-dia, o risco de crime é bem maior do que a eventualidade de sermos vítimas de um ataque terrorista.
Há por aí gente que alia uma grande dose de preguiça a medos. Não se querem cansar, nem querem correr riscos. Tudo muito suavemente, que a vida não está para canseiras.
É agora, mais do que nunca, óbvio que a justiça portuguesa come na gamela que lhe é estendida pelos políticos. Vive no conforto da sombra quente da bananeira do governo. Por isso, tem medo, muito, do poder executivo.
É um sistema de cobardes, que só tem força perante os fracos.
A "Operação Face Oculta" revela muita coisa. Acima de tudo, que o poder está cheio de gente estranha e que a justiça tem medo, está subordinada à força política.
Também revela que é tempo de começar a mudar as coisas.
A selecção de candidatos a deputados, por parte do PSD, destabilizou certas direcções distritais importantes, a começar por Lisboa.
O partido sai mais centralizado, e também mais fraco e mais distante das bases, após este exercício. A Velha Senhora rodeou-se de uma clientela, não de um conjunto de deputados. Enviou ao mesmo tempo uma mensagem forte: quem manda.
É uma tentação autoritária, em que o poder é praticado com base na subordinação e recompensa, não nas qualidades e no mérito. Se a senhora vier a ser governo, já sabemos com que contar.
Na política, o que parece é. Mas, as verdadeiras razões são sempre outras, escondidas por detrás do teatro e das palhaçadas. A televisão é, por si só, um convite ao espectáculo enganoso.
Não convém perder de vista estas verdades, nem mesmo quando se está perante as mordidelas secas das velhas raposas.
Em Portugal, começou hoje o XVI Congresso do PS. Com os repórteres a perguntar se o alegre destes tempos, e poeta de sempre, estaria ou não presente, como um espinho em Espinho.
E falou a Senhora Chefe do PSD sobre as habituais coisas sem importância, mas com aquele ar zangado de quem esta' a ser confrontado com o anunciado fim do mundo. E com um estilo que faz inveja a um cangalheiro profissional.
Houve mais sobre o Freeport, com três senhores da judiciária a dizer que o processo que não andou quase nada em quatro anos de investigação afinal fartou-se de andar. Deve ter sido um movimento do tipo parado, para não fazer enjoar o Chefe.
Por aqui, e' tudo mais simples. Por volta das cinco da tarde levantou-se um pó fino -- não o Fino a quem a Caixa Geral de Depósitos gosta de fazer favores-- que fechou os céus e nos entrou na boca, no nariz, nos secou a respiração e deixou a língua a saber a sujo. Uma irritação.
Felizmente que houve, ao cair da noite, a bela festa de condecoração dos 18 oficiais de polícia de Madagascar que comigo trabalham. Apresentaram-se no seu melhor uniforme, explicaram-nos um pouco da vida da ilha, com orgulho e esperança que a crise política actual se resolva rapidamente. Um deles tem um apelido com mais de trinta letras. Foi um divertimento amistoso tentar pronunciar esse nome de família.