Sem preconceitos
Convém pensar nos outros, ver as pessoas, esquecer as tonalidades da pele. Dizer não aos preconceitos. O mundo é um pouco maior do que o nosso bairro.
Fotos copyright V. Ângelo
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Convém pensar nos outros, ver as pessoas, esquecer as tonalidades da pele. Dizer não aos preconceitos. O mundo é um pouco maior do que o nosso bairro.
Fotos copyright V. Ângelo
Copyright V. Ângelo
Estas duas crianças foram das poucas que ficaram em Birao, cidade capital da Província de Vakaga, no Nordeste na República Centro-Africana. Vivem actualmente numa tenda, em situação de grande vulnerabilidade. Uma lona instalada nos terrenos da casa do único Deputado local.
O Deputado transformou o seu quintal num campo de deslocados. É um homem de grande mérito e de uma coragem exemplar. Num canto da propriedade, que está a duas centenas de metros do campo da MINURCAT, a força militar das Nações Unidas que chefio e que tem um destacamento de 300 homens, Togoleses, na zona. A proximidade com o nosso campo tornou a casa do parlamentar um sítio de refúgio.
Vivem cerca de 400 deslocados no interior da sua cerca. Num canto, várias famílias da tribo Rounga. Separados por cinco metros de no man´s land, estão as tendas das famílias Kara. Mais à frente, de novo separados por meia dúzia de metros que fazem a diferença, vivem as famílias da tribo Goula. No extremo do quinta, é a zona dos Haoussas. Cada tribo no seu canto.
O Comité Internacional da Cruz Vermelha forneceu ao Deputado umas centenas de sacos de farinha de milho. Assim se vão mantendo as famílias. Nós fazemos as patrulhas de segurança. No exterior. Pela cidade perdida.
Birao, um centro normalmente cheio de actividade comercial, a cerca de 60 quilómetros da cidade sudanesa de Am Dafok, está moribunda. Mais de 60% das habitações foram pilhadas, queimadas, de seguida. A grande maioria das pessoas fugiu para o mato. O primeiro ataque rebelde foi a 6 de Junho. O segundo, no Domingo, 21.
Estive de visita no dia 25.
Uma desolação. Não há autoridade na cidade. O Governador, o Presidente da Câmara, os funcionários, estão todos em fuga. Cerca de 90 militares do governo mantêm uma certa paz. Mas andam de mão dada com um grupo rebelde, que controla a cidade. Ou seja, tomaram partido, pois esse grupo rebelde é inimigo jurado do que atacou a localidade. São dois grupos, que representam duas tribos vizinhas, que andam numa guerra sem tréguas. Gente pobre armada até aos dentes.
Os rebeldes aliados do governo passeiam-se em Birao como quem anda a apanhar ar fresco à beira Tejo.
Ninguém fala de Birao, por esse mundo fora. Bangui, a capital, fica a cinco dias de viagem por pistas quebra-espinhas. Nem da Vakaga, metade de Portugal em superfície, 38 000 habitantes, muitas árvores, pássaros exóticos e animais selvagens. Um paraíso onde se sofre todos os dias.
O nosso segundo campo, no aeroporto da cidade, a 12 quilómetros do burgo, fica na zona de passagem para o ponto de água de uma manada sem fim de búfalos. Nesta altura do ano, em que a água é muito escassa, os animais transitam todos os fins de tarde pela zona do campo. Convém estar atento, que os búfalos não são animais para brincadeiras. Estes não são como os pacíficos primos que se passeiam por Timor Leste. São bichos bravos a sério.
Como os homens.
Quem sabe onde fica Birao, no mapa, na vida, na morte?
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