As eleições britânicas vieram confirmar várias tendências, sobre as quais deverei escrever no próximo texto a publicar na Visão. Para já, quero apenas lembrar que a estratégia eleitoral dos Conservadores foi concebida e dirigida por um especialista australiano, Lynton Crosby, a quem o partido de David Cameron pagou uma fortuna. Crosby aproveita-se das divisões internas que possam existir no partido adversário. Explora-as de um modo muito hábil, acentua-as, de modo a fazer crer ao eleitorado que esse partido é um saco de gatos assanhados que não se entendem e em quem não se pode confiar, ou, pelo menos, um partido com uma liderança fraca, incapaz de se impor e que por isso não tem garras para dirigir o país. O objectivo último consiste em desgastar e descredibilizar a imagem do líder oposto. É uma táctica que é jogada, em simultâneo, de modo aberto e de maneira subtil, para aumentar a credibilidade dos ataques. Pressupõe a existência de uma equipa que, na sombra, só trata disso.
Martin Schulz, actual presidente do Parlamento Europeu, está na corrida à sucessão de Barroso em nome da família socialista e social-democrata europeia mas sem o apoio dos Trabalhistas britânicos. Ed Miliband, o líder do partido, considera que Schulz é demasiado europeísta, ou seja, um porta-voz influente do aprofundamento da União Europeia. Miliband, apesar de ser favorável à presença britânica na UE, acha que a integração já foi demasiado longe e que é preciso pôr um travão à transferência de competências para as instituições comunitárias.
Miliband deverá ser o próximo primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Se assim acontecer, a integração europeia não poderá esperar muito dele e do seu governo. Mas a situação ainda será pior se Cameron for reeleito primeiro-ministro. Nessa hipótese, é quase certo que em 2017 a Grã-Bretanha estará de saída da UE.
A pergunta que se coloca hoje é muito simples: será preferível ter um Miliband sem entusiasmo pelo projecto europeu e pronto a travá-lo por dentro, ou ter um Cameron fora das portas europeias, a tratar da sua vida e nós a tratarmos da nossa?
Não se trata da história de Caim e Abel, mas sim de David e Ed Miliband. Dois irmãos que queriam liderar o Partido Trabalhista. Estamos em 2010, o mês é Setembro, não nos primórdios da humanidade. Mas há certas semelhanças, diriam alguns. Os Miliband são a primeira geração da família que nasceu na Inglaterra. O pai viera para o Reino Unido em 1940, num dos últimos barcos a sair da Bélgica, antes da chegada dos Nazis. A mãe é de origem polaca.
A campanha eleitoral que havia de conduzir à liderança durou vários meses. Foi um Verão de inquietações. Difícil para os dois, que família e política são uma combinação perigosa. Ontem teve lugar a contagem dos votos. Ed, o mais novo dos dois, surpreendeu toda a gente e ganhou por umas décimas. 50,65% contra 49,35%. Ambos mereciam ganhar. Quer um quer o outro revelaram ser políticos de grande nível. Mas, nestas coisas não é possível ter dois vencedores. Quem ganha tem a responsabilidade de aglutinar o partido à volta de uma plataforma comum.
David, que havia sido ministro dos negócios estrangeiros de Gordon Brown, um bom ministro, era o candidato da continuidade. Pelo menos, assim era entendido. Revelou-se como sendo a escolha da corrente central do partido. Dos deputados trabalhistas. Ed, tido como mais à esquerda, ganhou porque conseguiu o apoio dos sindicatos.
A eleição de Ed Miliband marca, não tenho dúvidas, uma ruptura com a herança deixada por Blair e Brown. Significa, acima de tudo, que a Esquerda trabalhista quer abrir uma nova página, com líderes mais capazes de se sintonizar com as preocupações populares. Blair e Brown são certamente homens muito inteligentes e bem preparados para a vida pública. Mas perderam o contacto com os eleitores, com as ansiedades populares. Numa altura de crise, é preciso estar atento e em ligação com as pessoas mais vulneráveis.
A eleição de Ed continua a tendência que já havia sido iniciada pelos Conservadores e pelos Liberais-democratas. Ou seja, a emergência de uma classe política muito mais jovem. O novo líder tem 40 anos de idade. É apenas um pouco mais novo do que Cameron e Clegg. Com a juventude vem uma outra maneira de encarar a vida pública, um outro dinamismo e a telegenia que hoje é indispensável na vida política.
David tem muitos anos de actividade política à sua frente. Veremos quais vão ser os próximos passos. O irmão vai certamente oferecer-lhe um posto de primeira importância no governo sombra. Veremos se não viu a sua derrota como uma repetição da história bíblica.