O acidente com o veículo do ministro Cabrita continua a ser um caso político. Quem diz que é imoral explorar politicamente o que aconteceu esquece-se de várias coisas: da questão da velocidade, que ainda não está esclarecida; do ministro ser responsável pelo cumprimento da lei sobre o excesso de velocidade, cabendo-lhe a ele dizer ao motorista, se assim fosse o caso, para conduzir dentro dos limites; do comunicado que o ministro emitiu, logo a seguir ao acidente, pondo as culpas na vítima, sem qualquer tipo de consideração pelo inquérito que estava em curso; do facto do ministro não ter apresentado pessoalmente as suas condolências à viúva, refugiando-se por detrás da sua chefe de gabinete; da utilização de um veículo que não é propriedade do Estado para conduzir um membro do governo; e da patente falta de entendimento político que o ministro tem mostrado.
Quem hoje disse que falar destas coisas é imoral tem na realidade pouca autoridade moral, como todos sabem.
O acidente que ocorreu na A6, com o carro oficial do ministro, não é assunto arrumado. Tem de ser tratado pelo chefe do governo de modo responsável. Não há nada a esperar do ministro. Mas do seu superior, sim. Não pode ignorar as dimensões humanas e políticas do que aconteceu. A família da vítima precisa de apoio. E do ponto de vista político, a inacção governativa acabará por ter um custo. O primeiro-ministro deve entender isso, imagino. Mas tem de agir, de aparecer.
O mesmo se deve dizer do Presidente da República. Essa personalidade tem apostado imenso na dimensão popular e humanista de sua função. Não pode agora ficar calado, para proteger um ministro que não vale grande coisa. Ou, para poupar um primeiro-ministro que tarda e que encobre os seus fiéis servidores. O PR tem de mostrar que não tem medo de uma situação como esta. E que não anda a disfarçar, para que não haja a confrontação que a muitos parece inevitável.
Estamos numa espécie de pântano político. Este sim, perigoso, capaz de fazer surgir um ou outro monstro político, que saiba aproveitar-se das águas turvas.
A A6, a autoestrada que vai da zona do Montijo em direcção a Évora e à fronteira com Badajoz, tem pouco movimento. Mais ainda, os veículos pesados são raros. Preferem encher a Nacional 4, que segue a autoestrada, para não ter que pagar o elevadíssimo custo da portagem até Caia-Elvas. Assim, alguns motoristas dos carros ligeiros usam e abusam do excesso de velocidade quando circulam pela A6. Quem viaja a 130 km/hora já está fora do limite. Mas é constantemente ultrapassado por veículos a circular acima dos 150 ou mesmo dos 160. Os controlos de velocidade são raros. A GNR concentra-se sobretudo no trânsito que percorre a N4.
Foi nessa autoestrada que o carro do ministro da Administração Interna matou um operário que trabalhava na berma da via. O inquérito de que se fala e que foi prometido deverá elucidar-nos sobre a velocidade a que ia essa viatura oficial. Esse é um dado fundamental. Houve morte de homem, um homicídio involuntário. Há que apurar as causas e as responsabilidades de cada um.
Veremos se a GNR consegue produzir um relatório que se veja.
A saga à volta do SEF está a revelar a incompetência e a falta de verticalidade de quem detém o poder. O próprio Presidente da República está a ser apanhado na rede dos que sacodem o capote ou fingem que nada viram. Mas a atenção está acima de tudo focalizada no Ministro da Administração Interna, na sua falta de visão, autoridade e sentido das responsabilidades.
Neste fim-de-semana, o ministro equivalente na Albânia pediu a demissão. Um dos polícias do país matara um cidadão, ao usar a força de um modo excessivo e injustificado. Pouco depois, o ministro assumia a sua responsabilidade política. Sem grandes conversas, sem ambiguidades. É verdade que a Albânia é um pequeno país e uma potência como Portugal não quer seguir o exemplo de um Estado minúsculo. Aliás, Portugal não quer seguir a prática que é normal nestas situações. O poder que está no poder considera-se acima dessas coisas.
Entretanto, o Director Nacional da PSP viu um microfone pela frente e falou da reestruturação do SEF. Conheço Magina da Silva há muitos anos e tenho a maior consideração pelas suas capacidades profissionais. Creio, no entanto, que não se deveria ter pronunciado sobre o assunto em público.
A reorganização dos sistemas nacionais de polícia é um tema muito delicado. A experiência de outros Estados europeus mostra-o claramente. É um assunto imensamente político. Exige consensos alargados. Cabe aos líderes políticos tratar de os encontrar. Na maioria dos casos não o fazem por não terem a coragem política que é necessária.
Aqui, em Portugal, não sei se é essa coragem o que falta ou se é apenas uma questão de não saber ver o é preciso fazer na área da segurança.
Acho estranho que o ministro dos Negócios Estrangeiros se pronuncie publicamente sobre o trabalho do seu colega na Administração Interna. Sobretudo quando está em jogo um assunto tão sério como o da maneira de agir dos responsáveis do Serviço de Emigração e Fronteiras. Cada um deve falar sobre a sua área de competência, cabendo ao primeiro-ministro falar sobre os seus ministros. Também não compreendo que o primeiro-ministro autorize esse tipo de intromissões em pastas alheias e em assuntos que se tornaram extremamente delicados. Será que o ministro dos Negócios Estrangeiros faz medo ao seu chefe?
O Ministro da Administração Interna deveria mostrar um pouco mais de iniciativa. E menos medo político.
Cabe-lhe explicar, de modo claro e sem qualquer timidez política, que a Polícia de Segurança Pública é uma instituição fundamental da ordem democrática portuguesa e que tem investido imenso, nos últimos 30 e mais anos, na formação dos seus oficiais e agentes. Poderá, num caso ou outro, haver deslizes e comportamentos inaceitáveis. Mas, no seu conjunto, é uma instituição que deve ser respeitada. Faz um trabalho comparável ao que de bom se faz na Europa. O seu papel é fundamental para o bom funcionamento da sociedade portuguesa.
E é esse papel que o seu pessoal procura desempenhar dia e noite.
Não tenho grande admiração pelos políticos portugueses. Isso é sabido, segundo suspeito.
E também me interrogo muito seriamente sobre a qualidade científica do nosso ensino superior nas áreas da economia, da sociologia, de direito e dos estudos políticos. Quando vejo o que esses professores dizem em público e escrevem na comunicação social fico muito preocupado com a sorte dos seus alunos.
O pior é quando o político e o professor universitário coincidem e são uma e a mesma pessoa. Saem então barbaridades que nem o Deus do tal ministro de hoje nos salva.
O drama dos fogos é, ao fim e ao cabo, o drama de populações rurais, de pequenos camponeses pobres. São eles que sofrem e perdem os seus parcos haveres. São as grandes vítimas. O fogo perpetua a miséria e o abandono.
Os senhores da política e do poder são agora gente urbana, que pouca ou nenhuma sensibilidade e afinidade têm, no que respeita a essas populações do campo minifundiário. Por isso não se lembraram dos incêndios quando era preciso tomar medidas de precaução. Preferem remediar, que prevenir não lhes vem à cabeça de meninos da cidade.
E remedeiam mal. Com o flagelo dos incêndios a ser uma constante de todos os Verões, não há corpos de bombeiros profissionalizados e treinados especificamente para este tipo de catástrofes. Continua a construir-se a luta contra os fogos na base dos voluntários, que são os grandes heróis, gente da classe pobre urbana a ajudar os pobres do campo. E não há meios suficientes, por muita que se diga o contrário.
Há também aqui um problema de gestão das florestas e dos matos, de ordenamento do território. Mas ninguém ouve falar da responsabilidade política dos ministros da agricultura e do ordenamento do território e do ambiente. Eles andam escondidos ou entretidos com outras coisas, enquanto a pequena economia rural arde. Só se pensa na administração interna. É, uma vez mais, a resposta a tomar a primazia em relação à prevenção. Ou seja, mais um exemplo de opções políticas ao avesso.
No pino do Verão, é altura de lembrar os milhares de bombeiros voluntários que existem pelo país fora e de lhes dirigir uma palavra de reconhecimento pela sua abnegação e coragem.
É igualmente altura de perguntar se as instâncias oficiais estão a fazer o que deveriam fazer, para salvaguardar os interesses dos bombeiros feridos em acção ou para proteger os familiares mais directos dos que, por infelicidade, acabam por cair no combate às chamas.
Um país que sabe honrar os seus bombeiros voluntários mostra saber reconhecer o mérito dos cidadãos que nos ensinam como combinar humildade com serviço público.