A missão operacional, no Chade, dos elementos do GOE da PSP ficou hoje concluída. Voltaram de N'Djaména num voo da ONU.
Desde inícios de 2008, houve cinco rotações, cada uma com 12 homens, o que permitiu a presença no terreno de cerca de setenta elementos da nossa polícia de operações especiais. A sua tarefa era a de assegurar a segurança pessoal da liderança da missão de paz das Nações Unidas naquele país e na República Centro-Africana. Essa missão, conhecida como MINURCAT, termina o seu mandato a 31 de Dezembro.
Foi uma contribuição muito apreciada pela ONU. Os nossos PSP mostraram um profissionalismo exemplar e uma capacidade de protecção a que as Nações Unidas não estavam habituadas. As equipas mantiveram, ao mesmo tempo, uma excelente relação com as autoridades chadianas. Impuseram respeito.
Portugal saiu pela porta grande e mostrou que tem condições para colaborar efectivamente em missões de paz da ONU. Além do GOE, houve vários oficiais e chefes da PSP que também estiveram no Chade, na mesma missão. O seu desempenho foi, igualmente, muito apreciado.
A participação neste tipo de missões multinacionais tem ainda a vantagem de abrir as vistas e a experiência de quem nelas participa. O fundamental é criar condições, na PSP, para que essas mais-valias possam ser partilhadas com os outros.
Sigo de viagem para a Europa esta noite. Uma volta curta, apenas uns dias de ausência, antes de entrar na fase final de consultas sobre o futuro da missão de paz no Chade e na RCA. O Conselho de Segurança definiu, de um modo muito claro, os parâmetros desta nova fase de discussões.
Tudo isto abre um novo capítulo nas relações entre o Conselho e os países que beneficiam da presença de uma missão de manutenção da paz. Vão ser escritas teses sobre a matéria. A doutrina neste campo da lei internacional vai certamente ser influenciada pelo que está a acontecer à MINURCAT.
Só que, no meu caso, as coisas são bem mais terra-a-terra. Trata-se de tentar chegar a um acordo entre as partes. À partida, parece quase impossível, tal é a distância a percorrer. Neste caso, a distância não é a de uma viagem de avião, mas sim a que separa interesses bem opostos. Como acontece com muitas viagens, há o fascínio do desconhecido, mas também o receio a ele associado.
Estou em Abeche para celebrar o segundo aniversário da MINURCAT e o primeiro da sua componente militar. Muito foi feito nos últimos dois anos. A segurança ao longo da fronteira e' hoje um facto. Os refugiados e as populações em geral confiam na nossa capacidade para as proteger.
Pronunciei dois discursos durante o dia, sobretudo para dizer que este investimento da comunidade internacional tem valido a pena.
O dia de ontem terminou com uma festa de despedida. Organizada pelo pessoal da MINURCAT, os da Sede, em N´Djaména, com a participação animada de um dos melhores grupos de dança tradicional do Sul do Chade. Uns dançarinos excepcionais, que nos revelaram várias facetas das cerimónias de iniciação, que continuam vivas nestas paragens. Foi também interessante ver alguns dos nossos jovens funcionários nacionais, que normalmente andam de fato e gravata, acompanhar os ritmos, como se a música fizesse parte dos seus génes.
Este é um país culturalmente muito diverso. Enquanto os tambores do Sul batem com a energia da África banto, fazendo vibrar todos os poros dos que sabem viver esssas músicas, e acentuando o erotismo das florestas por explorar, os naturais do Centro e Norte mexem o corpo, lentamente, com a graça oriental das cortes dos sultões.
Entre os pratos tradicionais, havia uma dobrada de cabra, certamente um animal duramente experiente da vida, preparada pela minha Assistente de muitos anos, uma mulher das terras mais amenas da África Austral. Claro que tive que me servir. O resto, não digo.
Foi um fim de tarde quente. Durante o dia a temperatura do ar andou a namorar os 48 graus. Em Março, é assim.
A manhã começara com uma reunião com todos os embaixadores residentes em N'djaména. A reunião mensal, que para mim foi a última, era a oportunidade para dizer "Thank you" e passar à frente. Tudo muito correcto, sem mais. Depois, tive um longo tête-à-tête com o Presidente Idriss Deby. O encontro começou em público, com a minha condecoração com o grau de Oficial da Ordem Nacional do Chade. Um gesto raro. Uma Ordem de elite. Depois, ficámos sós, para falar sobre o Sudão, esta parte do Continente Africano, projectos, água, um tema central para as gentes do Sahel, segurança, e o futuro das Nações Unidas nestas areias. Foi um diálogo com elevação, descontraído, que as ideias são para serem confrontadas, não as pessoas.
Já mais tarde, à hora das orações de Sexta-feira, o Representante Especial do Presidente ofereceu-me um camelo. Lindo. Com calabaças e tudo, aparelhado a rigor. O RE, que responde pelo nome de General Dagache, quatro estrelas e muitas dunas de combate, batalhas muitas, a morder o pó dos ventos áridos, homem com ossos e pele, mas nada mais, que o deserto não é para grandes comidas, é natural do Sahara, não muito longe do fim do mundo que é a região de fronteira com a Líbia. O camelo é a fonte da vida, nesses cantos perdidos, onde a beleza das montanhas roídas por milhões de anos de vento nos faz imaginar catedrais do surrealismo mais ousado. O camelo e água, que brota aqui e ali, nos oásis que se escondem para além das miragens.
O meu camelo está agora em casa, grande e majestuoso, à espera de um caixote que o leve para as terras molhadas da beira-Tejo. É uma peça de madeira que vale a pena que atravesse o deserto.
Foi hoje inaugurado o hospital militar Norueguês, na nossa base militar de Abéché. Em menos de três meses, nasceu das areias do deserto de Abéché uma maravilha tecnológica.
Os militares da Noruega trabalharam de noite, para que os trabalhos de construção fossem feitos durante as horas mais frescas. Durante o dia, a temperatura ronda os 50 graus. De noite, desce para os 28. Com uma disciplina, um sentido de serviço, e uma capacidade de fazer coisas que até os Austríacos deixou pasmados.
Um povo com um forte sentido de responsabilidade faz surgir milagres das terras mais inóspitas que se possam imaginar.