Este é o link para a minha entrevista de hoje, domingo, no noticiário das 18:00 da CNN. Haveria muito mais para dizer sobre a ONU, agora que o Mali pediu a retirada sem demoras da enorme missão das Nações Unidas que está no país há uma dezena de anos. Esta posição precisa de ser analisada com muita atenção, a partir de vários ângulos: a ONU e o desempenho das suas missões de paz, a leitura feita por Guterres sobre a maneira de gerir essas missões, o papel do grupo Wagner, e também da França, os critérios utilizados na escolha dos líderes da missão, nos principais níveis de autoridade de uma missão gigantesca, a presença militar de países vizinhos do Mali, o desempenho das forças armadas do Mali, etc, etc.
Dois ou três comentadores que aparecem regularmente nos canais televisivos a falar sobre a agressão russa contra a Ucrânia foram antigos Observadores Militares em missões de paz das Nações Unidas. Percebi que vários jornalistas e uma grande parte dos telespectadores não compreende o que significa essa função no quadro da ONU.
Nos vários anos em que fui Representante Especial do Secretário-Geral (SRSG) e chefe de missões de paz, tive centenas de Observadores Militares e de Polícia debaixo das minhas ordens. Na realidade, eles estavam debaixo das ordens de oficiais superiores, os quais, através da hierarquia de comando, reportavam para mim, através do pessoal do meu gabinete e do comandante da força militar, que seria um general de duas ou três estrelas, ou do seu equivalente, na estrutura policial da missão.
Esses Membros das missões eram normalmente destacados pelos seus governos por um período de seis meses e tinham essencialmente uma função local, ou seja, numa parte bem específica e bem limitada da área de missão, ou junto de uma instituição nacional muito concreta. Desempenhavam aquilo a que chamávamos uma função tática, no terreno, abaixo das funções operacionais, que eram desempenhadas por oficiais mais graduados, ou das funções estratégicas, cuja responsabilidade pertencia ao comandante militar geral e ao seu Estado-Maior, sob a orientação política do SRSG.
Assim, os Observadores Militares e de Polícia tinham fundamentalmente uma missão muito delimitada, orientada apenas para o controlo do mandato na sua claramente definida e marcadamente reduzida área de intervenção. Eram uma espécie de patrulheiros, que tinham como obrigação reportar como a execução do mandato estava a ser efectuada na zona geográfica ou na instituição/repartição pública que lhes fora atribuída. Os militares observadores tinham em geral uma patente entre capitão e tenente-coronel e os polícias entre chefe de esquadra e comissário. A estes níveis não se exigia nem se esperava que houvesse conhecimentos estratégicos. Mas era indispensável ter um grande espírito de dedicação, muita coragem moral e física e um entendimento absoluto do mandato da missão. O seu contacto diário com as as realidades das pessoas, as dificuldades das instituições, a pobreza da logística e os riscos de ordem física faziam-me ter uma grande admiração pelo seu trabalho. Quando visitava as suas áreas de actuação tinha sempre o cuidado de me reunir com eles e elas e de os ouvir pessoalmente. Os observadores conheciam histórias concretas que eu mais tarde utilizava como ilustração dos meus relatórios ao Conselho de Segurança.
Era assim no meu tempo e assim continua a ser agora.
Ficou claro que nem o ministro da defesa nem o primeiro-ministro informaram o Presidente da República, que é o Comandante Supremo das Forças Armadas, das suspeitas existentes, desde finais de 2019, relativas a actividades criminosas de alguns membros das nossas tropas de elite destacadas na República Centro-Africana. Eu, se estivesse no lugar do Presidente, não teria achado piada a esse jogo do escondido.
Por outro lado, é estranho que a acção da Polícia Judiciária só tenha acontecido quase dois anos depois da denúncia. O problema não deve ter sido do lado da PJ.
Ponto três: fui responsável máximo de forças militares e de polícia na Serra Leoa, terra onde os diamantes abundam, e também na República Centro-Africana. Em certas aldeias onde estavam as nossas tropas, na RCA, havia mais lojas de comercialização de diamantes do que de alimentação geral. Era o caso ao longo da fronteira com o Sudão. Nunca tivemos qualquer problema relacionado com diamantes ou ouro. Os chefes militares tinham instruções especiais sobre a questão e havia, além disso, um serviço civil de informações que andava de olhos abertos e era constituído por agentes da ONU vindos de países distintos daqueles a que pertenciam as forças destacadas.