Um dos partidos marginais de Portugal, mas com assento na Assembleia da República, diz que vai lançar uma campanha para preparar a nossa saída do euro. Trata-se de um partido que teve mérito no passado, mas que hoje é um mero agrupamento de saudosistas retrógrados, que combinam atitudes reacionárias com uma ingenuidade à prova de todos os argumentos racionais. É uma peculiaridade bem portuguesa, que já não existe noutros cantos da Europa.
Dizem que durante a campanha irão negociar com o PS, o BE, os PEV, entre outros que não são explicitamente mencionados. Só espero que os outros incluam o Nicolas Maduro da Venezuela e o Robert Mugabe do Zimbabwe. Ambos têm experiências ímpares de como se consegue arruinar um sistema monetário e uma economia de modo rápido, e depois, colocar a culpa nos outros.
Dito isto, é claro que o populismo político que actualmente sopra por vários sítios, e agora também em Portugal, é uma loucura política muito perigosa.
Não ficaria admirado se alguns obcecados das conspirações vissem a mão maquiavélica de Robert Mugabe na caçada que vitimou Cecil. Para eles, a morte do célebre leão teria sido arquitetada pelo velho ditador, como um novo enredo para aviltar os brancos e os americanos. Esta versão teria os ingredientes de uma boa teoria conspirativa: um político diabólico; um drama que captou a imaginação popular, com um desfecho passível de interpretações; e uma narrativa consistente com a prática habitual do vilão da história. Sem esquecer que Mugabe sempre me pareceu um especialista em estratégias complexas e obscuras. Deste modo, bateria tudo certo…
Cecil poderia fazer as delícias dos espíritos conspirativos neste mês de agosto. No entanto, o caso mais recente diz respeito ao partido trabalhista do Reino Unido. Vários dos seus membros, incluindo antigos ministros, acham que está em curso uma conspiração para manter o partido na oposição por uma eternidade de anos.
A história é simples. Tem que ver com a eleição, que começa este fim-de-semana, do novo líder trabalhista. Jeremy Corbyn, um franco-atirador que votou mais de quinhentas vezes no Parlamento contra a linha oficial do seu partido, é dado como favorito. Ora, o homem é um esquerdista notório, um porta-estandarte de posições extremas, alheias às escolhas habituais da maioria do eleitorado britânico. Se se confirmar a sua seleção como líder – existem outros três candidatos, com ideias bem mais consentâneas com a modernidade do centro-esquerda – a conspiração terá ganho, dir-se-á... E quem seriam os cérebros do terramoto político que se anuncia? Os senhores da finança aliados aos matreiros patronos da imprensa conservadora e popularucha, gente que se nutre de um ódio visceral antissocialista. Não poderia deixar de ser assim, na fantasmagoria dos que acreditam na maquinação. A cabala, dizem, consiste em financiar, ao preço de saldo de três libras por cabeça, que é quanto custa a inscrição com direito a voto nas eleições internas, uma amálgama de trotskistas e de militantes fanáticos do ar fresco e dos passarinhos dos campos, também conhecidos por “verdes”. Serão esses infiltrados que tornarão a vitória de Corbyn possível. Depois, este e as suas ideias fora da corrente acabarão por colocar os trabalhistas numa posição de marginalidade eleitoral. Tudo isto a favor das hostes de David Cameron e dos interesses que os cabalistas representam.
As teorias conspirativas são sempre assim: os maus e poderosos de um lado, a planear uma intriga mirabolante, e uns paranoicos do outro, que se acham por demais espertos e capazes de ver para além das aparências. No meio estão os simples dos miolos, prontos para engolir mais ou menos cegamente a fantasia.
Cuidado, porém, que a coisa nem sempre é divertida. Ainda recentemente, trabalhadores da saúde perderam a vida no Paquistão, por causa de uma teoria que propagava que as vacinas contra a poliomielite eram uma artimanha do Ocidente para esterilizar o povo. Como também se verificou que a luta contra o ébola na África Ocidental foi prejudicada por haver quem ligasse a pandemia a uma tramoia contra os africanos. Bem mais perto de casa, há por aí quem veja nas nossas dificuldades um conluio de outros, um estratagema urdido no estrangeiro contra nós. Esse é o perigo destas teorias: arranja-se umas narrativas bem articuladas e desvia-se os olhares das verdadeiras interrogações.
Robert Mugabe foi hoje eleito presidente da União Africana (UA). Trata-se da rotação habitual, à cabeça da UA, um mandato por um ano.
Só que Mugabe não é um caso rotineiro. Para além da imagem que tem, fora e dentro de África, a velha raposa que ele é vai aproveitar ao máximo as oportunidades que a chefia honorífica da UA proporciona, para fazer das suas. Como sempre, irá dar que falar. Infelizmente, ao fazê-lo, não estará a contribuir para o prestígio da União Africana. Contribuirá, isso sim, como de costume, para aumentar a distância entre os líderes africanos e a opinião pública ocidental.