Fui caminhar a passo acelerado com a Saskia, no parque que está a dois passos de casa. As árvores estão lindas, nesta altura de castanhos e dourados. Ela gostou tanto, a velocidade parece ser um dos seus fortes, que cantou durante todo o percurso. Mas viver a alta velocidade, cansa. Dormiu quase toda a tarde. O que me permitiu, como eu estava de guarda, ter tempo para pensar que 7 000 milhões de almas é muita gente. Em África já são mais de 1 000 milhões. A pressão sobre os recursos naturais é imensa, sobretudo quando a ela se junta a sofreguidão dos que querem tirar partido e enriquecer rapidamente.
Curiosamente, nada disto parece perturbar, para já, o sono da miúda. Nascida o ano passado, esta é uma criatura do século XXI. Mas, quem pode imaginar, hoje, o que será este século?
Os meus companheiros de viagem mais imediatos foram dois jovens.
Um, libanês, 32 anos, diplomado pelo prestigiado INSEAD de Fontainebleau (MBA) e quadro internacional de um petrolífera americana. Trabalha em Genebra, onde se ocupa dos contratos com os parceiros europeus. Ganha uma pequena fortuna e acumula uma série de regalias. Fala várias línguas e é altamente móvel. Já trabalhou nos estados do Golfo e na América.
O outro, português, 24 anos, terminou agora o segundo ano do curso de relojoeiro de topo de gama, na escola perto de Neuchatel. Falta-lhe um ano lectivo para receber o diploma profissional. Antes de ir para a Suíça viveu em Londres. Natural da zona de Lisboa, sabe que o seu futuro está nos países com grande poder de compra.
A repressão violenta de manifestações pacíficas é inaceitável. Espero que a Líbia e o Bahrein oiçam muitas vozes a repetir essa verdade, nas próximas horas e dias.
As elites dirigentes desses países sabem, aliás, que assim é.
Mas é bom que seja dita por muitos. Nas ruas e nas chancelarias.
Incluindo pelos Estados Unidos, país aliado do Bahrein.
Só é pena que a Itália não tenha a coragem de o dizer ao Coronel. A Itália tem muitas parecerias com o Líder e não as quer perder. Real politics, a política dos negócios.
As regiões africanas onde haverá, nas próximas décadas, uma explosão demográfica, estão perto da Europa, como ontem escrevia. Fazem parte da nossa área geo-estratégica mais imediata.
São, igualmente, constituídas por países onde a religião islâmica é predominante. Com o tempo, o peso relativo do Islão, na política internacional, vai tornar-se muito mais evidente. Ou seja, para além do desafio migratório que a Europa deverá ter que gerir, haverá também a perspectiva de um enorme confronto civilizacional.
As populações europeias sentir-se-ão ameaçadas. Se esta questão não for tratada com tempo, com antecedência, teremos à nossa frente, num futuro que muitos de nós iremos testemunhar, uma cadeia de conflitos entre a Europa e a vizinha África.
Esta tarde, passei cerca de uma hora a observar a multidão que percorria a Rue Neuve, em Bruxelas. Esta artéria é a zona comercial por excelência da capital belga. Situada exactamente no centro da cidade, estava, hoje como sempre, cheia de gente. Havia de tudo, de todas as origens, de culturas muito diversas. Sobretudo, muitos jovens.
Como é possível que haja tanta gente a passear e a fingir que faz compras, durante as horas de trabalho? Esta foi uma das interrogações que me passou pela cabeça. A segunda foi, como Bruxelas mudou! Ainda me lembro da cidade quando os metecos, como eu, eram a excepção. Quando a polícia identificava sistematicamente quem tivesse cara de ser de fora. Agora seria uma tarefa infindável.
A presença de comunidades das mais variadas extrações é actualmente uma das características da velha Europa. A variedade trouxe abertura de espírito, riqueza cultural, e mão-de-obra jovem. Não nos podemos esquecer disso, nesta altura em que as crises podem fazer voltar os velhos espantalhos do racismo e da xenofobia.
A cimeira sobre a segurança alimentar, que hoje começou em Roma, por iniciativa da FAO, é a terceira, esta década, sobre os problemas da fome no mundo. Mas a verdade é que continuamos a ser cegos, não notamos, nem queremos ver, que este é um problema que poderia ser resolvido. Existem conhecimentos suficientes e técnicas adequadas para garantir um mínimo para todos. Faltam, apenas, os líderes à altura. A coragem das decisões, uma outra visão da vida.
Ainda na semana passada, a equipa militar de hidrologistas noruegueses, que está agora em missão no Chade, descobriu um lençol de águas subterrâneas às portas da cidade de Iriba, no deserto. Iriba vive na miséria, com falta de água, sem conseguir dar de beber aos seus habitantes, que nem vale a pena pensar nos animais e nas plantas. É uma terra de areias e de securas. Sem agricultura, com os camelos perdidos nas pedras que cercam a pobreza das pessoas.
E a água existe. Trata-se, simplesmente, de ter os meios que nós temos, para a encontrar. O resto é uma questão de furos, tubos e decisões políticas equilibradas. Que o acesso à água é uma das fontes de desigualdades sociais.
É, um pouco por toda a parte, a mesma situação. Onde hoje se morre de fome e sede, com juízo e meios técnicos, é possível, amanhã, produzir as culturas que fazem viver.
Mas também há que evitar um consumo excessivo, uma demografia sem controlo e uma pecuária sem limites.
Na suite, assim lhe chama o dono da residencial, para poder cobrar 125 Euros por noite, não havia água na casa de banho. Mas havia internet sem fios, uma boa ligação, sem limites.
Assim vai o mundo, no coração de África, em Bangui.
Depois de me informar sobre o mundo, de Fort Hood a Beijing, tudo em tempo real, voltei ao balde de água fria. Uma outra realidade.
Quem desempenha o papel de mediador na resolução de um conflito precisa de ser muito paciente. Fazer pressão sobre as partes para que a solução chegue num curto espaço de tempo acaba por virar uma ou ambas as partes contra quem tem como missão facilitar a paz.
Paciência e resultados não são questões incompatíveis. Uma jornada faz-se num dia. Muitos dias de jornada acabam por nos levar ao destino.
No caso do Darfur, por exemplo, o erro, neste momento, está na pressa em chegar a um cessar-fogo. O fim das campanhas militares é importante. Mas só acontecerá quando houver um mínimo de confiança no processo político.
Não nos podemos associar a um contra-relógio que quer forçar o fim das hostilidades através de pressões diplomáticas de tipo imperial. É preciso deixar que cada lado veja as vantagens duma paragem das hostilidades.
Em matéria de política e de conflito é preciso ter uma pele espessa, de crocodilo. E como qualquer velho crocodilo que se preze, convém estar imóvel, por algum tempo, mas com os olhos bem abertos. É que a oportunidade pode aparecer a qualquer momento.
As fotografias do blog destinam-se a abrir os olhos, a mostrar outras gentes, ajudar a ver o lado positivo de outras culturas e outras terras. Ganhamos todos quando se tem uma vista mais ampla do mundo.
Nos tempos de hoje, como nos tempos das nossas descobertas, vai-se mais longe quando se que ver para além da linha do horizonte.