Espera-se de um líder político que projecte uma atitude positiva. A nação precisa de acreditar no futuro. Aí reside a essência da política. O resto é administração pública. Por isso, acho preferível votar num dirigente que consegue fazer passar uma mensagem optimista, do que apoiar um pessimista, por muito sagaz e moderno que seja, mas que se revela incapaz de mobilizar os cidadãos. Mais ainda, sempre considerei que o negativismo e o bota-abaixo sistemático não levam a parte alguma. O extremismo, de direita ou de esquerda, deve ser visto apenas como uma nota de pé-de-página, fora da esfera governativa. No meu quadro de referência, qualquer aliança com um dos extremos pouco mais é do que um ato de oportunismo político. Como tal, só é aceitável em casos excepcionais e por um tempo limitado.
Para certas cabeças, a História é tão incerta como o futuro. Pode mudar quando mudam as relações de força numa determinada sociedade, quando acontece uma reviravolta profunda ao nível de quem está no poder ou quando o relato do passado precisa de ser contado de outra maneira, para dar legitimidade a quem acaba de conquistar a liderança. O exemplo mais frequentemente citado é o relativo ao Partido Comunista da União Soviética. A narrativa histórica foi sendo modificada à medida das alterações radicais na composição do Bureau Político. Personagens desapareciam, os factos eram narrados de outra maneira ou suprimidos, o que fora positivo no passado passou a negativo ou foi esquecido, e vice versa. No todo, quando Gorbachev chegou ao poder, nos anos 80 do século passado, já se estava na terceira versão da história da União Soviética. Um amigo meu, homem que tinha as suas raízes familiares na vizinhança do Kremlin, no sentido figurado, para dizer que vinha de uma família que havia beneficiado do regime, embora não estivesse no centro das decisões, costumava dizer-me que a História é imprevisível.
Lembrei-me disto, agora que vejo uns vândalos e uns intelectuais de meia tijela empenhados em julgar o passado com os olhos dos extremismos de hoje e dos radicalismos com que sonham. Lançam-se às estátuas e aos personagens do passado com a mesma estreiteza com que vêem a política do presente. Perante isso, há que dizer-lhes que não. Que destruir ou danificar representações do passado não é um acto político, mas sim um crime. Que atacar o Infante D. Henrique ou outra personagem de outrora, com toda a cegueira que caracteriza os primários da nossas cenas políticas de agora, é pôr em causa os genes históricos e sociais que nos definem.
A História deve ser interpretada. À luz do seu tempo, porém. Mas não é para escaqueirar nem para servir os populismos e as modas do tempo presente.
Não sei se já tentou explicar ao seu gato que, num Estado democrático e com um governo constitucionalmente legitimo, é essencial reconhecer a autoridade do governo. Claro que não é fácil convencer o bicho, mas há que insistir, repetir e não perder a paciência. Se o seu gato lhe falar do 25 de Abril e da liberdade, diga que sim. São aspectos determinantes da nossa vida. Mas repita que sem um Estado forte, a agir dentro da lei, não há sociedade que se entenda nem respeito pelos interesses de todos, que são mais importantes que os interesses específicos do seu gato e dos seus companheiros de goteira.
Caso não tenha gato, experimente falar com um pássaro, um pardal, por exemplo. Há muitos, por aí.
Na parte francófona da Bélgica, 53% dos inquiridos responderam que seriam a favor de um cartão de cidadão europeu, em vez do nacional. Contra, pronunciaram-se 42%.
Esta questão faz parte de um conjunto mais vasto de interrogações e de reflexões sobre a promoção da cidadania europeia. Pessoalmente, penso que se trata de um debate saudável. O futuro da Europa só fará sentido se for vivido, no essencial, de modo partilhado. E debater estas coisas não retira nada da personalidade cultural e histórica de cada nação. O passado conta e fez de cada país europeu o que ele hoje é. Mas o futuro conta ainda mais e esse tem toda a vantagem em ser construído em cooperação.
A grande lição que tiro da maneira como muitos responderam, em França, ao incêndio da catedral de Notre-Dame é clara. Mostra-me a importância da história, dos valores e dos símbolos que definem a identidade de um povo. Não é uma questão religiosa, nem um menosprezo pelas dificuldades da vida que muitos enfrentam.
Emmanuel Macron dirigiu-se esta noite à nação. Fê-lo com muita dignidade e equilíbrio. Contrariamente ao que alguns esperavam, não veio falar das medidas políticas que já decidiu tomar, na sequência das manifestações dos Coletes Amarelos e das centenas de reuniões que promoveu, nos últimos meses, com os autarcas e os eleitores, ao nível local. Falará dessas medidas em breve.
Hoje, veio partilhar a dor nacional que os franceses sentem, depois do que aconteceu à Catedral de Notre Dame. E falar da reconstrução da mesma. Dor e esperança foram as duas mensagens que deram expressão e alma à sua alocução. Tudo isso num momento em que a história e o simbolismo permitem oferecer aos franceses aquilo que muitas vezes lhes falta: uma certa unidade nacional, um sentido patriótico, à volta dos valores que transcendem o imediato e as lutas partidárias.
Um futebolista ímpar ou um artista de génio dão mais alento a um país do que a grande maioria dos políticos. Abrem as portas da esperança, unem os cidadãos, dão orgulho à nacionalidade, fazem acreditar no impossível. E é isso que um país precisa. E, infelizmente, é isso que os políticos não sabem fazer.
Ser político não é a mesma coisa que ser um alto funcionário do Estado ou um administrador de uma empresa. Os funcionários e os administradores fazem falta enquanto gestores e especialistas. Têm a obrigação de prestar serviços públicos e de garantir a eficácia do sistema da governação e da segurança dos cidadãos.
Existe a tendência para considerar os políticos como super-gestores. Assim, a definição do bom político acaba por se confundir com a de um bom funcionário. Por isso vemos políticos com a mão na massa, a meterem-se em tarefas que não lhe deveriam caber, em assuntos que os funcionários e quadros superiores deveriam tratar. É a velha confusão entre a direcção estratégica e a intromissão nas questões correntes.
O político define os objectivos, representa os cidadãos e dá, tal como os atletas de grande mérito, ou os poetas, pintores e músicos excepcionais, asas à imaginação popular. Só os políticos que conseguem sonhar alto é que podem ser comparados aos heróis do povo.
Hoje voltei ao Mosteiro dos Jerónimos, para me recolher por uns momentos perante os mausoléus de Luís Vaz de Camões e de Vasco Gama. Foi como ir à fonte e beber a água que nos dá ânimo e esperança num futuro mais grandioso que a mediocridade do presente.
O estranho – estranho por ser divulgado pelo Governo às pinguinhas, conforme os interesses do dia e os arranjinhos com os jornais - projecto de Conceito Estratégico de Segurança Nacional, elaborado por um conjunto de personalidades pouco ou nada representativas das forças de segurança interna, é incorrecto ou tímido no que diz respeito às funções da GNR e da PSP. Defende um modelo dual que claramente não funciona e que deveria ser discutido, dissecado e revisto, nomeadamente à luz das práticas adoptadas noutros países europeus e no quadro das nossas realidades orçamentais.
Também não responde a uma questão de base: Para que serve, a que ameaças responde uma força de segurança militarizada? Dizer que serve para combater o terrorismo e a criminalidade violenta não é resposta, pois quer a PSP quer a GNR têm hoje condições para o fazer. Deveriam, isso sim, amalgamar as suas capacidades, nesta e noutras áreas.
O projecto de Conceito ignora, por outro lado, todos os outros serviços de polícia existentes no país - SEF, ASAE, PJ, Polícia Marítima, etc. - , uma proliferação que deveria ser examinada com cuidado.
De qualquer modo, segundo penso, de pouco serve andar a discutir isto numa altura em que o poder político não tem um mínimo de condições de aceitação para poder levar avante uma qualquer reforma que faça sentido no sector da segurança.
Na verdade, o debate sobre a segurança e a defesa nacional continua por fazer, o borrão de Conceito é apenas um background paper, um documento de trabalho, longe de ser um documento de estratégia e a reestruturação do sector não será senão cosmética, receio.
3.Existe uma lacuna no entendimento entre as elites políticas e as de segurança.
A minha experiência dos últimos anos permite-me verificar que um fosso similar existe noutros países da UE, não sendo esse pois um fenómeno unicamente português. No nosso caso, constato que a partir da segunda metade da década de 80 a liderança política de Portugal mostrou falta de sensibilidade para as questões militares e de inteligência. O diálogo dos responsáveis políticos com as forças de defesa e segurança passou a ser num só sentido e mais pobre de conteúdo. Deixou, mais exactamente, de haver diálogo, para passar a haver um monólogo, da responsabilidade de políticos que pouco ou nada conheciam sobre o assunto e a quem as forças não reconheciam subliminarmente autoridade substantiva na matéria. Alguns dos ministros e altos dirigentes civis do Ministério da Defesa nesses anos revelaram uma por vezes total desconexão com as chefias militares, escondendo mal muitas vezes a incompetência por detrás de um biombo erudito, mas revelador de soberba intelectual.
Hoje, analisando o processo à volta da elaboração do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, podemos chegar, com agrado, à conclusão que há mais diálogo. Esse novo tipo de relacionamento precisa, no entanto, de ser institucionalizado. Noutros países, e o caso da Grã-Bretanha é um bom exemplo, os principais responsáveis políticos do governo, a começar pelo primeiro-ministro, sentam-se regularmente à mesa – nalguns casos, uma vez por semana - com as chefias militares, de inteligência e de polícia, no quadro de um Conselho Nacional de Segurança, para debater os riscos que vão surgindo e tomar medidas e acertar respostas, coerentes e coordenadas.
Portugal deveria seguir uma via semelhante, reforçando e elevando significativamente o que é hoje uma prática sem periodicidade fixa, ao nível apenas do ministro da Defesa Nacional e das chefias militares. Esta prática ad hoc precisa de passar a um escalão de responsabilidade diferente, tornar-se regular, amiúde e abrangente.