O Artigo 51 da Carta das Nações Unidas afirma o direito inalienável de cada Estado à legítima defesa. Esse direito pode ser exercido de modo individual ou em aliança com outros Estados, que decidam ajudar o Estado agredido na sua resposta ao agressor. O mesmo artigo reconhece a autoridade do Conselho de Segurança, que deve ser imediatamente informado sobre o exercício da legítima defesa, para que possa tomar as medidas que forem necessárias para restabelecer o direito e a paz.
No caso da Ucrânia, o Conselho de Segurança está completamente bloqueado. Por isso, é o direito à legítima defesa que prima. E a Ucrânia tem todo o direito de procurar o apoio de outros Estados. Esse direito inclui a possibilidade do recurso a uma coligação militar, que ajude a Ucrânia a defender-se de um agressor mais forte. Essa possibilidade não pode, de modo algum ser excluída.
Charles Michel discursou ontem no Conselho de Segurança da ONU e surpreendeu muita gente. Pela positiva. Foi directo aos assuntos, claro e firme. O único que parece não te gostado foi o embaixador russo, que abandonou a sala. Ao fazê-lo, sem ter um outro país como companhia, mostrou que estava isolado. Diplomaticamente, foi mais uma derrota. Simbólica, mas verdadeira.
Link para o texto que hoje publico no Diário de Notícias.
"Como já várias vezes referi, as sanções têm fundamentalmente três objetivos. Expressar uma condenação política. Reduzir a capacidade financeira que sustenta a máquina de guerra. E desconectar a Federação Russa das economias mais desenvolvidas, para realçar que há uma conexão entre o respeito pela lei internacional e a participação nos mercados globais.
As sanções deverão fazer parte de uma futura negociação de normalização das relações. Mas só poderão ser levantadas quando o Kremlin deixar de ser visto pela Europa e pelos seus aliados como um regime imprevisível e ameaçador."
Nas duas entrevistas que realizei hoje com dois canais televisivos insisti, acima de tudo, na necessidade de se acabar com a ilegalidade que é a agressão da Rússia contra a Ucrânia e iniciar um processo que leve à paz. Sei que isso é extremamente difícil de conseguir. Mas a continuação da guerra é ainda mais perigosa. Aprofundará a destruição da Ucrânia e poderá levar a um conflito mais amplo, de consequências imprevisíveis.
Este é o link para a minha crónica de hoje no Diário de Notícias. Cito, de seguida, um parágrafo do meu texto.
" Terceiro, lembrando continuamente os Protocolos de Genebra sobre os limites da guerra. A grande preocupação é a defesa das populações civis. Os ataques indiscriminados são proibidos; os atos de violência militar para criar terror são um crime de guerra; as infraestruturas indispensáveis à sobrevivência das comunidades devem ser poupadas; certos tipos de munições são absolutamente interditos, incluindo as bombas de fragmentação, as armas químicas e biológicas. É igualmente altura de sublinhar as regras sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, agora que os defensores do último reduto em Mariupol se renderam às tropas russas. Essa rendição é um acontecimento altamente político e simbólico, que pede uma referência especial, em defesa dos direitos desses prisioneiros. E de todos os outros, claro."
A agressão contra a Ucrânia vai, nas próximas semanas, privar o mercado mundial de trigo e milho de cerca de 22 milhões de toneladas que estão bloqueadas nos silos, armazéns, portos e navios do país. O bloqueio faz parte da campanha militar russa. O Kremlin sabe que esses cereais são muito importantes para vários países do Médio Oriente e de África. Também está consciente do impacto que o bloqueio tem sobre a segurança alimentar de povos com poucos recursos económicos bem como sobre a assistência humanitária do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Quer agora aproveitar-se disso e negociar a livre passagem desses cereais em troca de um abrandamento das sanções que os Estados ocidentais decidiram aplicar contra a Rússia. Não creio que tal venha a acontecer. Neste momento, a tendência é para o aprofundamento das sanções e não para o alívio. A Rússia não deveria fazer da segurança alimentar internacional uma arma de guerra.
Continuo a repetir que só há uma solução para a crise criada pela Rússia: parar imediatamente a agressão contra a Ucrânia e pagar reparações de guerra. Parece-vos impossível? Difícil, admito que o será. Impossível, não. Sobretudo porque a alternativa poderá ser um alargamento do conflito, com todos os custos e consequências que tal opção possa acarretar.
António Guterres passou o dia em Moscovo, para um encontro de trabalho com Sergey Lavrov e uma audiência com Vladimir Putin. À hora a que escrevo, a reunião com Putin ainda não teve lugar.
Tudo deixava prever que seria um dia difícil para o Secretário-geral da ONU. Mas não havia outra saída, para além desta deslocação. Era preciso fazê-la e iniciar, com a sua realização, um outro tipo de protagonismo para o secretariado-geral das Nações Unidas.
Guterres não parece ter conseguido nenhuma promessa concreta. Os dirigentes russos continuam a apostar na via militar. Por isso, a ideia inicial do Secretário-geral – batalhar por um cessar-fogo – não foi avante. Guterres teve apenas a oportunidade de repetir – e isso foi muito positivo – que a acção russa era uma invasão, aos olhos dos Estados-membros da ONU. E de insistir na prioridade humanitária, a de salvar vidas e evitar o sofrimento humano em larga escala.
Em resumo, continuou a associar o secretariado das Nações Unidas à dimensão humanitária. Parece-me insuficiente. Falta sublinhar a missão política que cabe ao secretariado e ao seu Secretário-geral. No entanto, no conjunto, António Guterres foi corajoso e disse claramente que a Rússia havia violado e continua a violar a Carta das Nações Unidas.