No Dia de Natal, na nossa cultura, fala-se e deseja-se paz. É isso que esperamos que aconteça na Ucrânia, tão brevemente quanto possível.
Também se deve falar de justiça. Este conceito tem várias dimensões. No caso da guerra, significa que não se pode de modo algum tratar o agressor em pé de igualdade com a agredido. Um agressor é um criminoso. É assim que deve ser visto e tratado. Não se oferecem garantias a um criminoso, para além das previstas num julgamento legítimo e processualmente correcto. Mas o criminoso, uma vez reconhecido culpado, deve ser punido.
Um Chefe de Estado não tem imunidade quando se trata de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade, de actos de genocídio. Quando se negociou com Adolf Hitler em 1938, abriu-se a porta a uma nova onda de violência. Essa foi uma das lições aprendidas há oito décadas. Seria um erro esquecê-la.
Hoje, ao meio da tarde, precisei de ir a um centro comercial de Lisboa. Estava a abarrotar. O parque de estacionamento, que é enorme, tinha apenas alguns lugares vazios. Em todos os cantos do centro comercial se fazia fila para comprar algo, uma pequena prenda ou coisa parecida. Na parte alimentar, as filas eram ainda maiores. Claramente, a única preocupação das pessoas era a preparação da festa de Natal. Tudo o resto, nestes dias, fica de lado.
Assim se compreende a importância que os governantes dão ao Natal, embora se saiba que a covid está em progressão rápida. Introduzir restrições antes de 25 de Dezembro teria um custo político. Mais ainda, com eleições à porta.
Alguém me perguntava ontem como se deseja Boas Festas quando vivemos uma época natalícia em crise? E como se retribui, quando alguém nos envia o mesmo tipo de votos?
Respondi que se deve desejar votos positivos, insistir no lado da vida em que o Sol ainda bate, reforçar o optimismo. Não será fácil, em pleno Inverno, na nossa parte do mundo, mas as nuvens e o frio fazem parte do nosso ciclo de vida. Protejam-se e mantenham a esperança, seria a maneira de expressar os votos, nestes tempos que agora vivemos.
Canibal rima com Natal. Mas isso não explica a razão que me levou esta manhã a dizer a quem me quis ouvir que me tinha transformado, durante a noite de consoada, num canibal. Também não meti medo a ninguém. Nem era essa a intenção. Um canibal da minha idade já não faz mal a uma mosca. E a idade também faz com que o apetite não seja muito grande. O jantar de consoada foi ligeiro. E o almoço de Natal também. Modesto, na verdade. Quando comparei o pouco que engoli ao que os meus amigos glutões paparam fiquei a pensar que afinal o meu novo estado de canibal era mesmo e apenas uma fantasia. De confinado, diria um amigo meu. Respondi que talvez fosse apenas uma maneira de responder de um modo inabitual e imprevisto a um Natal que foi muito diferente do que é tradicional. Ou uma maneira nova de desejar a todos um Feliz Natal.
A minha neta tem agora nove anos, a caminho dos dez. Este ano, percebeu pela primeira vez, essa história a que nós, os adultos, chamamos de Pai Natal. Reagiu bem, no entanto. E mostrou que era preciso não deixar o primo, o meu neto de sete anos de idade, perder os seus sonhos sobre a famosa personagem natalícia.
Disse-me que, quando se tem sete anos, era necessário acreditar nos mais velhos. Manter essa confiança, nessa idade, é essencial. E que, mais tarde, é importante continuar a viver certas historietas, mesmo sabendo que, na verdade, não passam de meros contos de fadas.
Acreditar por que se quer, mesmo sabendo que a realidade é outra, dá asas à imaginação. E não é mesma coisa que engolir as falsas realidades, e a água benta, que os políticos nos trazem para a televisão. Por exemplo, aquele senhor que nos veio agora falar do Sistema Nacional de Saúde. Não é nenhum Pai Natal e só acredita nele quem anda de olhos fechados e tem mais de sete anos de idade.
Por esse mundo fora, o Pai Natal roubou o protagonismo ao Menino Jesus. É Pai Natal para aqui, Pai Natal para acolá, do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul. O centro comercial substituiu a cabana da vaquinha e do burrito, o centro comercial é o novo Presépio. São os tempos modernos, a era do marketing, do consumo e da ostentação, os novos símbolos da vida de agora.
O Menino Jesus transformou-se, com o tempo, num velho de barbas brancas, estranhamente vestido de vermelho, com um grande saco de mercadorias feitas na China às costas.
Ontem, no pequeno supermercado Continente aqui do bairro, o Menino Jesus ganhou a forma de uma cabeça de garoupa.
Tinha ido, com a minha chefe cá de casa, comprar peixe ao supermercado. Trata-se, por razões que têm que ver com os hábitos adquiridos noutras infâncias, debaixo de outros céus, de uma expedição delicada. Chegados ao balcão, tínhamos à nossa frente um senhor da nossa idade, mais coisa menos coisa. Ouviu a sugestão que fiz, que ia na direcção de um linguado de bom porte, e a resposta da minha contraparte, que dizia que a garoupa lhe parecia uma melhor opção.
No seguimento, o senhor quis que lhe passássemos à frente. Tentei perceber porquê tanta amabilidade. Acabou por confessar que a sua intenção era a de comprar a cabeça dessa mesma garoupa. Que coincidência! Eu, como sempre, ia pedir ao peixeiro para cortar a cabeça da garoupa e botá-la, de seguida, no balde dos restos. Em casa, a minha chefe não deixa entrar cabeça de peixe, com aqueles olhos grandes fixos nela, acusadores, atemorizantes. Ofereci a cabeça ao senhor, para seu grande espanto, primeiro, regozijo, depois.
E lá fomos juntos para a caixa, ele com cabeça limpa, cortada ao meio, pronta para a sopa, nós com o corpo do bicho e a alegria de um Natal partilhado. Paguei a conta, que desta vez até me pareceu mais ligeira.
Depois, a garoupa no forno soube melhor e passou a ter uma historieta para contar.
Nesta quadra do ano, o meu conselho é que se leve os dias com uma certa graça. Depois das festas, haverá tempo para voltar às preocupações e aos grandes problemas.
António Costa fez um discurso de Natal inteligente. No essencial, a mensagem foi positiva. Mas sublinhou, com muita clareza, que ainda há muito por fazer. Ou seja, procurou transmitir aos cidadãos a ideia que é necessário assegurar a continuidade da política actual. O que quer dizer, e não é preciso ser-se muito vivo para o entender, votar por António Costa nas eleições de 2019. Disse-o habilmente, sem fazer qualquer referência directa às legislativas que já tem, como muitos outros políticos, como principal preocupação.
Antes de fechar as portas por motivos de Natal, tentei hoje entender o que irá ser discutido no Fórum Económico de Davos, a partir de 17 de janeiro.
Como é sabido, Davos atrai, cada ano, uma boa parte da elite política, financeira, económica e académica mundial. Nesta próxima edição, vai ter como estrela o presidente da China, Xi Jinping. O que é significativo: a liderança chinesa quer posicionar-se na linha da frente no que respeita aos grandes debates económicos e sociais sobre o futuro.
O que que me faz voltar à questão da agenda.
E a verdade é que não entendo bem onde se quer chegar com o programa proposto. Os temas são abstractos, pouco claros, cheios de palavras grandiosas, enfim, uma maneira de falar que ninguém entende. Ora, isto para quem se diz preocupado com a distância que continua a aumentar entre as elites e os cidadãos…
A conversa da agenda mostra bem esse fosso. E não irá certamente contribuir para o lançamento de pontes entre ambos os lados.
Pena, porque a questão das elites é uma das grandes interrogações que precisa de ser debatida com urgência. Como Donald Trump e outros do género nos lembram diariamente.
Enfim, vamos, para já, fechar para as festas. Um bom Natal a todos.